“Certo, Yolanda?” Foram várias as vezes em que Pedro Sánchez recorreu à validação da vice-presidente do seu governo no debate a três, o último antes das eleições gerais de domingo, em Espanha.
O tratamento pelo primeiro nome foi uma constante, exceto quando a líder da coligação Sumar ou o secretário-geral do PSOE se dirigiam ao líder do Vox. Nesses momentos, o tratamento foi sempre “senhor Abascal”. Propositado ou não, combinado ou não, no final dos 90 minutos, Yolanda Díaz e Pedro Sánchez deixaram clara a sua cumplicidade e, tal como se esperava, foi um duelo de dois contra um.
Santiago Abascal foi o alvo preferencial dos dois candidatos — embora Díaz tenha feito críticas, mesmo que subtis, ao PSOE — e, por vezes, o líder do Vox foi o “dois em um”, como se personificasse o grande ausente da noite, o candidato do Partido Popular, Alberto Núñez Feijóo.
Se Díaz e Sánchez quiseram relembrar a ausência de Feijóo, e a candidata da coligação Sumar fez questão de dizer que irá apresentar uma iniciativa legislativa para que seja proibido um candidato faltar a um debate, Santiago Abascal preferiu falar o menos possível no PP. A estratégia era mostrar-se como alternativa à esquerda, a mesma força política que governa Espanha em coligação (e que espera continuar a fazê-lo depois de domingo, embora as sondagens apontem para a vitória do PP).
Abascal chegou mesmo a dizer, das poucas vezes que se referiu ao líder dos populares, que Feijóo ofereceu a Sánchez “um pacto para dividir o poder”.
O debate, organizado pela RTVE, foi dividido em três blocos, de 24 minutos cada, com 8 minutos para cada candidato. Encerrada a discussão dos blocos — economia, políticas sociais e pactos —, os candidatos fizeram as suas alegações finais, no chamado minuto de ouro.
O maior duelo foi entre Díaz e Abascal: “Parem de rir-se de nós” (as mulheres)
Depois de um debate agressivo com Feijóo, Pedro Sánchez recuperou a postura de Estado. Interrompeu menos vezes os adversários e usou um tom de voz moderado, focando-se mais naquilo que considera terem sido os pontos fortes da sua governação. No entanto, acabou por ter uma presença menos notada do que a sua colega de governo.
Yolanda Díaz fez o oposto: procurou o confronto, manteve uma postura agressiva e não deu tréguas a Santiago Abascal, em momento algum. Não é por acaso: os dois partidos, em espetros políticos diametralmente opostos, lutam entre si pelo lugar de terceiro partido mais votado no domingo.
Foi durante o segundo bloco, dedicado a políticas sociais que o debate entre os três candidatos ganhou fôlego. Aliás, no final dos primeiros 24 minutos foi o próprio moderador a aconselhar os convidados a interromperem-se mais, tornando a conversa mais viva.
Aconteceu com um tema que divide profundamente o partido de extrema-direita e os partidos de esquerda que sustentam o atual governo espanhol. Políticas de igualdade, como a lei do “apenas sim é sim” ou a chamada lei trans.
Sánchez manteve que a lei é uma boa lei, apesar das críticas de Abascal de que, ao reduzir penas, houve mais de mil agressores que viram a sua sentença inicial reduzida e soltaram-se “117 monstros na rua”, referindo-se à libertação de agressores sexuais. Na opinião do líder do Vox, a lei acabou também com a presunção de inocência dos homens em geral.
Abascal acusou o líder do PSOE de ter criado uma lei que fez aumentar a “violência sexista” em Espanha, enquanto Sánchez respondeu dizendo que o Vox e o PP, com os seus acordos, só criaram “censura da cultura, a negação da violência sexista e o ataque à comunidade LGBT”.
Com uma fotografia na mão, e ainda sobre o mesmo assunto, Yolanda Díaz perguntou a Abascal se sabia do que se riam os dois deputados do Vox na imagem. Em seguida, explica-lhe que aconteceu durante um minuto de silêncio em homenagem a uma mulher assassinada. “Parem de rir-se de nós.”
Outro momento de aspereza entre os dois candidatos aconteceu quando Díaz questionou, de novo, Abascal: “O que é uma mulher?” A pergunta surgiu depois de o líder do Vox ter dito, referindo-se à lei trans, que “se um homem diz ser do sexo feminino e bate na mulher, isso não é entendido como violência”. E terminou dizendo que defende as mulheres que não votam no PSOE e na Sumar.
O líder do Vox voltou ainda a falar da lei trans, defendendo ser um perigo para os menores, além de permitir “a mutilação irreversível”. Além disso, acredita que a “lei corrompe as crianças nas escolas, porque dizem-lhes que não são menino nem menina quando nem lhes ocorreu pensar nisso.”
A resposta de Yolanda Díaz foi de que as políticas defendidas por Santiago Abascal levaram a um total de 1.212 mulheres assassinadas desde 2003. “Diga-me uma medida de prevenção. Não pode dizer porque não tem. Respeite-nos porque não somos mercadoria eleitoral”.
Sánchez e Díaz fazem juras de fidelidade: “Se puder, governarei com a sra. Díaz”
Na primeira parte do debate, Abascal, o primeiro a falar, chamou mentiroso ao atual presidente do governo espanhol, e previu que Sánchez iria tentar enganar os eleitores com as suas mentiras. “Vamos assistir ao vivo ao que este governo definiu nestes quatro anos: as mentiras do senhor Sánchez. Ele vai tentar convencer-nos com dados manipulados e falsos.”
Num ataque mais forte, Abascal disse mesmo que “Sánchez destruiu a Espanha” e que os espanhóis empobreceram nos últimos quatro anos. A resposta tardou a chegar e só no último bloco, quando se falava de pactos e acordos políticos, é que o líder do PSOE dirigiu uma crítica do mesmo nível ao candidato do Vox.
“Feijóo faltou a este debate: não consegue dar conta da montanha de mentiras do primeiro debate e tem vergonha de aparecer com Abascal. Ele assume os votos do Abascal, as políticas dele… Feijóo tem vergonha de estar com Abascal e, por isso, não está neste debate”, atirou Sánchez.
Ao mesmo tempo, usou esse momento para fazer juras de fidelidade entre PSOE e Sumar, com as quais Díaz concordou. “A partir de 23J só existem duas formas de governo: o PSOE e Yolanda Díaz ou o PP e Abascal. Se puder, governarei com a sra. Díaz. Nós lutamos 200 vezes juntos.”