Inicialmente apresentaram-se 144 consórcios, com intenções de investimento de 14,8 mil milhões de euros. Depois de uma primeira seleção, serão agora convidados 64 consórcios a fazerem a proposta final. Os convites serão dirigidos até ao final do ano, segundo um calendário indicativo mas que ainda não está fechado, para que possam, depois, ter cerca de dois meses para fazerem a proposta definitiva. O Governo espera que, até lá, alguns dos candidatos se possam ainda juntar.
Estes 64 consórcios que vão ser convidados para apresentarem a proposta final propuseram-se investir cerca de 9,8 mil milhões de euros, sendo difícil quantificar os apoios a que poderão aceder já que nestes projetos há verbas para investigação & desenvolvimento (que têm acesso a uma comparticipação maior) e para investimento produtivo. Assim, só no final se saberá quantos projetos são selecionados e quanto é que receberão do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência).
O Governo tinha apontado uma verba de apoios para estas agendas mobilizadoras de 930 milhões de euros, mas Siza Vieira, ministro da Economia, admite poder vir a ter mais dinheiro, aproveitando os empréstimos disponíveis na bazuca.
“Pode fazer sentido pedir os empréstimos”, realça Siza Vieira, lembrando que os 930 milhões são de subvenções. O ministro da Economia admitiu que a sinalização do Governo português de ir buscar empréstimos já foi dada, mas a concretização, a acontecer, será feita pelo Executivo que sair das eleições de 30 de janeiro.
O governante admite, ainda, que alguns dos projetos não sejam financiados ao abrigo das agendas mobilizadoras, mas por outros programas como o das descarbonização das indústrias que será lançado em dezembro ou o PT 2030. Também admite que possa haver junção de projetos que nesta fase ainda estão separados. Daí que não seja ainda possível quantificar o montante de apoios nem quantos destes projetos terão, mesmo, fundos do PRR.
Os contratos de financiamento, no âmbito deste concurso das agendas mobilizadoras, serão assinados, estima Siza Vieira, no segundo ou terceiro trimestre do próximo ano. O ministro da Economia espera que as eleições não tenham impacto nestes programas, cujos investimentos terão de estar concretizados até 2025, acreditando que trarão aumento de exportações, emprego, e inovação e redução de emissões, mas não é possível, para já, quantificar.
E se há 64 candidaturas de 62 líderes, o número de entidades envolvidas é de perto de duas mil, sendo mais de 1.100 empresas.
Os maiores projetos apresentados estão na área da energia e da descarbonização da indústria, com um foco no hidrogénio verde e no lítio.
Lítio tem dois projetos: da Galp e da DST Solar
A valorização do lítio, nomeadamente implementando capacidade de refinação em Portugal, tem, nestas 64 candidaturas, dois projetos. Este será um dos casos em que o júri poderá ter de escolher uma das propostas. Os líderes dos projetos apresentados são a Galp e a DST Solar. O primeiro caso prevê um investimento total de 980,5 milhões de euros, sendo da responsabilidade da Galp um total de 426 milhões de euros. A segunda fatia maior de investimento neste consórcio está reservada à Aurora Lith (387,7 milhões), cabendo ao outro grande parceiro – Savannah – 123,7 milhões de euros.
De acordo com a proposta, a Agenda CVB – Cadeia de Valor das Baterias de Lítio — como foi designada — pretende criar um hub de lítio que “abranja a totalidade da cadeia de valor das baterias, desde a extração, refinação, produção de cátodo, células, assemblagem de baterias e reciclagem de baterias, que seja localizado, competitivo e sustentável para apoiar a transição energética e a mobilidade elétrica, desenvolvendo as competências necessárias para o efeito”.
A Galp revela já que a refinação deste projeto deve ficar em Sines, com a mina a situar-se em Boticas onde a Savannah aguarda a luz verde ao estudo de impacte ambiental para avançar com a primeira exploração mineira de lítio.
Já o projeto liderado pela DST Solar tem um investimento total previsto de 238 milhões de euros, cabendo à líder cerca de 9,5 milhões. A maior fatia será investida pela Bondalti Chemicals com 98,4 milhões (esta empresa, ex-Cuf, candidatou-se, como líder, a dois outros projetos na área do hidrogénio verde). Mas neste caso do lítio, este consórcio propõe-se criar o Pacto de Inovação NGS “abarcando a totalidade cadeia de valor das baterias”, com a tal refinação de lítio. A candidatura não identifica a localização prevista para a refinaria, de acordo com a informação tornada pública.
