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É possível viver mil anos? Investigador britânico Aubrey de Grey diz que sim e explica porquê

E se uma vacina com uma mistura de terapias pudesse fazer voltar atrás o relógio da idade? Investigador britânico defende que é possível e espera que uma primeira versão esteja disponível em 20 anos.

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Cabelos e barba compridos e grisalhos como um ancião, mas estilo descontraído de um jovem adulto: assim se apresenta o homem que promete ter a solução para reverter o envelhecimento e levar-nos a viver muitos mais anos do que atualmente achamos possível. Talvez até aos mil anos — quem sabe?, diz ele.

Aubrey de Grey, investigador britânico de 55 anos, defende que a ideia não é assim tão longínqua. Tem até uma estimativa: diz que, no espaço de duas décadas, poderemos já ter meios para prolongar a esperança média de vida em 20 ou 30 anos — embora já em 2007 afirmasse que íamos consegui-lo em 25 anos.

A ideia é (ou, pelo menos, parece) simples: uma vacina com todas as terapias que nos podem ajudar a reparar os danos que se acumulam no nosso organismo à medida que envelhecemos. O resultado? Voltar a ser um jovem adulto em termos biológicos, mesmo que o relógio cronológico marque uns anos mais à frente.

É esse o foco do trabalho da fundação de investigação SENS (Strategies for Engineered Negligible Senescence), da qual é diretor científico, criada por ele com o objetivo acabar com as doenças relacionadas com o envelhecimento, apostando na medicina regenerativa para reparar os estragos acumulados no organismo. “O nosso objetivo é ajudar a criar a indústria que vai curar as doenças do envelhecimento”, lê-se na página da SENS.

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Para o explicar, Aubrey de Grey compara o corpo humano a um carro: também enferruja e tem problemas causados pelo uso, mas com uma boa manutenção pode durar mais de 100 anos, mesmo que não tenha sido criado para durar tanto tempo. Neste caso, a oficina é a fundação, onde os danos a corrigir são divididos em sete categorias e, para cada uma delas, o investigador propõe um tipo de terapia, seja com células estaminais, terapia genética ou introduzindo novas enzimas no organismo.

Dito assim, é fácil de perceber porque é que a ideia faz torcer o nariz de muitos e não é com surpresa que o investigador é alvo de duras críticas. Aubrey de Grey, que nunca fez investigação de bancada, assume-se como um teórico, um autodidata que lê muito, pensa sobre os assunto e expõe as suas ideias, mas é criticado, por exemplo, pelos que dizem que não se pode extrapolar os resultados em ratos para aquilo que pode acontecer em humanos, ou pelos que insistem que, mesmo que algumas das terapias que anuncia possam já estar num bom nível de desenvolvimento, outras serão ainda demasiado embrionárias.

“O nosso objetivo é ajudar a criar a indústria que vai curar as doenças do envelhecimento.”
Fundação de Investigação SENS

Não há, contudo, uma posição unânime quanto às ideias que apresenta, classificadas como bem fundamentadas ou totalmente fantasiosas, consoante quem o avalia. E há quem, mesmo não concordando com as teses do investigador britânico, assuma que são estes desacordos e desafios que fazem avançar a ciência. Até porque, apesar de toda esta concepção de uma nova gerontologia poder parecer, ainda, ficção científica ou ilusão de um louco, o investigador é muito específico quanto à forma de chegar a cada uma das soluções — e não são métodos muito diferentes dos que já são estudados e usados em laboratórios de todo o mundo, mesmo que em trabalhos que nada têm a ver com esta área. Talvez isso explique que, apesar de toda a polémica, Aubrey de Grey e a Fundação de Investigação SENS consigam atrair muito dinheiro, como atraem, para os projetos em que estão envolvidos.

O Observador conversou com o britânico em Coimbra, no VII Congresso médico e científico In4Med, organizado por estudantes de medicina — a quem deixou a mesma promessa: o que trouxe para expor na conferência não está ainda disponível na área clínica, mas será algo que poderão vir a usar quando estiverem no auge das suas carreiras.

Afirmou que, no futuro, poderíamos viver até aos mil anos e que as primeiras pessoas a fazê-lo já estariam vivas e teriam entre 50 e 60 anos. Como é que chegou a este número?
Como é que cheguei a mil anos? Bem, primeiro de tudo não cheguei a um número em particular. O que quero dizer é que há uma grande probabilidade — claro que nada é certo em tecnologia — de que as pessoas vivas hoje em dia possam evitar a falta de saúde e as doenças associadas ao aumento de idade, independentemente de quanto tempo vivam. As pessoas vão ficar, em termos biológicos, como jovens adultos permanentemente.

