O resultado conseguido nas últimas autárquicas, sobretudo a surpreendente conquista da cidade Lisboa, oxigenou a direção social-democrata e deu a Rui Rio a luz ao fundo do túnel de que precisava. Afinal, é possível derrotar os socialistas, mesmo a jogar num campo inclinado, como a capital liderada pelo delfim de António Costa, e em clima de festa, com bazuca e a “libertação” na boca de todos os dirigentes e ministros socialistas. Mas falta provar outra coisa: que é possível ganhar o partido pela terceira vez.
Para que isso aconteça, é preciso os astros se alinhem: que Rui Rio queira verdadeiramente ser recandidato; que as estruturas partidárias deem sinais de que o atual presidente do PSD tem o conforto para avançar com uma recandidatura e ganhar; e que a euforia mediática que se gerou com as conquistas alcançadas (Lisboa, claro, mas também Coimbra, Funchal, Portalegre ou Barcelos, por exemplo) contagie os militantes sociais-democratas.
O calendário, esse, já está mais definido: esta terça-feira, houve reunião da Comissão Política Nacional e lá ficou definido que o Conselho Nacional do partido, órgão máximo entre congressos, deve acontecer a 14 (mais provável) ou a 21 de outubro. Será este órgão que vai agendar as eleições diretas, algures para o final de dezembro ou início de janeiro. Só depois se realizará o congresso de entronização do próximo líder social-democrata, seja ele Rui Rio ou outro.
Antes do Conselho Nacional, já Rui Rio deverá ter tomado uma decisão sobre o seu futuro. A vontade de ser recandidato está ainda por confirmar, embora todos os sinais apontem nesse sentido. Para os mais próximos do líder social-democrata, é uma evidência que Rio está hoje em condições muito mais reforçadas de se apresentar a votos e de ganhar eleições internas. “Todos os objetivos foram cumpridos e superados. Se ele ficou e foi a votos em condições mais adversas, não vejo que não o queira fazer agora”, comenta com o Observador fonte da direção do PSD.
No entanto, o sentimento das estruturas pode ser muito diferente. Há quase quatro anos à frente do partido, Rio já acumulou muitos choques com os aparelhos locais e distritais do partido, além de vir de dois ciclos políticos muito negativos — europeias e legislativas –, sem que existem evidências claras de que é possível chegar ao poder.
Antes de domingo, aliás, o fim do líder social-democrata era uma hipótese em cima da mesa. “Se não tivéssemos atingido aqueles resultados, teríamos caído. Era o fim de linha”, nota outra fonte do núcleo mais próximo de Rio. O resultado conseguido em Lisboa baralhou todos os planos dos adversários internos do líder social-democrata. “Estavam preparados para a noite das facas longas e tiveram de recuar em toda a linha”, sugere um outro dirigente do PSD.
Mas isso pode não ser suficiente para convencer o partido que já ia fazendo contas ao fim de ciclo de Rio. O líder social-democrata passou os últimos dias a fazer telefonemas institucionais, a parabenizar as estruturas e os presidentes eleitos pelos resultados conseguidos. Os adversários internos viram nisso outro objetivo: medir o pulso ao aparelho do PSD e sentir as suas reais hipóteses de conseguir a reeleição.
A convicção que existe junto dos homens de Rio é que a perceção que se criou em relação à vitória em Lisboa pode ter alterado todas as contas que se iam fazendo. “Existe uma onda mediática a nosso favor, a primeira desde que chegámos aqui, e um clima de euforia que mudou o chip de muitos. As pessoas começam a acreditar que a mudança é possível”, argumenta um membro da direção de Rio. “Isso dá-nos uma vantagem para lá do caciquismo das estruturas locais; dá-nos o voto livre.”
A vantagem psicológica conseguida pelas autárquicas teve outro efeito: provocou a retração dos adversários diretos, nomeadamente de Paulo Rangel. O artigo assinado no jornal “Público” foi interpretado pelos rioístas como a assunção de que o plano de assalto ao poder (pelo menos o mais imediato) saíra furado.
“Cheirou a falta de confiança. E isso é fatal em política”, sugere um apoiante de Rio. A iniciativa, agora, está do lado dos críticos. “Eles é que têm de ser mexer”, nota a mesma fonte.
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TOMÁS SILVA/OBSERVADOR
As contas de Rio
A verdade é que depois das eleições autárquicas, a confiança da direção do PSD no caminho até agora seguido insuflou. Não foi o pântano de 2001, mas há lodo no cais socialista. A direção social-democrata acredita que o PS vai entrar em trajetória descendente, que as guerras dinásticas no partido vão fazer danos colaterais e que o PCP, o único grande aliado que resta a António Costa, está cada vez mais instável e ferido de orgulho.
Os mais próximos apoiantes de Rio estão convencidos de que o PSD estará em condições de derrotar o PS em 2023, sobretudo se o candidato do outro lado não se chamar António Costa e sim Pedro Nuno Santos. “Rio só sai se tiver desistido da vontade de ser primeiro-ministro”, ironiza fonte do núcleo duro do líder social-democrata.
Em termos de resultados práticos, as autárquicas também deram bons motivos a Rio para sorrir. Apesar de ter ainda menos autarquias que o PS, o PSD controla agora a maioria das capitais de distrito e as cidades que têm mais peso no país, como Braga, Aveiro, Coimbra, Lisboa, Faro e Funchal.
Além disso, e como argumentam aqui os politólogos Jorge Fernandes e Mafalda Pratas, a tese de que o PSD se estaria a tornar um partido rural perdeu alguma força. “De facto, o PSD recuperou votos nos grandes centros urbanos o que, a prazo, será essencial para as próximas legislativas, até porque, como é sabido, as autarquias são fundamentais enquanto centros organizativos dos partidos políticos, especialmente fora de Lisboa e do Porto”, sugerem ambos.