Galp tem mega projeto para Sines
Se no lítio há dois projetos que podem chocar, há outras áreas na energia a requerer muito dinheiro. O projeto de lítio encabeçado pela Galp/Petrogal é o maior de todas as candidaturas. Mas é a Galp que protagoniza, também, outro dos grandes projetos, avaliado em 722,3 milhões de euros, para o hidrogénio verde. E também para Sines. A Galp escolheu o complexo industrial de Sines para a implementação de um hub de energias renováveis, nomeadamente para a produção de Hidrogénio verde; Etanol sintético; Bioetanol avançado; Alcohol- to-Jet (ATJ); Hidrodesoxigenação de resíduos (HDO) — “unidade industrial inovadora, desenvolvida através da reutilização de equipamento proveniente da recém descativada refinaria de Matosinhos, permitindo a redução do investimento do projeto e reduzindo a necessidade de materiais novos e a energia necessária para os reciclar” — e postos de abastecimento de hidrogénio.
Para a estratégia de descarbonização de Sines, uma refinaria que atualmente só processa praticamente combustíveis fósseis, o presidente executivo Andy Brown já sinalizou a necessidade de uma parceria com as autoridades para viabilizar a sustentabilidade futura da única refinaria que resta em Portugal.
Neste projeto, a Galp propõe-se investir 597,6 milhões, sendo o segundo maior investidor a Navigator, com 112,2 milhões.
Para o espaço de Matosinhos onde a empresa fechou a refinaria há um ano, não é apresentado qualquer projeto industrial candidato ao PRR. A Galp ainda não indicou quais os planos para a área.
Ligados ao hidrogénio — palavra que surge mais de 50 vezes no documento que junta as fichas das candidaturas — há mais projetos em concurso. A Bondalti Chemicals tem um que totaliza 141,6 milhões de euros para conseguir a meta de produção de hidrogénio verde até aos 415 MW, em 2030. A Agenda H2Enable tem 141 milhões de euros de investimento estimado para esta primeira fase (2023-25), mas que no total o projeto poderá chegar aos 542 milhões de euros com as duas fases subsequentes a serem de aumento de capacidade produtiva. Este projeto de hidrogénio pretende avançar com uma unidade de eletrólise, o processo que permite tornar este gás verde caso seja alimentado por fontes renováveis de geração elétrica como o vento e o sol.
Não é só. A energia tem cerca de 11 projetos, com projetos de investimento de mais de 11 mil milhões.
O segundo maior projeto — depois do de lítio da Galp — é o que prevê um investimento total de 925,5 milhões de euros, liderado pela Efacec, mas que não é o maior investidor. Nesta candidatura a maior fatia, de 338 milhões, caberá à Bondalti, seguindo-se a Dourogás com 252,8 milhões e a Capwatt com 172,5 milhões de euros. Este consórcio, com a sua agenda verde H2Driven, pretende desenvolver projetos industriais de química verde com vista à produção de metanol verde. Neste consórcio entra também a Navigator com 110 milhões.
Ainda no hidrogénio, a Fusion Fuel Portugal lidera um projeto de 159,4 milhões de euros, que também terá o polo em Sines. Segundo a candidatura, “a Agenda Sines Green Hydrogen Valley (SinesH2GValley) congrega diferentes parceiros e iniciativas, tendo em vista a criação de uma cadeia de valor completa para o hidrogénio verde, desenvolvendo em Sines um polo inovador e tecnologicamente disruptivo”.
A pensar em Sines está também o consórcio liderado pela REN, que se propõe investir um total de 51,9 milhões de euros, na agenda Verde H2 Green Valley que “mobiliza de forma coordenada, escalável e inovadora um conjunto de projetos na cadeia de valor do hidrogénio, com foco nas redes de transmissão e distribuição, para a criação do primeiro H2 Valley em Portugal, na região de Sines”. Com este projeto, diz o promotor, “produtores e consumidores ficarão diretamente ligados, permitindo o desenvolvimento de uma nova oferta de serviços inovadores e o desenvolvimento da economia do hidrogénio verde”.
Nesta área do hidrogénio há outros projetos ligando esta tecnologia aos automóveis (o da Mitsubishi Fuso, de 45,4 milhões) ou aos edifícios (Bosch Termotecnologia, um projeto de 142,6 milhões).
Também a Prio Bio apresenta um investimento, de 564 milhões de euros, para uma mobilidade mais ecológica (M-Eco2), que “pretende posicionar Portugal no panorama mundial da Bioenergia, mediante a aposta em combustíveis verdes (HVO verde, um substituto direto do diesel, produzido a partir de resíduos e hidrogénio verde), dando especial enfoque à mobilidade pesada”. A Prio está em consórcio com a Akuo Renováveis e com a Smartenergy, por exemplo.