Como é que se chega a esse ponto?
O primeiro passo será darmos às pessoas mais 20 ou 30 anos de vida [do que têm em média hoje em dia] — e acredito que essa possibilidade está a menos de 20 anos de distância. Mais uma vez, estou apenas a dizer isto como 50% de hipótese, pode ser mais tarde. Mas, pelo menos, temos 50% de hipótese de chegar a esse ponto em 20 ou 30 anos.

Quer dizer que em 20 ou 30 anos teremos tecnologia suficiente que nos permita aumentar a esperança média de vida em 20 anos?
Sim. O mais importante é que as pessoas que vão beneficiar dessa tecnologia, daqui a 20 anos, não são as pessoas que nascerem nessa altura, mas as pessoas que terão 60 ou 70 anos. Porque estas serão terapias de rejuvenescimento, são terapias que fazem o relógio da idade voltar para trás, não servem só para atrasar [o relógio]. Portanto, as pessoas de meia idade ou mais velhas vão voltar a ser jovens adultos. Isto é muito importante, porque o que significa é que estamos a ganhar tempo. Ou seja, mesmo que as pessoas só ganhem 20 ou 30 anos e voltem a ter 60 anos biológicos, por essa altura a terapia já terá evoluído e podemos voltar a rejuvenescer as mesmas pessoas, podemos tratá-los e dar-lhes mais 50 anos. É só uma questão de estar um passo à frente do problema. Se olharmos para a velocidade a que teríamos de melhorar a terapia — de maneira a mantermo-nos a par — é muito mais lento do que qualquer outra tecnologia. O que precisamos é de dar esse primeiro passo de conseguir os tais 20 ou 30 anos a mais.

A ideia é sempre rejuvenescimento — voltar a ser jovem —, não é travar o envelhecimento?
Não é para parar [o envelhecimento], é para inverter.

Para Aubrey de Grey o corpo humano é como um carro: não foi feito para durar mais de 100 anos, mas se tiver uma boa manutenção é possível que dure por tempo indeterminado — Anna Gowthorpe/Getty Images

Anna Gowthorpe/Getty Images

Costuma comparar o corpo humano com um carro ou uma máquina: usamo-lo, causamos-lhe alguns estragos, reparamo-lo e continuamos a usá-lo.
Está correto. O corpo humano é uma máquina complicada, mas ainda assim é uma máquina. O que significa que o envelhecimento é um efeito secundário do normal funcionamento da máquina, assim como enferrujar é um efeito secundário do normal funcionamento de um carro. Claro que temos carros que têm mais de 100 anos e não é porque foram desenhados para durarem 100 anos, é porque beneficiaram de uma manutenção preventiva completa.

Tanto para os carros como para as pessoas, há-de haver um limite de tempo, não vai ser possível reparar sempre.
Não. Não. Não é verdade. Estes carros de 100 anos estão a trabalhar tão bem agora como quando foram construídos. Nos últimos 50 ou 80 anos, estes carros não envelheceram. E se perguntar a alguém que tenha um carro destes se ainda vai estar em condições daqui a 100 anos, vão responder-lhe: “Claro que sim”.

As terapias de rejuvenescimento são apenas para adultos, ou seja, a ideia é reparar apenas depois de os estragos estarem feitos?
Certo. O corpo está feito para tolerar uma certa quantidade de danos, assim como um carro está feito para tolerar uma certa quantidade de ferrugem. A única razão porque as coisas correm mal numa fase mais avançada da vida é porque os danos continuam a ser criados e a ser acumulados, eventualmente, até um nível superior aquilo que o corpo pode tolerar. Para resolver isso, temos remover a maior parte dos danos e manter a quantidade de danos abaixo de um certo limite, mesmo sabendo que os danos continuam a ser criados a todo o momento.

