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Na véspera das comemorações dos 50 anos do 25 de abril, o Presidente da República viu-se envolvido numa espiral de polémicas alimentada pelas declarações que fez, num jantar com jornalistas estrangeiros, e que acabaram por ser divulgadas pela comunicação social.

No evento que se realizou na terça-feira, um Marcelo Rebelo de Sousa com poucos filtros comentou as personalidade de António Costa e Luís Montenegro, defendeu a reparação às ex-colónias, revelou e justificou o corte de relações com o filho, estranhou a coincidência da abertura do inquérito crime na mesma data em que o ex-primeiro-ministro se demitiu, usando a qualificação de maquiavélico para se referir à atuação da Procuradora-Geral da República no caso das gémeas. E até explicou porque recusou a proposta para nomear Mário Centeno como primeiro-ministro.

As notícias sobre este jantar começaram a circular num blog do jornal Correio Brasiliense, tendo surgido mais tarde gravações áudio divulgadas por órgãos nacionais.

O desgaste do caso das gémeas, que levou ao corte de relações com o filho

Marcelo Rebelo de Sousa confirmou que cortou relações com o filho, Nuno Rebelo de Sousa, por causa do caso do tratamento milionário concedido às gémeas luso-brasileiras. “É imperdoável, porque sabe que tenho um cargo público e político e pago por isso”, disse o Presidente da República, durante um jantar, esta terça-feira à noite, segundo o Diário de Notícias.

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Foi o próprio chefe de Estado a colocar o tema em cima da mesa, ainda antes de ter sido feita qualquer pergunta. “Ele tem 51 anos. Se fosse o meu neto mais velho preferido, com 20 anos, eu iria sentir-me corresponsável. Mas, com 51 anos, é maior e vacinado“, acrescentou. “As gémeas foram um fenómeno adicional, mas não me desgastou politicamente, desgastou-me pessoalmente.”

Marcelo cortou relações com o filho por causa do caso das gémeas brasileiras: “É imperdoável”

O afastamento terá começado, no entanto, ainda antes da polémica em torno do caso das gémeas, que veio precipitar o corte de relações. Questionado na quarta-feira sobre o tema,  Marcelo Rebelo de Sousa lamentou que o filho tenha “tomado iniciativas que devia ter comunicado previamente ao pai, enquanto Presidente da República” e admitiu que existe sente mágoa pelo estado da relação com o filho, com quem não mantém um contacto regular. “Não falo em geral, não falo, ponto”, garantiu, reconhecendo que sente “muita mágoa pessoal”, mas que não é o responsável pela situação.

O relatório da Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) sobre o caso confirma que pelo menos três entidades (Ministério da Saúde — através da intervenção do então secretário de Estado António Lacerda Sales —, Hospital de Santa Maria e Infarmed) agiram de forma irregular, facilitando o acesso das crianças à terapêutica, ao arrepio das regras de referenciação do SNS.

Costa era “lento” e Montenegro “vai dar trabalho”

Num mês em que deu posse a um novo governo, Marcelo Rebelo de Sousa comparou o perfil do ex-primeiro-ministro António Costa com o de Luís Montenegro. Sobre o atual primeiro-ministro, Marcelo vaticina que será “um político de silêncios.” Não segue a linha de António Costa e, segundo o Presidente da República, o atual primeiro-ministro tem “um estilo que não é lisboeta nem portuense”. “É uma pessoa que vem completamente de um país profundo, urbano-rural, urbano com comportamentos rurais“, acrescentou.

Para o Presidente da República, Luís Montenegro “vai ganhar os debates parlamentares todos”, uma vez que “é um grande orador”, mas também vai saber escolher o silêncio muitas vezes, admitindo uma “gestão do silêncio”. “Quando entende que é um erro falar, prefere o silêncio”, acrescentou, de acordo com um áudio divulgado pelo Diário de Notícias.

Marcelo: Costa era “previsível”, Montenegro “vai dar trabalho”

As diferenças entre António Costa e Luís Montenegro são muitas, segundo Marcelo, e começam com o efeito surpresa. Ao contrário do antigo primeiro-ministro, que “informava sempre”, Luís Montenegro “é totalmente independente”. “Agora todos os dias tenho surpresas.”