Em contrapartida, globalmente, o centro-direita voltou a perder eleições à luz de qualquer critério — número de câmaras, número de autarcas e no somatório de votos. Os dois maiores partidos, PS e PSD, aproximaram-se, é certo, mas continua a existir uma maioria de esquerda no país. Basta pôr a lupa no caso de Lisboa: se valessem as regras do jogo parlamentar, seria Medina a governar com apoio de PCP e BE e não Moedas.
Ou seja, mesmo que a direita viesse a ganhar as próximas legislativas, aplicando as dinâmicas que hoje existem e as realidades somadas das 308 eleições locais, o PS teria, apesar do resultado agridoce que obteve, mais condições de governabilidade do que o PSD. E essa ideia não desaparece do horizonte dos adversários internos de Rio.
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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
Os tempos de Rangel
Apesar dos argumentos reforçados de Rui Rio, Paulo Rangel mantém todas as intenções de avançar para a liderança do PSD. Esta terça-feira, no Público, o eurodeputado adiou o seu momento para se pronunciar sobre uma eventual candidatura e decidiu esperar.
“Não é ainda o tempo da chamada clarificação interna nem do debate interno. Como bem disse o presidente do PSD, estamos ainda no perímetro do ciclo autárquico, das suas implicações e repercussões. A seu tempo, virá o ciclo eleitoral normal do PSD e, aí sim, cada militante será chamado a assumir as suas responsabilidades”, escreveu Rangel.
Ora, o relógio eleitoral do partido começa a contar assim que as eleições estiverem marcadas em Conselho Nacional e que o partido cumpra a discussão e análise dos resultados internos. Só a partir daí, Rangel dirá verdadeiramente ao que vai.
Até lá, a estratégia passa por não cometer erros, meter gelo nos pulsos, esperar que a poeira comece a assentar e que o clima de euforia dê lugar à realidade vista pelos olhos dos críticos de Rio: a vitória em Lisboa foi de Moedas e não da atual direção do PSD; globalmente, o PSD teve vitórias de pirro; e não há nada nos resultados que prove que esta direção venha a conseguir derrotar o PS em legislativas, seja António Costa ou outro o candidato a primeiro-ministro.
Foi isso mesmo que sugeriu Rangel no “Público”, já depois de ter pedido “pés na terra” ao partido. “Importa fazer, tão brevemente quanto possível, uma análise fina e detalhada dos resultados eleitorais em todas as suas dimensões. É o tempo de, estimulados pelo novo sinal político, estudar bem os números e a sua distribuição territorial, em ordem a fixar e potenciar os ganhos e a inverter e reduzir as perdas.”
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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
A pressão sobre Montenegro
Ainda assim, mesmo entre os que esperam e desejam uma candidatura de Paulo Rangel, ninguém ignora o óbvio: a surpreendente vitória em Lisboa e a confirmação das conquistas em Coimbra, Portalegre e Barcelos deram um ânimo renovado a Rui Rio e aumentaram, por via do efeito mediático dessas conquistas, as dúvidas nas estruturas indecisas e o alcance do voto livre. A partir de agora, todos os equilíbrios tornaram-se bem mais frágeis.
Não é de estranhar, por isso, que as pressões em torno da existência de uma única candidatura alternativa à de Rui Rio estejam a aumentar. Com Paulo Rangel a ocupar a pole position dessa corrida (marcou mais cedo a agenda e reuniu mais apoios), Luís Montenegro arrisca-se a ser o cordeiro sacrificado.
O antigo líder parlamentar ainda não tem qualquer decisão tomada sobre o seu futuro. Poucos dias antes das eleições autárquicas, deixou claro que ia exigir uma reflexão no pós-autárquicas e que não excluía nada — incluindo ser candidato. Desde aí, no entanto, tem estado remetido ao silêncio.
Mesmo estando (praticamente) afastado dos grandes holofotes, Montenegro acabou por receber más notícias nestas autárquicas. Como explicava aqui o Observador, o PSD não só perdeu Espinho — terra de Montenegro e candidatura apadrinhada por ele –, como perdeu as Caldas da Rainha e Batalha, praças-fortes do antigo líder parlamentar. Pior ainda: o PSD ganhou Barcelos com uma solução imposta contra a vontade de Paulo Cunha, líder da distrital do PSD/Braga e o maior apoiante de Montenegro nas últimas eleições.
Posto isto, o que antes se comentava apenas nos bastidores do PSD, na segunda-feira tornou-se uma mensagem com rosto e voz: na TVI, Carlos Carreiras, que deu a mão a Montenegro na segunda volta das últimas eleições internas, lembrou as derrotas (indiretas) do ex-deputado, defendeu que o social-democrata tinha agora menos margem para avançar e sugeriu que talvez fosse boa ideia considerar um apoio a uma única candidatura alternativa anti-Rio.
Ora, a possibilidade de existir uma conjugação de esforços Rangel-Montenegro, não sendo exatamente uma miragem, não é (ainda) um cenário provável. A base de apoio de Montenegro nutre uma profunda antipatia por Rangel — que esteve sempre ao lado de Rio — e continua a acreditar que o eurodeputado disputa a mesma base apoios de Rui Rio — o que, em teoria, aumentaria as hipóteses de Montenegro.
Mas a realidade imediata tem muita força e o choque causado pelos resultados de Rio pode precipitar uma inversão completa da estratégia. “Aliança Rangel-Montenegro? Essa hipótese não pode ser excluída“, diz ao Observador um dos generais do antigo líder parlamentar. “Mas é preciso esperar por tudo o que ainda pode acontecer”. E a espera pode ser longa.