Quando seria a altura perfeita para voltar com o relógio para trás?
Na meia idade, talvez com 50 ou 60 anos. Não há motivos para o fazer quando se tem 20 anos, porque quase não se têm estragos acumulados nessa altura e o corpo ainda pode tolerar muitos mais. Pode esperar-se até que as terapias fiquem melhores, porque não se vai adoecer. Na meia idade já faz mais sentido. Quando se é mais velho e já se está doente devido ao avanço da idade, não quer dizer que as terapias já não podem ajudar, mas que as vamos usar juntamente com a medicina geriátrica padrão, que hoje em dia trata as doenças comuns nos idosos. A razão por que hoje a medicina geriátrica não funciona é porque os danos que causam as doenças continuam a acumular-se. É por isso que as terapias que atacam diretamente a doença, resultante dos danos [como pressão arterial alta] se tornam progressivamente menos eficazes à medida que uma pessoa envelhece.

“A razão porque hoje a medicina geriátrica não funciona é porque os danos que causam as doenças continuam a acumular-se.”

Quer dizer que temos de reparar os estragos antes de ficarmos doentes?
Sim. Ou, se já estiver doente, reparamos os estragos e tratamos a doença.

Mas nem todas as pessoas vão acumular o mesmo tipo de danos à medida que envelhecem.
Isso não é verdade. A única diferença real entre pessoas diferentes é o ritmo a que esses danos se acumulam. Algumas pessoas acumulam um tipo de dano mais rapidamente do que outras e essa é a única razão por que as pessoas têm patologias diferentes em idade avançada. Todas as pessoas que morrem de cancro também têm uma doença cardiovascular, a diferença é que a doença cardiovascular não está tão avançada. Da mesma forma, quem morre de doença cardiovascular, também tem cancro, a diferença é que o cancro não está tão avançado, talvez nem sequer tenha sido detetado. Todos temos o mesmo tipo de estragos. E isso é realmente útil, porque significa que as terapias que usamos para reparar os danos não precisam de ser personalizadas, não precisam ser feitas à medida do indivíduo, podemos dar a mesma terapia a todas as pessoas.

Sete tipos de danos — e sete formas de os corrigir

As terapias podem ser aplicadas a todas as pessoas, mas terão de ser feitas à medida de cada tipo de dano, certo?
Sim, existem sete tipos de danos diferentes e dentro destas sete categorias existem muitas subcategorias. Ainda assim, todas as pessoas têm todos os tipos de danos, por isso podemos usar o mesmo de terapias a todas as pessoas.

Que categorias são essas?
O motivo por que tenho esta classificação e acho útil é porque corresponde a um tipo genérico de terapia. Para cada categoria, podem existir vários exemplos de estragos, mas todos têm a possibilidade de serem tratados pelo mesmo tipo de terapia.

A minha primeira categoria é a perda de células, que significa simplesmente que as células morrem e não são repostas automaticamente pela divisão de outras células. O número de células diminui mais e mais e, eventualmente, não haverá células suficientes para o órgão cumprir com as suas funções. A doença de Parkinson é causada pela perda de um tipo específico de neurónios no cérebro e claro que a forma de reparar a perda de células é com células estaminais. Colocamos as células estaminais no corpo, depois de as programarmos no estadio correto, de forma a que saibam o que fazer: dividir-se e transformar-se em células que vão ocupar os lugares daquelas que o organismo não está a substituir por si. E funciona. A terapia com células estaminais já está a ser usada em ensaios clínicos para a doença de Parkinson e estamos muito otimistas. Também pode ser usada no sistema imunitário. Há um órgão do sistema imunitário, o timo, que fabrica um dos tipos mais importantes de glóbulos brancos — as células T. O timo desaparece quase completamente aos 20 ou 30 anos. Depois disso, ficamos com as células T que o timo criou até então e que são suficientes durante muito tempo, mas, eventualmente, tornam-se desadequadas e precisamos de novas células T, de um novo timo, e isso, mais uma vez, resolve-se com células estaminais.

Sete categorias de danos:

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  1. O organismo não consegue repor as células perdidas;
  2. O organismo fica com células a mais, que não consegue eliminar;
  3. As células a mais provocam cancro;
  4. As moléculas dentro das células ficam alteradas;
  5. As células não conseguem eliminar os resíduos no interior;
  6. As células acumulam resíduos no exterior;
  7. Estabelecem novas ligações químicas prejudiciais.

Outra categoria é o cancro ter demasiadas células do tipo errado — que se estão a dividir quando não é suposto estarem a fazê-lo. E claro que há muitos projetos em curso para nos livrarmos do cancro. Fico particularmente entusiasmado com os avanços no uso do sistema imunitário contra o cancro [imunoterapia]. Da mesma forma, também podemos ter muitas células más que não estão a morrer quando deviam estar, entram num estado em que estão a fazer mais mal do que bem, mas que [como o cancro] se conseguem defender contra a tentativa do corpo de as matar. Temos de matar essas células e isso é uma das coisas em que estamos a trabalhar.