Para Marcelo, António Costa era “previsível”. Montenegro, pelo contrário, “vai dar trabalho”.

No que toca à gestão dos tempos, o Presidente da República compara o atual e o ex-primeiro-ministro, concluindo que os dois têm estilos lentos. Luís Montenegro não é [do] estilo do primeiro-ministro António Costa, é outro estilo”, começa por dizer, sublinhando que é “discursivo, envolvente, difícil de acompanhar por causa dessa envolvência”. “É um estilo de outro tempo. Nisso, o primeiro ministro António Costa era lento, era oriental. Mas este não é oriental, mas é lento, tem o tempo do país rural, embora urbanizado. Faz lembrar um bocado o PSD profundo”, explicou.

O Presidente da República recordou que “enquanto o PS era Lisboa, Grande Lisboa, áreas metropolitanas, o PSD era o resto do país, sobretudo norte e centro-norte”. “E ele [Luís Montenegro] é muito, muito isto. A maneira de ser é muito isto. [imperceptível] E vai conseguir controlar o tempo. Agora, tem uma coisa: é totalmente independente, nada influenciável, totalmente improvisador“, considera Marcelo Rebelo de Sousa.

O chefe de Estado revelou que Luís Montenegro só começou a convidar os ministros no que dia em que tinha de entregar a lista ao Presidente da República. “Ele formou o governo de uma forma impensável. Convidou cada ministro sem ninguém saber, dos outros ministros, quem é que era o ministro da pasta. Encontraram-se de surpresa no fundo da história. Ele começou a convidar os ministros na manhã do dia em que me ia entregar a lista. É um risco. Mas correu bem”, descreveu Marcelo.

O estilo de Montenegro é, por isso, associado pelo PR ao antigo PSD. “É um líder à antiga, não é um político estilo primeiro-ministro António Costa. E muito menos estilo partidos populistas. É outro estilo: discursivo, envolvente. É um estilo de outro tempo”, descreveu. E faz lembrar “o PSD profundo”. “O antigo PSD era muito isto. O antigo PS era Lisboa, Grande Lisboa, áreas metropolitanas, e o PSD era o resto, sobretudo norte e centro norte. E ele é muito, muito, muito isto.”

“Maquiavélico” e o “equilíbrio sofisticado” da PGR

Foram estes os dois comentários feitos Marcelo Rebelo sobre a atuação da Procuradora-Geral da República, Lucília Gago, a propósito do caso que envolve que envolve o seu filho e a presidência. Na gravação audio divulgada pelo DN, o presidente referia-se à data de abertura do inquérito criminal ao caso da gémeas que corresponde ao mesmo dia em que António Costa bateu com a porta por causa da Operação Influencer. Ainda que essa coincidência de datas só tenha sido conhecida mais tarde.

Marcelo, a PGR e o que achou “maquiavélico” e um “equilíbrio sofisticado” entre Operação Influencer e caso das gémeas

“Se a senhora procuradora, com a mesma presteza com que tinha tido a iniciativa de abrir um inquérito envolvendo também o primeiro-ministro um mês antes de os portugueses saberem… descubro, umas semanas mais tarde, que tinha aberto um inquérito contra terceiros e em que dia? No dia 7 de novembro. Que eu achei maquiavélico. Género de equilíbrio, equilíbrio sofisticado. Muito bem… abriu, abriu”

Em esclarecimentos dados depois a jornalistas portugueses, Marcelo garantiu que não estava a visar a  Lucília Gago com a qualificação de maquiavélica. “Nunca falei na PGR. Falei, em si mesmo, na situação do processo e expliquei porque é que quanto ao processo não me pronunciava.”

Portugal tem de pagar os custos da colonização, diz Marcelo

Marcelo Rebelo de Sousa reconheceu a responsabilidades de Portugal por crimes cometidos durante a era colonial, sugerindo o pagamento de reparações pelos erros do passado. “Temos de pagar os custos. Há ações que não foram punidas e os responsáveis não foram presos? Há bens que foram saqueados e não foram devolvidos? Vamos ver como podemos reparar isto”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, citado pela agência Lusa.

