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Do que precisamos para inovar em saúde?

Esperam-se tempos vibrantes para a inovação em saúde nos próximos anos, mas, para tal, algumas condições devem verificar-se. Mais e melhor informação, partilha e coragem são fundamentais.

“Acredito piamente que, daqui a dez anos, a saúde que se faz hoje será qualquer coisa de pré-histórico.” A convicção com que Joaquim Cunha, diretor executivo do Health Cluster Portugal, antevê o futuro da prestação de cuidados de saúde foi secundada pelos restantes participantes na conversa digital que o Observador promoveu em parceria com a Tabaqueira, no dia 30 de junho, para debater o tema “Vamos ter cada vez mais inovação ao serviço da saúde?”.

A talk digital, promovida pelo Observador e parceria com a Tabaqueira, realizou-se no dia 30 de junho, tendo como tema “Vamos ter cada vez mais inovação ao serviço da saúde?”

A resposta à pergunta de partida ficou logo, claro, rapidamente respondida, mas importava ainda perceber que tipo de inovação irá marcar os próximos tempos, bem como o que é preciso fazer para a acolher. Na conversa, moderada por João Miguel Santos, host da Rádio Observador, participaram também Ana Teresa Freitas, CEO da HeartGenetics, e Rui Minhós, diretor da área de external affairs da Tabaqueira. Uma saúde mais inteligente e eficaz, beneficiária de mais e melhor informação e partilha de dados é o caminho que todos preveem, a que se junta o aprofundamento de tendências já observadas atualmente, como a monitorização, a telemedicina ou a medicina personalizada. Mas, para que a inovação não abrande e nos alcance a todos, ficou claro que é importante que se perca o medo da partilha de informação, se melhore a comunicação e haja coragem para acelerar processos.

O que a pandemia revolucionou

Seria impossível começar uma conversa sobre inovação em saúde sem tocar no tema que, há cerca de ano e meio, nos ocupa a todos: qual foi, afinal, o impacto da pandemia de Covid-19 neste universo específico? Ana Teresa Freitas não hesitou em apontar as teleconsultas como “uma das maiores revoluções que a pandemia nos trouxe na saúde”. “Percebeu-se que era um meio subutilizado”, ainda que conhecido, afirmou. Mas não foi só o potencial desta ferramenta que foi redescoberto com o SARS-CoV-2, foi também outra dimensão relevante — e associada a esta — que ficou muito clara: “A não restrição a uma geografia.” Ou seja, graças à telemedicina, é possível “aceder a uma diversidade de serviços de saúde na Europa”, sem sair do local, o que constitui uma importante mudança. Outra alteração observada na sequência da pandemia foi ainda, na perspetiva da oradora, o “desenvolvimento de dispositivos de diagnóstico, que podem ser cada vez mais usados pelas pessoas em casa e os resultados reportados aos médicos”.

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Totalmente de acordo com Ana Teresa Freitas, Joaquim Cunha sublinhou o “lado positivo” da pandemia, salientando que “a saúde ganhou protagonismo”. Não se referindo apenas ao facto, que considera “extraordinário”, de ter sido possível desenvolver vacinas em tão pouco tempo e “com sucesso”, mas também porque “fomos obrigados a pensar na forma como a saúde está organizada”, nomeadamente a localização das cadeias de produção, entre outros aspetos.

Conjugação de esforços para inovar

Por seu turno, Rui Minhós considerou que “a pandemia pôs à prova os sistemas de saúde, revelando as suas fragilidades em termos de recursos e capacidade de resposta”, além de ter mostrado que “através da conjugação de esforços se conseguiu desenvolver vacinas num tempo recorde”.

"a pandemia pôs à prova os sistemas de saúde, revelando as suas fragilidades em termos de recursos e capacidade de resposta”
Rui Minhós, Diretor da área de external affairs da Tabaqueira

“Se exportarmos este modelo para outros fármacos, para outras doenças, certamente conseguimos acelerar o acesso a [soluções para] necessidades terapêuticas sem resposta.” Fazendo um paralelismo com o sector da Tabaqueira, o responsável explicou que esta empresa é uma subsidiária da Philip Morris International, a qual “iniciou um processo de transformação há cerca de 20 anos, investindo fortemente em Investigação & Desenvolvimento para desenvolver alternativas aos cigarros”, tendo em conta que “é uma empresa que tem uma visão de ter um futuro sem fumo e o propósito de substituir os cigarros rapidamente”. Todavia, “fruto do défice de credibilidade que tem como empresa, fruto do seu passado, há algumas dificuldades de diálogo com reguladores e universidades”, admitiu, afirmando que as alternativas que têm vindo a desenvolver no campo do tabaco e da nicotina “podem funcionar como um terceiro pilar, complementar às medidas de cessação e prevenção tabágica existentes”. Ora, como se está a ver durante a pandemia, “quando há conjugação de esforços, conseguimos trazer soluções com impacto positivo na saúde pública”, constatou.

Saúde: maior consciência geral?