Temos já três categorias: por um lado a perda de células, por outro lado o excesso de células causado quer pelo cancro, quer por células que não morrem quando deviam fazê-lo. Que outras categorias definiu?
Depois existem as questões moleculares, do que acontece dentro das células. Dentro das células temos as mitocondrias, responsáveis pela parte química da respiração e por extrair energia dos nutrientes. As mitocondrias têm o seu próprio ADN, que é muito mais suscetível a sofrer danos que o ADN no núcleo. Certamente que este ADN acumula mutações ao longo do tempo e acreditamos que essas mutações contribuem para o envelhecimento. Para resolver isto, estamos a tornar o ADN mitocondrial desnecessário. Ou seja, estamos a colocar cópias do ADN mitocondrial dentro do núcleo, mas modificadas de forma a que continuem a funcionar. Esta é uma ideia que já existe há algum tempo, mas as pessoas achavam que era muito difícil e desistiram. Nós não desistimos e conseguimos pô-la a funcionar.

Depois existem os produtos residuais [resultantes da atividade das células]. Por exemplo, a degeneração macular [da retina], que é a principal causa de cegueira nos idosos, acontece devido à acumulação de um derivado da vitamina A [molécula resultante da modificação da vitamina produzida durante o processamento da visão]. Como não temos nenhuma enzima [proteína com capacidade para facilitar reações] para o destruir, este derivado acumula na parte de trás do olho e, eventualmente, começa a matar as células — e é por isso que temos degeneração macular. Tudo o que precisamos de fazer para travar a degeneração macular completamente é fazer com que as células consigam destruir o composto, dando-lhes uma enzima que lhes permita fazer isto. A pergunta é: onde vamos encontrar esta enzima? Não é muito difícil, basta procurar uma bactéria no ambiente que seja capaz de decompor este composto e ver que enzima usa para o fazer. Depois modificamos o gene da bactéria de forma a continuar a funcionar, quando colocado numa célula humana. Fomos bem sucedidos a fazer tudo isso e esse projeto faz parte de uma nova empresa, que tem um bom financiamento.

Acumulação de proteínas e doença de Alzheimer

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Quando a proteína beta-amiloide forma depósitos sólidos no cérebro dá origem às placas de amiloide características da doença de Alzheimer.

As proteínas tau, que desempenham funções essenciais nos neurónios, também se acumulam sob a forma de fibrilhas quando deixam de funcionar corretamente.

A acumulação destes dois tipos de proteínas leva à morte dos neurónios e ao aparecimento da doença.

Também podemos ter resíduos no espaço extracelular, entre as células, mas isso é diferente, porque a maquinaria que temos para tratar os resíduos no espaço extracelular é muito mais primitiva do que no espaço intracelular, portanto tudo o que precisamos de fazer é estimular o sistema imunitário — vacinar contra esses produtos. Já está a funcionar na doença de Alzheimer, em relação à acumulação de proteínas beta-amiloide. E trabalhámos num projeto para fazer o mesmo com o amiloide que se acumula no coração — ainda que este seja de uma proteína diferente. Mais uma vez, isso foi exportado para uma empresa.

Finalmente, temos a ligação cruzada. O grande motivo por que temos tensão alta quando envelhecemos é que as paredes das artérias principais se tornam menos elásticas. As proteínas que permitem às paredes das artérias serem elásticas são modificadas quimicamente por reações com um açúcar que existe na corrente sanguínea e essa modificação causa, por vezes, o aparecimento de novas ligações química cruzadas, que reduzem a elasticidade. Desenvolvemos métodos para quebrar essas ligações e restaurar a elasticidade.

Para cada uma destas categorias encontraram uma solução ou têm um projeto em curso?
Correto. E estão todos a correr bem.

Posso imaginar células estaminais a preencherem zonas com falta de células ou vacinas a tratar problemas localizados como o da retina, mas como vamos conseguir colocar o ADN mitocondrial dentro do núcleo das células? E vai ser feito para todas as células?
Para tantas células quanto possível, tendo as células que não se dividem como as mais importantes. Isto é terapia genética de células somática [por oposição a células reprodutoras, logo as alterações não deverão ser transmitidas à descendência]. Claro que tem razão, a terapia genética de células somáticas ainda não é boa o suficiente. É uma das coisas em que estamos a trabalhar: desenvolver novos métodos para a terapia genética.

