Os experts da indústria da beleza não apostaram muitas fichas na Dyson quando a empresa anunciou, em 2016, que se preparava para lançar o seu primeiro gadget nesse mercado. O plano que desenvolveram ao longo de vários anos, entre testes e protótipos, passava por conseguirem fazer com os secadores de cabelo a mesma coisa que tinham feito com os aspiradores, várias décadas antes: pegar numa coisa que já existia e torná-la melhor. Para surpresa de todos, conseguiram.
Assim que chegou ao mercado, o Dyson Supersonic silenciou as dúvidas. Nem de propósito, uma das vantagens que a empresa aponta neste secador de cabelo é precisamente o facto de ser menos barulhento do que as alternativas disponíveis. Menos ruído, menos peso e menos danos para o cabelo são inversamente proporcionais ao investimento para o consumidor, já que a inovação tem marcados na etiqueta uns assustadores 449 euros, um preço bastante superior à média da categoria.
O preço elevado não impediu o rápido crescimento das vendas, impulsionadas por um bom acolhimento online e reviews dos especialistas que, na sua grande maioria, surgiam como louvores. “Está à altura dos elogios”, apontou a Allure, em 2017. “É o Tesla dos secadores de cabelo”, escreveu o The Verge. “O cabeleireiro da Princesa Kate adora este secador de cabelo da Dyson”, adiantava a revista Hello! em dezembro do ano passado.
Mas como é que se resolve passar dos aspiradores para os secadores de cabelo? “Eu não olho para os mercados, de todo”, responde James Dyson, o excêntrico fundador da empresa, ao The New York Times. “De outro modo, nunca teria criado os secadores de mãos (…) Escolho mercados impopulares porque são mais interessantes. Quero tocar o fagote, por favor. Tocar guitarra é muito mais sexy, mas o fagote é mais interessante.”
A fórmula parece estar a resultar. Desde que se aventurou nos secadores de cabelo, a organização que foi fundada em 1991 para vender aspiradores sem saco tem vindo a viver uma época dourada. Em 2021, reportou rendimentos recorde de 5,7 mil milhões de libras (cerca de 6,433,900 mil euros), um aumento de mais de mil milhões em relação ao ano anterior.
Aspiradores sem saco, purificadores de ar, secadores de mãos — é provável que o leitor já se tenha cruzado com estes em alguma superfície comercial —, ventoinhas sem hélices, aquecedores e stylers para o cabelo compõem a gama atual da empresa britânica. No verão de 2023, voltam a aventurar-se num novo setor com o lançamento dos Dyson Zone, uns auscultadores de aspeto futurista com cancelamento de ruído e uma viseira amovível que filtra as partículas de poluição de ar. O preço em Portugal ainda não foi revelado, mas nos EUA será de 949 dólares (cerca de 888 euros), de acordo com a CNN.
Quando um modelador de cabelo entra para o léxico
Dois anos depois do Supersonic, em 2018, chegava mais uma aposta no mercado da beleza com o Airwrap, uma ferramenta de ar quente com um conjunto de modeladores que permitem alisar ou encaracolar o cabelo sem recorrer ao calor extremo, mas antes a uma tecnologia movida através do “efeito Coanda”, uma tendência de fluxo de ar que é também um dos principais fenómenos que permitem aos aviões voar. Segundo a empresa, foi desenvolvido por uma equipa de 230 cientistas.
Apesar do preço elevado — em Portugal, está à venda por 549 euros —, o produto foi mais um sucesso imediato. A tecnologia inovadora do Airwrap fez dele o gadget de beleza do momento, um hot topic nas redes sociais e o protagonista de centenas de tutoriais que explicam como se pode tirar melhor partido das suas várias ferramentas.
@matildadjerf
No ano em que foi lançado, ficou em primeiro lugar na lista de melhores gadgets do ano para o The Guardian. Pesquisar “Airwrap” no Google é encontrar páginas sem fim de artigos como “Matilda Djerf [influencer com vários milhões de seguidores] revela finalmente a ferramenta capilar de culto por detrás do seu estilo característico”, na Grazia; “Como o Dyson Airwrap se tornou um presente de Natal viral”, na Nooreach; ou “É por isto que o novo Dyson Airwrap multi-styler é a ferramenta de styling capilar mais inteligente de sempre”, na Elle.
A diáspora é ainda maior nas redes sociais, com especial força no TikTok. A palavra “Airwrap” passou de substantivo a verbo, como, por exemplo, já tinha acontecido com a Google — em vez de “pesquisar”, é comum usar-se a expressão “googlar”. Na linguagem das redes sociais, “fazer um Airwrap” é sinónimo de secar, alisar e modelar o cabelo recorrendo a uma ferramenta de styling.