Será que uma das consequências desta pandemia vai passar por trazer uma maior consciência em matéria de saúde? Para Ana Teresa Freitas, esse movimento já se está a fazer sentir, mas advertiu também que “temos memória curta”. Referindo-se à área de atuação da empresa que lidera, a qual disponibiliza produtos na área da genética de prevenção, através dos quais “as pessoas podem fazer os seus testes genéticos, perceber as suas características e, com base nesses resultados, prevenir o desenvolvimento da doença”, deu como exemplo um estudo levado a cabo durante a pandemia com doentes portugueses. Através desta investigação, concluíram que a “população portuguesa tem um défice de cariz genético para sintetizar a vitamina D, e as pessoas que têm níveis de vitamina D muito baixos são pessoas que estão mais suscetíveis a ter reações adversas e mais severas da Covid-19”. Nas palavras da responsável da HeartGenetics, “este é o tipo de resultados que pode fazer com que, ao nível da sociedade, se tomem medidas de prevenção de saúde pública”.

“as pessoas podem fazer os seus testes genéticos, perceber as suas características e, com base nesses resultados, prevenir o desenvolvimento da doença”
Ana Teresa Freitas, CEO da HeartGenetics

Já do ponto de vista do comportamento individual, assumiu que, de facto, as pessoas estão atualmente a procurar produtos na área da genética de prevenção, “para se conhecerem melhor e para tentarem atingir níveis de saúde muito mais interessantes e prevenir a doença”. “Uma vez que o tema da saúde se tornou um tema do dia a dia, as pessoas estão mais alerta”, reforçou, justificando com o maior interesse que se observa em relação à prática do exercício físico ou à adoção de hábitos alimentares equilibrados.

Em perfeita sintonia, Joaquim Cunha considerou mesmo “um ato de inteligência coletiva” esta maior preocupação com estilos de vida mais saudáveis, mas observando que “todo o nosso sistema de saúde está concebido para a cura e não para a prevenção”. Além disso, apontou ainda outra pecha, que passa pelo facto de a saúde ser “muito regulada e regulamentada”, o que faz com que, nesta área, “seja tudo uma dificuldade, e nós, contribuintes, pagamos um preço terrível por isto”.

Colaborar e informar mais e melhor

Para Rui Minhós, um aspeto negativo que ficou bem patente durante a pandemia prende-se com a “ausência de uma boa comunicação em saúde”. A esse propósito, lembrou a aplicação StayAway Covid: “Focamo-nos mais no ângulo da proteção dos dados individuais em vez dos benefícios que aquela ferramenta poderia trazer no controlo da propagação da pandemia.” O mesmo se passa, defende, com as posições existentes sobre os produtos alternativos ao tabaco e nicotina, lamentando que não haja informação sobre o papel destas alternativas para quem decide continuar a fumar. Indo ao encontro da posição manifestada por Joaquim Cunha — segundo o qual, “nas respostas em saúde, a palavra colaboração tem de vir ao de cima” —, também Rui Minhós entende que “se houver colaboração entre empresas, academia, reguladores e decisores políticos, conseguimos lá chegar”.

“nas respostas em saúde, a palavra colaboração tem de vir ao de cima”
Joaquim Cunha, Diretor Executivo do Health Cluster Portugal

O que nos espera o futuro?

Quanto ao que o futuro nos reserva, no sector da saúde, em termos de inovação, todos os participantes concordam que a informação será central. Para Joaquim Cunha, “a utilização massiva e integrada de dados é o caminho” e “não há que ter medo” desta realidade, advertiu. Defende igualmente que “vamos ter uma saúde mais inteligente e eficaz”, e avaliada com base na “qualidade percecionada pelo cidadão”.

“a utilização massiva e integrada de dados é o caminho” 
Joaquim Cunha, Diretor Executivo do Health Cluster Portugal

Na mesma senda, Ana Teresa Freitas acredita que “vamos ver nascer imensas plataformas de integração de dados”, mas a ‘autoridade’ sobre estes dados estará do lado do cidadão, pois “vai ter de haver transparência”. Frisando esta dimensão, esclareceu que “está sempre na mão da pessoa partilhar ou não partilhar [os seus dados], mas o que a pessoa não pode esperar é que não partilha e beneficia; não é assim. Todo o altruísmo da partilha tem de estar na consciência de cada um de nós”.

“está sempre na mão da pessoa partilhar ou não partilhar [os seus dados], mas o que a pessoa não pode esperar é que não partilha e beneficia; não é assim. Todo o altruísmo da partilha tem de estar na consciência de cada um de nós”
Ana Teresa Freitas, CEO da HeartGenetics

Também Rui Minhós destacou três vetores que, na sua opinião, irão orientar a inovação em saúde no futuro, e que passam pela monitorização, telemedicina e medicina personalizada.

"[no nosso país,] a saúde exporta mais do que o vinho”
Joaquim Cunha, Diretor Executivo do Health Cluster Portugal

A terminar, Joaquim Cunha assinalou um facto positivo que continua a ser desconhecido por muitos portugueses e que reside na “boa ciência que se faz em saúde em Portugal”, tanto mais que, no nosso país, “a saúde exporta mais do que o vinho”.

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