O principal problema com a terapia genética é ser muito perigosa. Os vírus modificados que usamos para conseguir colocar o ADN dentro das células inserem-se ao acaso no genoma [não é possível controlar o local de inserção]. Ocasionalmente, podem inserir-se em locais que levam a célula a transformar-se numa célula cancerígena — e não queremos que isso aconteça. As pessoas andam a tentar há muito tempo fazer a terapia genética mais específica em relação ao local, mas não houve muitos progressos. Temos um projeto que está a trabalhar nisso, é muito orientado para a especificidade do sítio: podermos pôr o ADN onde quisermos e não afeta o resto do cromossoma.

O ideal era que as terapias para combater as sete categorias de danos pudessem ser todas dadas com uma única injeção — Joe Raedle/Getty Images

Joe Raedle/Getty Images

Como é que estas novas terapias vão funcionar?
Não vai ser muito diferente dos medicamentos de hoje em dia. A maior parte vai ser feita com injeções. Por exemplo, para as células estaminais, basta colocá-las na corrente sanguínea e elas vão para onde fazem falta. O mesmo para a terapia genética. Hoje temos a vacina tríplice, que, na verdade, são três vacinas numa [sarampo, papeira e rubéola], mas o doente não precisa saber isso porque na verdade é só uma injeção. Também podemos ter 300 injeções numa vacina, mas continua a ser apenas uma injeção. Mas claro que isto tem aspetos muito mais complicados quando olhamos ao pormenor.

Quer dizer que todas as terapias estariam numa vacina?
Era assim que gostava que acontecesse. Claro que vai existir um período de desenvolvimento e não ficaria surpreendido se existisse um período em que teríamos de recorrer a cirurgia — para substituir órgãos completos por órgãos criados artificialmente em laboratório, por exemplo. Mas isso vai ser uma etapa temporária. Primeiro, porque é muito caro. Segundo, porque é muito invasivo e portanto não serve para tratar pessoas que já estejam muito doentes. Eventualmente, tudo isto será transformado em intervenções menos invasivas, como as vacinas.

Ser menos invasivo é importante para as pessoas, mas também é importante que estas novas terapias não sejam mais caras.
Não precisamos de nos preocupar com isso. Hoje em dia, mesmo em países com serviços de saúde pública, a maior parte da medicina de ponta para os idosos é já muito cara e poucas pessoas conseguem ter acesso a ela. Os medicamentos não funcionam, só adiam a idade em que morremos, mantendo-nos vivos num estado debilitado de saúde. Estes novos medicamentos de que estou a falar vão resultar realmente, vão restaurar a saúde das pessoas e isso significa que as pessoas vão querer desesperadamente estes tratamentos — não será possível a um governante ser eleito se não os disponibilizar. Mas há outro argumento económico muito simples: quando as pessoas são saudáveis e úteis, podem continuar a contribuir com riqueza para a sociedade. Vai ser um suicídio económico para qualquer país não deixar que isto aconteça. Se uns deixarem que as pessoas continuem a ficar doentes à medida que envelhecem e outros países mantiverem as pessoas saudáveis, então esses países vão ganhar e o país que não o faz vai à falência. Essencialmente, estes medicamentos vão pagar-se a si próprios muito rapidamente.

Isso significa que não teremos de usar tantos medicamentos como usamos hoje em dia?
De certa forma. Apenas medicamentos diferentes, mais preventivos. Chamo a este tipo de medicamentos o ponto caramelo entre a prevenção e o tratamento. É tratamento no sentido de que nos leva de volta a um estado prévio, mas é prevenção no sentido de que vai ser principalmente para as pessoas que ainda não estão doentes.

Como é que acha que a indústria farmacêutica vai reagir?
Não se vão importar de todo. Hoje em dia podemos achar que se iam importar porque fazem dinheiro com as pessoas doentes, mas isso é só porque a sociedade pensa dessa forma. A sociedade suspeita, inerentemente, de todos os novos medicamentos, porque são experimentais e podem ser perigosos. E suspeitam em particular da medicina preventiva, porque acham que não estão doentes e o novo medicamento experimental pode fazê-los ficar doentes. Acham que a razão custo-benefício não faz sentido. Isto significa que é muito difícil levar um medicamento preventivo até ao ponto em que as pessoas vão começar a comprá-lo. Claro que há exceções, como as estatinas para o colesterol ou os medicamentos para a tensão alta. Estas são grandes classes de medicamentos, com os quais a indústria farmacêutica faz muito dinheiro, apesar de serem preventivos. Isto porque encontraram um caminho alternativo: começaram por ser um tratamento, depois as pessoas aceitaram que estes marcadores, como a tensão alta, indicavam que a pessoa viria a sofrer de doença cardíaca no futuro. O que precisamos é de alargar esta visão, precisamos que a sociedade entenda que a medicina preventiva é o caminho.

