É um dos rostos que dá as boas-vindas a quem aterra em Cem Soldos, aldeia situada a cinco quilómetros da cidade de Tomar, onde decorre, entre esta quinta-feira e domingo, o festival Bons Sons. Carlota Mourão Ferreira, 20 anos, deu o seu contributo, como faz quase toda a gente da aldeia.
“Dizemos a todos que isto é uma canseira, mas, no final, só queremos é mais. A verdade é que dá muito trabalho, mas temos um amor muito grande por isto que fazemos. É uma coisa muito bonita [o evento] ser à base de voluntariado, ser música portuguesa e ser sem fins lucrativos. Tenho muito orgulho na minha terra.”
Apesar de ter apenas duas décadas de vida, Carlota conhece o festival como a palma da sua mão. Em miúda, começou como voluntária na Academia Bons Sons, um programa que acontece nos meses anteriores ao certame. Hoje é coordenadora do posto de informação localizado no espaço detido pelo Sport Club Operário de Cem Soldos (SCOCS). Tem como responsabilidade informar os portadores de bilhete de toda as as atividades que acontecem durante o festival.
Para esta jovem, o Bons Sons “sempre foi a garantia do Verão, aquela alegria diferente do verão e para toda a população também o ano”. Nascida e criada em Cem Soldos, o espírito de comunidade já vem de casa. “A minha mãe está a trabalhar no bar dos escuteiros, o meu pai está nas bilheteiras, o meu irmão é coordenador dos palcos…” Além dos tios e tias que também participam na grande linha de montagem que é produzir o festival.
Acabada a licenciatura em Serviço Social no Politécnico de Leiria, Carlota não excluí a possibilidade de sair da aldeia, mas com volta programada. “O meu plano é mesmo que tenha de sair, quero sempre voltar. O meu projeto futuro a longo prazo vai ser sempre voltar”, diz.
Nos últimos anos, muitos têm voltado. Cem Soldos está cada vez menos desertificada, conseguindo atrair novas pessoas — são cerca de 700 habitantes de acordo com a organização do festival. É o caso de Joel Ferreira, irmão de Luís Ferreira, fundador do Bons Sons. Gestor hoteleiro, Joel morava em Lisboa, mas regressou à aldeia tomarense e abriu um espaço de restauração. Pelo balcão de madeira da Tasca atropelam-se sangrias. “Temos 13 tipos de sangria diferentes”, nota ao Observador, na azáfama de servir os muitos que tentam matar a sede entre concertos — o restaurante fica no perímetro do festival e, nestes dias, ganha um balcão na rua.
Joel tem a história clássica que, nos últimos anos, se vai ouvindo em cada esquina. “Estive uns tempos fora, mas voltei. Voltei há oito anos, por acaso, mas senti o apelo da terra. Estava bem, mas faltava qualquer coisa, e foi esse qualquer coisa que voltei a encontrar aqui.” Arrependido? “Só estou arrependido de não ter vindo há mais tempo.”
Trabalhava no Bairro Alto e em Alfama, na capital, quando se “dá o boom do turismo em Lisboa”. “Senti-me um bocadinho deslocado, com a descaracterização da própria cidade, e em boa hora o fiz. Voltei a ter tempo para mim, a estar com os amigos”, reflete.
Quem nunca arredou pé da aldeia foi Valérie Sousa Bibi, 37 anos, crente fiel na espécie de utopia que o Bons Sons todos os anos faz por promover. É enfermeira de profissão e responsável pelo posto médico avançado também no interior do recinto. Gere bombeiros por turno, ambulâncias, médicos, outros enfermeiros.
“A aldeia aproveita a área profissional de cada pessoa e pede colaboração e ajuda naquela área”, explica ao Observador. Antes de se especializar já ajudava noutras áreas, o que fosse precioso. Nas últimas seis edições começou “ainda de forma muito rudimentar, com um “postozinho” de primeiros socorros. Desde então, muita coisa mudou. “Percebemos que as necessidades são outras as exigências legais também mudaram drasticamente nos últimos anos”.
“O Bons Sons veio trazer à aldeia uma dinâmica completamente diferente. Veio trazer as necessidades da aldeia. “A aldeia já cresceu”. “É notório, diz, apontando para o renovado Largo do Rossio. “Não tem nada a ver”. Mas não foi sempre óbvio o potencial da aldeia.
“No meu ano de faculdade, ninguém queria ficar em Cem Soldos. Fui das primeiras ou das poucas a fixar-me aqui, sempre disse que queria viver em cem soldos”, recorda. Decidida, comprou casa cedo. “Fui muito criticada, sobretudo pela minha geração, sobre porque é que fui gastar aquela fortuna para conseguir ficar cá.” O que é certa que temos conseguido. “É um espírito que não se consegue pôr em palavras o orgulho de ser de Cem soldos”.