Escassez de chips na Europa? Há um projeto para contribuir para resolução do problema
Mas não é só de energia que se fazem estas agendas mobilizadoras. A Atep-Amkor, que ficou com a única unidade de microprocessadores em Portugal em Vila do Conde, propõe-se contribuir para ajudar a Europa a resolver o problema que a escassez de semicondutores trouxe a algumas indústrias, nomeadamente à automóvel.
“A Agenda Microeletrónica foi desenhada e construída numa lógica integrada e com grande proximidade à iniciativa europeia que está a ser desenvolvida na área, o IPCEI on Microelectronics and Communications Technologies, abordando desafios estruturais para desbloquear todo o potencial da indústria de semicondutores e trazer valor acrescentado à sociedade europeia por intermédio de um conjunto de investimentos estruturais para o reforço da capacidade produtiva e de inovação da indústria de semicondutores nacional. Esta iniciativa é a resposta nacional à necessidade da Europa de superar as suas falhas sistémicas no mercado global dos semicondutores, sendo para isso essencial”, propõe-se o consórcio que tem um investimento previsto de 76,7 milhões de euros.
No automóvel os principais construtores presentes em Portugal — Autoeuropa, Stellantis de Mangualde, e Mitsubishi Fuso — também têm projetos de, respetivamente, 182,5 milhões, 145,25 milhões e 45,4 milhões de euros. Todos a pensar numa indústria automóvel mais verde, quer na fábrica, quer nos próprios automóveis.
Os consórcios são muito abrangentes e os setores principais da economia portuguesa estão praticamente todos representados. Há pelo menos três na área dos têxteis — liderados pela Polopique (investimento de 96,8 milhões de euros), pela Estamparia Adalberto Pinto da Silva (23,5 milhões) e pela Impetus (59 milhões de euros) –; um no calçado — liderado pela Carite, de 59,5 milhões de euros; dois na construção — da Mota-Engil (62,9 milhões) e da Casais (42,3 milhões); e um no turismo — da Palminvest, cujo investimento totaliza 145 milhões.
Na saúde e na doença… até ao prato
As ciências biomédicas e o agroalimentar são dois setores que também estão representados nestas agendas inovadoras. Na agroindústria era já conhecido o consórcio que se propõe fomentar um cluster na indústria de insetos, com um investimento de pouco mais de 54 milhões de euros.
Indústria de insetos junta-se para investir 57,4 milhões de euros em Portugal
A Sonae, por exemplo, lidera um projeto, de 136 milhões de euros, para criar uma plataforma, à escala nacional, para o desenvolvimento de produtos, processos e serviços inovadores no agroalimentar.
Numa altura em que a pandemia de Covid-19 inunda as nossas vida, há várias candidaturas na área da saúde. O consórcio liderado pela Immunethep propõe-se avançar com o projeto Porvacc para capacitar Portugal para o desenvolvimento e produção de vacinas e biológicos. São 63 milhões de euros para este objetivo.
E o consórcio Bio Hub, liderado pela Technophage, pretende “aumentar o horizonte no desenvolvimento de medicamentos biológicos inovadores, pretendendo realizar os ensaios clínicos de ultimas fases, registos, comercialização e distribuição (exportação) desses medicamentos, a partir de Portugal e mantendo o centro de decisão em Portugal.” Tem um plano de 40 milhões de euros.
Unicórnios também andam à procura
Nuno Sebastião fundou a Feedzai, um dos unicórnios com ADN português. E tem agora outro plano, a Neuraspace, que quer fornecer uma ferramente para os operadores de satélites evitarem colisões e, consequentemente, reduzirem o lixo espacial. É um projeto de quase 26 milhões de euros.
Há ainda duas empresas — candidatas a próximos unicórnios portugueses — que estão a olhar para o PRR. A DefinedCrowd lidera um projeto de 124,8 milhões de euros, designado Vox.AI, que “visa melhorar as interações dos clientes com empresas e serviços públicos, através de inteligência artificial, com enfoque nos serviços de apoio ao cliente”.
O projeto liderado pela Unbabel, de 127 milhões, ambiciona criar o que diz ser a próxima geração de produtos de inteligência artificial, admitindo que esta candidatura permitirá criar 300 postos de trabalho “altamente qualificados”.
A área da tecnologia ocupa muitos dos promotores nestas agendas mobilizadoras. A Void Software, que integra um investimento de 71,9 milhões, lidera a agenda descentralizar Portugal com blockchain, acreditando que vai fortalecer a indústria nacional de blockchain e credibilizá-la.