“Estes novos medicamentos de que estou a falar vão resultar realmente, vão restaurar a saúde das pessoas e isso significa que as pessoas vão querer desesperadamente estes tratamentos — não será possível a um governante ser eleito se não os disponibilizar.”

Questões éticas são “um absurdo”

Afirma que, em 20 anos, poderemos ter essa tecnologia. Já existem ensaios clínicos em curso?
Oh, sim. Claro que a maior parte dos 20 anos de que falei não são realmente sobre o desenvolvimento e validação das terapias individuais, pelo menos metade será para o processo que vem depois disso, que é quando combinamos as terapias. Isto porque as terapias individuais originais, em média, não darão muito a ganhar à maior parte das pessoas, há muita coisa a acontecer no corpo ao mesmo tempo.

O que vai acontecer nos ensaios clínicos é que se pega numa população de doentes que, de certa forma, está a sofrer de um tipo de danos mais rapidamente do que dos restantes. O próximo passo, depois das terapias terem passado pelos ensaios clínicos e terem sido aprovadas, é começar a combiná-las. Mais uma vez, é uma coisa que pode ser contrária à forma como os médicos trabalham neste momento, tentam manter as coisas simples, mas nós vamos ter de dar o peito às balas.

Há questões éticas que devemos acautelar com estas novas terapias?
De modo nenhum. Há muita gente que faz de conta que existem questões éticas, mas isso é uma absurdo. O facto é que isto são apenas cuidados de saúde, não há questões éticas à volta disto. Quero dizer, ninguém quer ficar doente, ninguém quer que mais ninguém fique doente — excepto talvez a própria sogra. Quando as pessoas dizem que há questões éticas, o que estão a falar é da longevidade, se as pessoas viverem muito a sociedade vai ser diferente, mas isso é um efeito secundário da saúde. É ilógico e intelectualmente desonesto dizer que se quer uma coisa, mas que não se quer as consequência dessa coisa.

A questão aqui é dar sete tipos de tratamentos a pessoas que não estão doentes só para lhes dar a possibilidade de rejuvenescerem. A minha pergunta sobre os eventuais problemas éticos está mais relacionada com isso.
Se ainda não estão doentes, é medicina preventiva, impedindo-os de ficarem doentes num futuro próximo. Para mim, é a mesma situação das estatinas e dos medicamentos para a tensão alta — é só medicina preventiva e ninguém parece pensar que existem problemas éticos sobre estes medicamentos.

Qual vai ser o aspeto das pessoas que se submetem a esse tipo de terapias de rejuvenescimento?
O mesmo das pessoas mais jovens hoje em dia. A parte de fora do corpo é a parte mais fácil. A razão por que os cosméticos não funcionam realmente hoje em dia é porque o interior do corpo continua a envelhecer e contamina o exterior. De modo inverso, assim que tivermos arranjado o interior, o exterior vai, mais ou menos, arranjar-se por si próprio.

Quer dizer que perderíamos as rugas?
Com certeza. Uma das principais razões das rugas é que porque a camada mais interna da pele se torna menos elástica, no mesmo processo que falava há pouco para a tensão alta. Mais uma vez, o mesmo tipo de terapias vai restaurar a elasticidade e remover as ligações cruzadas que se estão a acumular e que vão tornando a pele menos elástica. Depois também temos a derme que fica mais fina, por perda de células, porque os fibroblastos acumulam muitos danos.

Para Aubrey de Grey, com estas novas terapias, as pessoas vão ficar biologicamente mais novas e parecer mais novas, até vão perder as rugas — David McNew/Getty Images

David McNew/Getty Images

Mesmo com estas terapias, as pessoas vão continuar a adoecer?
Vão continuar a existir infeções. Espero sinceramente que se comece a investir muito mais dinheiro no desenvolvimento de vacinas para nos proteger de pandemias futuras. E é muito provável que o façamos quando isto se tornar o maior risco de morte — quando o envelhecimento deixar de ser a principal causa de morte. Mas não, as pessoas não vão ficar doentes como resultado de terem nascido há muito tempo.

