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Por enquanto, está tudo “muito calmo”. Quem o diz é o médico e professor Fernando Maltez. É diretor do Serviço de Doenças Infecciosas do Hospital de Curry Cabral, em Lisboa, e já por ali viu passar surtos que deixaram a área de isolamento desta unidade de saúde não tão calma como se encontrava esta quarta-feira. Como em 2009, com a gripe A. “Passaram por aqui, em três meses, à volta de 600 doentes. Praticamente, estavam cá só 24 horas”, disse ao Observador numa entrevista num dos 14 quartos de isolamento daquele hospital.
Atualmente, metade da capacidade está ocupada com casos de tuberculose. Os restantes estão vazios. “Temos de ter quartos reservados para o coronavírus, mas também para o surto de ébola que está a decorrer na República Democrática do Congo”, explica o médico Fernando Maltez. Um desses 14 quartos reservados foi ocupado pela primeira vez com um potencial caso de coronavírus no passado sábado. O resultado foi negativo e, por enquanto, não há ninguém infetado com esta nova estirpe que teve a sua origem em Wuhan, na província de Hubei, na China — onde o número de mortos já ultrapassa a centena.
Ainda assim, já há casos de coronavírus na Europa e, por cá, os profissionais de saúde também já se começam a preparar para uma eventual chegada do surto. O Observador visitou o Serviço de Doenças Infecciosas do Hospital de Curry Cabral — o que tem mais quartos de isolamento no mesmo espaço físico, explica o médico Fernando Maltez. Com capacidade para receber apenas adultos, é um dos três hospitais do país em alerta para receber potenciais doentes, além do Dona Estefânia, também em Lisboa, para crianças, e do São João, no Porto, com capacidade para adultos e crianças.
Ainda esta terça-feira, a ministra da Saúde assegurou que os hospitais portugueses estão preparados para lidar com um eventual surto de coronavírus. Do primeiro alerta, ao isolamento e até à alta hospitalar, quais são os procedimentos para um caso suspeito e o que se faz se os resultados do exame confirmam o pior cenário?
Uma chamada para a Saúde 24 ou uma ida às urgências. Percurso começa aí
Ter só febre ou só tosse não é sinal de alerta. Nem ter estado na China é sinónimo de isolamento. É preciso que o caso seja validado como suspeito. Os hospitais preparados para receber doentes contagiados têm ordens para isolar de imediato os casos suspeitos de coronavírus. Mas quando é que determinado caso é considerado suspeito? “Se configura três ou quatro critérios de suspeição, é isolado como se se tratasse de um caso“, responde o médico Fernando Maltez.
Trata-se de uma conjugação de critérios clínicos — febre, tosse e dificuldade respiratória, quando não há uma causa que explique estes sintomas — e epidemiológicos — ter estado numa área onde estão outros casos confirmados. Por exemplo, de acordo com uma orientação da DGS sobre os procedimentos a adotar pelos profissionais de saúde, publicada a 25 de janeiro, um caso só é considerado suspeito se a pessoa com sintomas de uma infeção respiratória aguda, como febre e tosse, sem uma causa que os explique, tenha estado em Wuhan, na província de Hubei, na China, nos 14 dias antes do início dos sintomas.
Foi o que aconteceu no passado sábado, com o único caso suspeito até agora registado em Portugal. Um cidadão português aterrou em Lisboa, regressado da cidade de Wuhan, ligou para a linha do Serviço Nacional de Saúde (808 24 24 24), tendo sido de imediato encaminhado para o Hospital Curry Cabral.
Ligar para a linha Saúde 24 — o mesmo se aplica com o número de emergência médica nacional (112) — é uma das duas formas através das quais um paciente com sintomas pode pedir orientações. Neste cenário, e pelo benefício da dúvida, o doente é aconselhado de imediato a permanecer em casa e evitar o contacto com outras pessoas, enquanto aguarda “contacto telefónico, com indicação de procedimentos a adotar”, explica a DGS.
Depois, com base nos sintomas que o doente relata, é feita uma validação “pela DGS com o médico designado de um dos hospitais de referência” — Curry Cabral, Estefânia ou São João. Se for validado como um caso suspeito, são acionados os mecanismos para levar o doente até um dos hospitais em alerta. O transporte é feito pelo INEM. “Se não for validado, são dadas indicações para onde se deve dirigir”, explica o médico Fernando Maltez.
Mas também pode haver casos de doentes com sintomas que optam por dirigir-se a uma unidade de saúde — qualquer uma do país — sem ligar para a Linha de Saúde 24. “Aí, se configura um caso suspeito, é isolado e colocado numa sala própria. É visto por um profissional de saúde, que contacta a Linha de Apoio ao Médico da DGS. Se o caso for validado, são acionados os mecanismos para o levar também”, disse ainda o diretor do Serviço de Doenças Infecciosas do Curry Cabral. Nestes casos, a pessoa suspeita de estar contagiada com esta nova estirpe é levada pelo INEM para um dos três hospitais em alerta. De acordo com a orientação da DGS, é recomendado dar ao doente uma máscara cirúrgica.