O fenómeno é semelhante ao que aconteceu também com a Tupperwear, Uber, Post-it ou Gillete, cuja ubiquidade dos produtos fez com que o nome da marca substituísse o substantivo comum do objeto. “Chama-se linguagem de marca, uma técnica de marketing usada para ajudar os consumidores a identificarem e estabelecerem ligações entre certas palavras e um determinado produto ou serviço”, explica a revista australiana Marketing.
Curiosamente, uma das suas grandes ambições de James Dyson era tirar à norte-americana Hoover o lugar que ocupa no dicionário inglês como a palavra que se refere a aspirar a casa — na língua inglesa, usa-se geralmente a expressão “hoovering” em vez de “vaccuming”, o verbo original para a mesma atividade. Esse feito, pelo menos para já, ainda não cumpriu.
O engenheiro que estava descontente com o seu aspirador
James Dyson nasceu em 1947 em Norfolk, Inglaterra. O seu pai morreu de cancro quando ainda era miúdo e passou grande parte da infância e adolescência num colégio interno. “‘Sentimentos’ é uma palavra que eu não conheci até ter à volta de 50 anos“, recorda na mesma entrevista ao The New York Times sobre a experiência de internato. Mais tarde, estudou arquitetura, mobiliário e design de interiores na Royal College of Art, mas acabou por descobrir que a engenharia era a sua vocação.
Antes de fundar a Dyson, já inventava novas versões para objetos conhecidos do dia a dia. A sua primeira invenção foi um desembarcadouro para barcos de alta velocidade, por encomenda de um industrial. Montou uma empresa e, durante cinco anos, sem qualquer experiência de venda, comercializou a invenção. Foi a primeira de muitas.
Seguiu-se um carrinho de mãos que rodava sobre uma esfera em vez de uma roda e que foi exibido no programa de televisão da BBC “Tomorrow’s World”. “Inicialmente, quando o inventei [ao carrinho de mãos], tentei vendê-lo diretamente a centros de jardinagem. Eles riram-se todos dele. Acharam que a bola era uma piada”, conta Dyson num vídeo de retrospetiva, incluído na série autobiográfica “Going Alone from Invention: A Life, By James Dyson”. Depois de investir em publicidade nos jornais, afirma que conseguiu conquistar “50% do mercado”, mas que não conseguia fazer dinheiro porque “cobrava muito pouco.”
Virou-se para os aspiradores em 1978 por estar frustrado com a fraca performance do modelo que tinha em casa e que era tido à época como o mais poderoso do mundo, um Hoover Junior. Resolveu desmontá-lo, descobriu que o saco estava entupido com pó e que era essa a causa da perda de força da aspiração. Dyson tinha há pouco tempo construído uma torre de ciclone industrial que separava partículas de tinta do ar através da força da centrifugação. O objetivo tornou-se transpor o mesmo princípio para os aspiradores e criar um modelo novo, que não precisasse de saco.
Todos os dias fez vários testes. Durante algum tempo desenvolveu tudo sozinho, até conseguir contratar um pequeno staff para o apoiar, que trabalhava a partir do anexo de sua casa, do outro lado do quintal. Sem emprego e a sobreviver de empréstimos sucessivos ao banco, a acumular uma dívida que chegou aos 2 milhões de libras, Dyson passou cinco anos a tentar inventar o primeiro aspirador sem saco do mundo. A mulher, Deirdre, continuou a trabalhar como professora de arte para sustentar os três filhos pequenos, enquanto James trabalhava nos protótipos — chegou a desenvolver dois ou três por dia. “Foi preciso muito trabalho empírico”, recorda ao jornal norte-americano. “É sempre uma aventura maravilhosa de excitação e desilusão. Quase tudo o que fazemos é um falhanço, até chegarmos ao que funciona.”
5,127 protótipos depois, inventou o primeiro aspirador sem saco do mundo. Chamou-lhe G-Force e comercializou-o pela primeira vez no Japão por 2 mil dólares, país onde, em 1991, venceu o primeiro prémio da Feira Internacional de Design. Com o sucesso do G-Force, construiu a sua própria empresa, Dyson Ltd. Em 1993, abriu o seu próprio centro de pesquisa para criar um novo aspirador, o DC01, capaz de captar partículas de pó ainda mais pequenas. Foi o primeiro aspirador do mundo a manter 100% da sucção 100% do tempo.
A quinta do futuro, os robots e os carros elétricos
Hoje, a empresa é um império com 13 mil funcionários e bestsellers em várias indústrias. Além dos produtos tecnológicos, a Dyson tem uma das maiores operações agrícolas do Reino Unido a funcionar num terreno de 35 mil hectares na região de Lincolnshire, em Inglaterra. Segundo o The Sunday Times, James Dyson é dono de mais terrenos no Reino Unido do que a coroa inglesa.