Quer dizer que podemos resolver problemas como o cancro e outras doenças relacionadas com a idade?
Bem, sim, porque a maior parte dos cancros são relacionados com a idade. Mas também serve para os cancros mais raros, como os das crianças, que acontecem quando se tem uma mutação muito invulgar — e que equivale a meia dúzia das mutações que um cancro normal teria. Apesar das mutações serem diferentes, a transformação da célula como resultado é igual. Se tivermos uma terapia que funciona para o cancro numa fase mais avançada da vida, também funcionará com um cancro numa fase mais inicial da vida.

E em relação a doenças como Parkinson e Alzheimer, que estão relacionadas com o envelhecimento?
Claro, totalmente. A doença de Parkinson resulta da perda de neurónios dopaminérgicos e já existem ensaios clínicos com células estaminais para isso. A terapia com células estaminais para o tratamento de Parkinson é relativamente fácil, porque os neurónios dopaminérgicos estão todos no mesmo sítio, numa parte do cérebro chamada substantia nigra.

O Alzheimer é um problema muito mais desafiante. Primeiro, não é apenas a perda de células como no Parkinson, isso só acontece numa fase mais tardia da doença, mas a acumulação dos produtos residuais. Como já disse, já resolvemos o problema de nos livrarmos das placas de amiloide — há vacinas que o podem fazer. Agora, as pessoas estão a seguir na mesma direção com as proteínas “tau”. Também temos um projeto que está a olhar para isso e temos esperança que de que vai ser resolvido em breve.

Depois, é preciso tratar a perda de células e de densidade sináptica [pontos de comunicação entre neurónios]. O problema com a terapia com células estaminais para tratar o Alzheimer é que as células estão a morrer em todo o cérebro — quer dizer, há partes do cérebro que são mais afetadas do que outras, mas acontece por todo o lado — e isso é um grande problema, porque, se injetarmos células estaminais no líquido cefalorraquidiano, que é muito pegajoso, elas ficam ali, não migram. Precisamos de resolver isso. Estamos a financiar um projeto neste sentido: dar às células precursoras de neurónios a capacidade de migrar. A ideia é fazer a migração primeiro e depois ter um sistema genético que possa ser induzido a fazer a diferenciação nos neurónios que realmente são necessários.

Diz frequentemente “estamos a investigar”, “temos este financiamento”. Quer dizer a Fundação de Investigação SENS?
Sim, mas não só. A Fundação de Investigação SENS, baseada na Califórnia, é um fundo de beneficência sem fins lucrativos para apoiar a investigação biomédica e financiamos apenas meia dúzia de projetos. Fazemos um par deles nos nossos próprios laboratórios e os outros estão nos laboratórios de universidades e instituições. Mas levámos muitos dos nossos projetos mais longe do que isso: alguns tornaram-se startups, são já uma meia dúzia deles. Isto é importante porque, quando alguma coisa está pronta para ser um investimento, pode atrair muito mais dinheiro e isso significa que a investigação corre muito mais rapidamente. Fazemos isto de forma tão aguerrida quanto podemos.

Esses projetos eram inicialmente financiados pela Fundação de Investigação Sens?
Sim, correto. Quer dizer, não todos. Esta meia dúzia, sim. Mas há dezenas de outras startups que começaram de forma independente das nossas, mas que estão a fazer um trabalho muito semelhante. Também trabalho com essas empresas. E como estou no centro de tudo isto, todas as pessoas vêm ter comigo quando precisam de aconselhamento: as pessoas que querem dinheiro vêm ter comigo, mas as pessoas que querem gastar dinheiro também vêm ter comigo, para perguntar se é um bom sítio onde investir. Gasto grande parte do meu tempo só a fazer apresentações.

“Quando alguma coisa está pronta para ser um investimento pode atrair muito mais dinheiro e isso significa que a investigação corre muito mais rapidamente.”

Não faz, nem nunca fez investigação, pois não?
Correto. Só pago a pessoas para o fazer.