O isolamento do doente num quarto de pressão negativa e a espera de cinco a seis horas até ao resultado
Num caso ou no outro, e mesmo que não seja certo que se trate de um caso de coronavírus, assim que o doente chega a um desses três hospitais, é colocado num quarto de isolamento com pressão negativa: ou seja, um quarto onde a pressão é inferior à pressão atmosférica normal. Isto permite que quaisquer vírus ou poluentes que possam existir dentro do quarto não saiam para o exterior.
No Curry Cabral são 14 — dispostos num longo corredor. À primeira vista, parece um quarto semelhante a qualquer outro de um hospital, só que tem uma casa de banho privada e uma antecâmara. “Um quarto de isolamento não é só de isolamento de barreira, mas também tem algumas características. Nomeadamente, pressão negativa e filtração de ar. Tem um sistema de cinco a seis mudanças de ar por hora“, detalha o médico Fernando Maltez, resumindo: “É um isolamento indicado para situações clínicas de alta infecciosidade“.
Depois, são logo feitos exames. Afinal, apesar de estar isolado e de ser um caso suspeito, ainda não se sabe se o doente está mesmo contaminado com esta nova estirpe com origem na China. “São feitas análises ao sangue, análises às secreções respiratórias, zaragatoas orais e nasais. Se houver a possibilidade de recolher amostras respiratórias do trato respiratório inferior, melhor. Se não for possível, faz-se à expetoração, zaragatoa [um método de recolha de uma amostra] oral, nasal e sangue”, detalha o médico e professor Fernando Maltez.
As amostras são depois enviadas para o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, por uma empresa certificada e autorizada para tal. “São testes de diagnóstico molecular”, diz o especialista, explicando de seguida que permitem a obtenção de um resultado “em tempo real”. “Temos a confirmação do diagnóstico ou a infirmação em cinco ou seis horas“, disse ainda Fernando Maltez, recordando que, no passado sábado, o caso suspeito que ali receberam deu negativo. “Quando saiu do isolamento, teve alta porque já estava bem”, contou ao Observador.
Mesmo quando a contaminação ainda está por confirmar, são identificados os familiares do doente e as outras pessoas com quem possa ter estado em contacto. “Quando o doente é internado, são logo identificados os contactos próximos para depois ver quais são as medidas a tomar, conforme os resultados de um caso suspeito. Não se pode desencadear nada sem ter a confirmação“, explica ao Observador o médico Fernando Maltez.
Depois de um resultado positivo, o tratamento é feito aos sintomas
Se, até aqui, os procedimentos previstos já foram testados — com o doente que acabou por apresentar resultados negativos —, o que acontece depois ainda não passou da teoria, já que nenhum destes hospitais teve um caso confirmado de coronavírus. Mas, a confirmar-se, o doente terá um tratamento “essencialmente sintomático”. “Não há nenhum tratamento específico para o coronavírus. Nem há ainda nenhuma vacina. Se o doente tem febre, trata-se a febre. Se o doente tem tosse, dá-se um medicamento para a tosse. Se, eventualmente, tem uma pneumonia, pode dar-se alguma antibioterapia para possibilidade de infeção bacteriana”, explica o médico.
Enquanto é tratado, o doente continua em isolamento. Até quando? “Depende muito da evolução clínica e da negativação dos exames biológicos: ou seja, assistirmos à negativação desses exames que, inicialmente, eram positivos. Mas depende, sobretudo, da evolução clínica do doente: se é um quadro clínico mais grave ou menos grave; se se resolve rapidamente, se se prolonga, se é uma pneumonia. É variável”, responde o responsável pelo Serviço de Doenças Infecciosas do Curry Cabral.
Até lá, as visitas “só serão, em princípio, autorizadas quando o doente já não constituir um risco para a saúde pública. Ou seja, quando já não existir risco de transmissão”.
Os 20 portugueses retirados de Wuhan só serão isolados se o risco de coronavírus for elevado
Também já se sabe o que vai acontecer aos cerca de 20 portugueses que serão retirados, por via áerea, da cidade chinesa de Wuhan. De acordo com a diretora-geral da Saúde, serão avaliados à chegada para determinar o risco “que têm de poder ter contraído uma infeção” e só depois serão tomadas eventuais medidas de isolamento. Em entrevista à agência Lusa, Graça Freitas disse que “se o risco for muito pequeno não se tomam medidas”. Isto porque não considera que haja “nenhum motivo para os colocar em isolamento” os portugueses que “já estiveram nos últimos 14 dias nas suas casas em Wuhan, não tiveram contactos com pessoas ou animais, não estiveram expostos a nada, não têm sintomas”.
Noutros países europeus que estão a receber nacionais vindo de Wuhan, as medidas são, porém, diferentes. Em França, mesmo os cidadãos que não apresentem sintomas serão colocados em confinamento por 14 dias, segundo a ministra da Saúde francesa, Agnès Buzyn. O mesmo vai acontecer em Espanha, onde todos os repatriados ficarão isolados num único piso de um hospital em Madrid. Também nos Estados Unidos, os cerca de 200 norte-americanos que chegaram esta quarta-feira ficarão em quarentena durante 72 horas e depois serão isolados se apresentarem algum sintoma, escreve a BBC. No Reino Unido, são também cerca de 200 os nacionais a ser retirados de Wuhan — todos ficarão, para já, de quarentena, de acordo com o The Telegraph.
No entanto, Graça Freitas explica: “Até agora, o protocolo português é assim e segue orientações da Organização Mundial da Saúde”.