A ultratecnológica Dyson Farming usa drones para mapear os campos agrícolas, tem robots que recolhem os frutos, tratores que se auto-conduzem e análise de dados em praticamente tudo, como explica o Telegraph, “desde a qualidade do solo à localização de pássaros”. Para o jornal esta é “a quinta do futuro”. O investimento necessário para a sua construção foi à volta de 110 milhões de libras (cerca de 125 milhões de euros).
Em 2016, lançou o primeiro aspirador robot com conexão à Internet, depois de um trabalho de desenvolvimento que levou mais de 10 anos. A versão atual do Dyson 360 Heurist está à venda por 999 euros. A próxima aposta na robótica é produzir máquinas capazes de fazerem lides domésticas, como levantar pratos sujos ou limpar o sofá, um objetivo que querem cumprir até 2030, com a construção do seu maior centro de pesquisa até hoje, de acordo com o The Guardian.
Mais recentemente, as finanças do fundador levaram um rombo de 500 milhões de libras (quase 600 milhões de euros), depois de investir vários anos no desenvolvimento de um carro elétrico que nunca chegou a ser posto à venda por ser “comercialmente inviável”, como explicou a empresa no Twitter, em 2019. “A produção dos carros elétricos é muito dispendiosa. A bateria, a gestão da bateria, a eletrónica e o arrefecimento são muito mais caros que um motor de combustão”, justificou em entrevista ao The Sunday Times.
Os comentários xenófobos, a campanha pró-Brexit e o “trabalho forçado”
Em 2021, James Dyson foi considerado o segundo homem mais rico do Reino Unido, segundo o The Sunday Times, com um património avaliado em 6,7 mil milhões de libras (7,61 mil milhões de euros). A sua ambição, que se mantém aparentemente inabalável aos 75 anos, é tida por alguns como uma forma de compensar todos os anos em que ninguém quis saber das suas invenções. “Para percebermos porque é que o projeto do carro elétrico aconteceu“, escreve a Wired, “temos de recuar a um tempo em que James Dyson batia de porta em porta e era ignorado“.
A obstinação do fundador anda de mãos dadas com ideologias conservadoras e posições controversas em relação a temas atuais, um saudosismo pelo império britânico, e uma posição pró-Brexit, que, acredita, tornará “o país mais forte económica e culturalmente”, de acordo com uma entrevista que deu ao The New York Times, em 2018. “Nesta entrevista, o senhor Dyson expressou visões antiquadas e, por vezes, ofensivas sobre as ‘diferenças raciais’ e a cultura japonesa”, escreve o jornalista David Gelles.
Em causa estavam declarações como as presentes no seguinte excerto: “(…) os japoneses eram, quando eu lá fui, muito, muito diferentes. Disseram-me que eu tinha um nariz como a Torre Eiffel. As raparigas passam todos os seus anos de adolescência a tentarem ter narizes mais parecidos com os ocidentais. Acho que as diferenças culturais são divertidas (…) Mas, claro, isso não é uma coisa muito politicamente correta de se dizer.”
Em 2019, mudou a sede da empresa para Singapura, como parte de um plano para reduzir os encargos fiscais, uma decisão que acabou por afirmar, em 2021, que seria revista, depois de críticos e acionistas acusarem a “aparente hipocrisia” de um britânico que apregoava a independência económica do seu país.
As controvérsias atingiram um pico em fevereiro de 2022, quando a emissora Channel 4 avançou uma notícia exclusiva de que 12 colaboradores de uma divisão da Dyson situada na Malásia iriam avançar com ações legais por alegados “trabalhos forçados”, acusando a empresa de negligência. A empresa declarou não ter conhecimento desses abusos e avançou com um processo de difamação contra o Channel 4, que acabou por ser indeferido pelo juiz.
Mais recentemente, criticou publicamente uma nova legislação no Reino Unido que dá aos trabalhadores o direito de terem mais flexibilidade para trabalharem a partir de casa. “A competitividade do Reino Unido está a esvair-se em pó com o novo decreto de trabalho flexível”, escreveu Dyson num artigo de opinião no The Sunday Times publicado no passado dia 8 de dezembro, onde considerou a medida uma forma de “iliteracia económica”.
Dyson está longe de ser uma figura consensual. Para muitos, declarava o Financial Times em 2019, é “um inventor brilhante e uma história de sucesso britânica”; para outros, “um hipócrita” e um homem que apoiou o Brexit para depois “virar as suas costas ao Reino Unido”, mostrando historicamente uma tendência para apoiar as causas que melhor favorecem a empresa — em 2000, tinha ameaçado abandonar o país se este não aderisse à moeda única.
Ainda em 2021, opôs-se a uma legislação a que o governo chamou Plan B, que recomendava o teletrabalho para travar a pandemia. “Desde o verão que todos [os colaboradores] tiveram de trabalhar cinco dias por semana no escritório”, revelou um funcionário de forma anónima ao The Guardian, que dedicou um artigo à “frustração” destes trabalhadores. “É tão draconiano como soa”, rematou a mesma fonte.