Começou como cientista da computação. O que o fez mudar de área para a gerontologia?
Mudei para esta área porque descobri que quase ninguém estava a trabalhar nela. Passei os meus primeiros 30 anos de vida convicto de que todas as pessoas concordavam que o envelhecimento era o problema mais importante a nível mundial. Quando era um adolescente, descobri que era um bom programador e pensei: “De todos os grandes problemas do mundo em que posso trabalhar, vou trabalhar em inteligência artificial”. O trabalho era um problema: o facto de as pessoas terem de passar tanto tempo a fazerem coisas que não fariam se não estivessem a ser pagas para isso. Por isso, precisamos de mais automação e eu estava a trabalhar nisso. E estava a correr bem. Mas, enquanto o fazia, conheci a minha mulher — ex-mulher agora —, que é bióloga, e através dela percebi que os biólogos não achavam que o envelhecimento fosse particularmente interessante ou importante. Fiquei completamente horrorizado e decidi que isto era sem dúvida um problema mais importante que o meu trabalho e que devia mudar de área. E aqui estou.

Viver mais e trabalhar menos. Como?

Disse que a Inteligência Artificial seria importante para as pessoas trabalharem menos, mas o seu trabalho agora é fazer com que as pessoas vivam mais tempo. Como é que combina estas duas coisas: trabalhar menos e viver mais tempo? O que é que as pessoas vão fazer com o tempo que têm a mais?
A questão é sobre como distribuímos a riqueza. Precisarmos de menos trabalho não é um problema, se as pessoas continuarem a ser prósperas, se aquilo para o qual costumávamos pagar às pessoas para fazerem estiver a ser feito de graça. As pessoas precisam de encontrar maneiras de se sentirem inseridas na sociedade, mas isso não significa que tenham de ser pagas. Se estiver a fazer coisas que enriquecem a vida de outras pessoas e se tiver um feedback positivo da sociedade, só porque sou um pintor ou carpinteiro, se fizer estas coisas por diversão e não para ser pago, é bom o suficiente.

Mas se as pessoas não forem pagas pelo que fazem, como vão poder pagar pelas coisas de que precisam?
Claro que já se anda a pensar nisto há algum tempo. Há este conceito genérico de salário mínimo universal, que é o primeiro passo nesta direção. É uma ideia ainda embrionária, mas há um milhão de maneiras sobre como poderia ser elaborada. Não tenho pretensões de saber a resposta para isto, não sou um economista. Mas estou a dizer que não é um problema, é uma coisa boa dizer que vamos ter menos trabalho, é só uma questão de como vamos distribuir a riqueza.

Em relação aos colegas gerontologistas, como é que encaram o seu trabalho?
Isso foi mudando ao longo do tempo. Comecei a juntar estas ideias há 15 anos ou mais. Muitas destas ideias vêm de outras áreas da biologia, como usar as enzimas bacterianas na descontaminação ambiental. Os especialistas em mitocondrias têm estado a trabalhar sobre colocar o ADN mitocondrial dentro do núcleo, por causa das doenças mitocondriais hereditárias que afetam as crianças, mas ninguém em gerontologia sabia nada de mitocondrias. Juntei uma série de ideias diferentes e criei este plano abrangente. Depois comecei a falar das consequências.

No início, a maior parte dos meus colegas não entendia o que eu estava a dizer. Em meados dos anos 2000, tinha muita oposição, as pessoas que achavam que eu estava a ter muita atenção e que o que eu estava a dizer não era válido ou científico. Na altura, foi difícil. Mas, ao longo dos anos, gradualmente, fui bem sucedido a educar os meus colegas e as pessoas compreenderam que o que estou a dizer não é uma loucura. Agora, é aceite de forma generalizada.

Há cinco anos saiu um artigo científico, escrito por cinco gerontologistas europeus, em que reafirmavam o que eu tinha dito mais de 10 anos antes, quase como se fosse uma ideia nova. O que interessa é que foi publicado na Cell e já foi citado mais de duas mil vezes. Pode muito bem ser o artigo mais citado na área da biologia do envelhecimento desta década. E é exatamente a minha ideia.

Acha que vir de uma área não relacionada com a gerontologia o fez ter uma melhor perspetiva do problema?
Uma visão diferente. No início, foi muito útil que eu tivesse competências diferentes, mas também o facto de ser um teórico: passava grande parte do meu tempo a ler e a falar comigo próprio. Vim com uma mentalidade diferente na forma de lidar com os problemas, que pode ser uma forma muito mais tecnológica de olhar para as coisas. Isto é normal. Há muitos casos na ciência em que uma pessoa mudou de área e conseguiu fazer importantes contribuições para a nova área porque estava a olhar para as coisas de maneira diferente.

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