Segundo afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, Portugal “assume toda a responsabilidade” pelos erros do passado e lembra que esses crimes, incluindo os massacres coloniais, tiveram custos.

Marcelo Rebelo de Sousa defende pagamento de reparações por crimes da era colonial

Esta é já a segunda vez que o Presidente da República se refere ao tema da reparação histórica para com os povos colonizados por Portugal. Há um ano, na sessão de boas-vindas ao Presidente brasileiro Lula da Silva, que antecedeu a sessão solene comemorativa do 49.º aniversário do 25 de Abril na Assembleia da República, Marcelo Rebelo de Sousa defendeu que Portugal devia um pedido de desculpa, mas, acima de tudo, devia assumir plenamente a responsabilidade pela exploração e pela escravatura no período colonial.

“Não é apenas pedir desculpa — devida, sem dúvida — por aquilo que fizemos, porque pedir desculpa é às vezes o que há de mais fácil, pede-se desculpa, vira-se as costas, e está cumprida a função. Não, é o assumir a responsabilidade para o futuro daquilo que de bom e de mau fizemos no passado“, defendeu.

Durante as comemorações do 25 de Abril nem Marcelo, nem os chefes de Estado dos países que foram colónias portuguesas até à data, fizeram qualquer comentário sobre este tema.

Marcelo só rejeitou Centeno para PM porque António Costa deixou de ser líder do PS

No jantar com jornalistas estrangeiros, Marcelo Rebelo de Sousa responsabilizou também António Costa por não ter sido viabilizado um Governo socialista de transição, depois da demissão do primeiro-ministro (PM), em novembro do ano passado. Em novos registos áudio do jantar do Presidente da República com jornalistas estrangeiros, divulgados pela CNN Portugal, Marcelo defende que Costa “podia ter saído de PM, mas não de líder do PS” e que, ao deixar também o cargo de secretário-geral do partido, abriu “o problema da sucessão e da divisão da sucessão, que existia”.

Marcelo só não aceitou Centeno como PM porque Costa deixou de ser líder do PS. E confirma que perguntou à PGR se caso Influencer era “grave”

Marcelo conta que “algumas pessoas pensaram que era possível adiar, com um Governo transitório socialista, que substituísse o primeiro-ministro António Costa e simulasse que a realidade não piorava”, mas insiste que isso seria impossível: “Ao apontar-me um independente [o governador do Banco de Portugal foi ministro das Finanças, mas não é militante do PS] —  para primeiro-ministro, [Costa] torna impossível a viabilidade de um governo liderado por um independente que não é socialista, num momento em que a única garantia de continuidade saía de líder do PS. Era impossível, era para cair rapidamente”.

Marcelo Rebelo de Sousa conta, no dia em que o primeiro-ministro apresentou a demissão, foi acordado por António Costa. “Nenhum de nós percebia porquê, o que é que se passava, não havia informação. Ele, que era o primeiro interessado, queria saber o que se passava — com ele, com colaboradores dele, com ministros do Governo dele. E, portanto, pediu-me para eu falar com a PGR — eu falaria sempre.”

Nessa conversa, garante, disse a Lucília Gago: “Não quero saber pormenores, não posso. Quero só perceber: aconteceu alguma coisa grave? Envolve o primeiro-ministro? Envolve o Governo? Ao menos isso.”

Por essa altura, continua, “a Procuradoria tinha elaborado uma nota” e, quando a PGR chegou a Belém, “já a nota existia e tinha sido ou estava a ser divulgada”: “Portanto, o primeiro-ministro e eu ficámos a saber, como todas as pessoas, pela nota quais eram as matérias, genéricas, quais eram as pessoas. E depois uma nota final, de que havia suspeitas genéricas sobre o PM. Mais nada.”

Perante isso, António Costa entendeu — “justificadamente”, no entendimento de Marcelo — que não podia continuar em funções por estar em causa “um dano reputacional, moral e político incontrolável”, palavras que o PR atribui ao próprio primeiro-ministro. “Não sabia quanto tempo ia durar. A investigação podia durar um mês, dois meses, três meses, quatro meses. Era maior? Era menor? Era contra um, contra dois, contra três?”