“O nosso mundo precisa urgentemente de uma economia diferente. Aquela que faz viver e não mata, inclui e não exclui, humaniza e não desumaniza, cuida da criação e não a destrua.” As palavras são do Papa Francisco. Foram ditas em 2019. No momento em que “entregou” o desenvolvimento da Economia de Francisco aos jovens.
Economia de Francisco é a Economia de Francisco de Assis, não do Papa Francisco. E os seus princípios estavam lançados há muito, mas hoje em dia já tem “uma marca muito importante do Papa Francisco”, admite José Fonseca Pires, licenciado em Medicina e professor da AESE, responsável pela área de comportamento humano da instituição e diretor do PADIS – Programa de Alta Direção de Instituições de Saúde. Ainda assim, este professor recorda que a Economia de Francisco vem de trás. É uma continuidade de papas anteriores, chegando ao tempo de Leão XIII, que liderou a Igreja Católica até ao início do século XX.
Luís Cabral, professor da NYU Stern e da AESE, lembrou isso mesmo numa palestra que deu em 2020, referindo o Papa Francisco é mais enfático na forma como se refere a esta linha de pensamento. “Há quatro princípios que não são novos, mas que têm sido apresentados de uma forma diferente. A ideia de que o mercado é um instrumento e não um fim em si, não uma ideologia; a ideia de que o consumismo é um problema que há que resolver e que é exacerbado pela economia de mercado; que o crescimento económico não é a solução para a pobreza; e o lucro não é o único objetivo da atividade empresarial.” Princípios que são apresentados “de alguma forma mais nova pelo Papa Francisco”.
Também José Fonseca Pires recorda que, embora a Economia de Francisco venha da “doutrina social da Igreja”, “o Papa Francisco tem uma linguagem mais adaptada aos tempos que lhe correspondeu viver como Papa e uma sensibilidade mais premente dos tempos atuais e uma linguagem mais percetível para a gente nova e para as pessoas que estão a povoar a terra”. E o Papa Francisco acabou por dar o impulso ao movimento Economia de Francisco, ao escrever, em maio de 2019, a carta a convidar jovens, economistas, empreendedores, agentes da mudança “e todas as pessoas de boa vontade” a encarar um desafio: o de que “repensássemos a economia, criássemos uma economia do amanhã, devolvêssemos a alma à economia, criando uma economia diferente”, acrescenta, em declarações ao Observador, Carlos Figueira, coordenador da Economia de Francisco Portugal, um dos jovens que tem em mãos a promoção e desenvolvimento desta missão.
Escrito esse desafio, estava marcado para 2020 um grande encontro à volta do propósito, mas a pandemia atirou essa iniciativa para 2022. As sementes foram-se, no entanto, desenvolvendo. O encontro aconteceu em Assis, na região de Umbria, Itália, em 2022, no âmbito do qual foi assinado o Pacto entre Francisco e os jovens.
Carlos Figueira explica que esse pacto deixou evidente que “o Papa Francisco confia muito nos jovens”. “[Confia] na nossa capacidade de mudança, na nossa proatividade e não quer que fiquemos acomodados, que busquemos e arrisquemos”.
Essa foi, aliás, uma das mensagens deixadas pelo Papa Francisco no seu discurso na Universidade Católica esta semana, cuja visita foi a ocasião aproveitada pelo líder da Igreja Católica para anunciar o lançamento de uma cátedra sobre a Economia de Francisco e de Clara — a Universidade aproveitou para incluir Clara no nome da cátedra. E assim une no mesmo propósito Francisco de Assis e Clara de Assis. Também nesse discurso, o Pontífice salientou esse aspeto.
É interessante que, na vossa nova cátedra dedicada à ‘Economia de Francisco’, tenhais acrescentado a figura de Clara. De facto, é indispensável o contributo feminino. Aliás, vê-se, na Bíblia, como a economia familiar está em grande parte na mão da mulher. É ela a verdadeira ‘governante’ da casa, com uma sabedoria que não visa exclusivamente o lucro, mas o cuidado, a convivência, o bem-estar físico e espiritual de todos, bem como a partilha com os pobres e os estrangeiros. Abordar os estudos económicos com esta perspetiva é entusiasmante, tendo em vista devolver à economia a dignidade que lhe compete, para que não caia como presa do mercado selvagem e da especulação”, disse Francisco perante um grupo de jovens.
Um modelo económico ou teológico?
Chama-se Economia de Francisco, mas não é uma teoria económica. É, “sobretudo, uma mudança de paradigma e uma forma de ver os temas económicos de forma diferente”, salienta ao Observador Ricardo Zózimo, professor da Nova SBE.
“Enquanto a forma como o mundo vê os temas económicos neste momento é muito linear — retiro da terra e transformo em condições monetários –, o Papa pede que se reinvente a forma de ver os temas económicos para criar uma economia que regenera as pessoas, as relações humanas, as relações com o meio ambiente e com a natureza. E não se aproveita das pessoas, não se aproveita da natureza, das relações humanas”, salienta o mesmo professor, destacando, mais uma vez, que se trata de “uma mudança de paradigma e não é um sistema que vai estar entre o capitalismo e o comunismo”. O Papa pretende chamar a atenção para os custos elevados deste paradigma atual: “Temos de olhar para o mesmo fenómeno, mas com outros olhos.”
Carlos Figueira corrobora, enfatizando que a Economia de Francisco “não é um movimento para economistas, não é um novo modelo ou teoria económica, não é um manual com respostas”. O coordenador do movimento em Portugal explica ao Observador que “a Economia de Francisco congrega e pode congregar vários modelos e teorias”. É um processo. Que, muitas vezes, tem mais perguntas que respostas.
Francisco deixou também, por esta passagem por Portugal, essa mensagem aos jovens que participam na Jornada Mundial da Juventude: “Nunca se cansem de perguntar. Não se cansem de perguntar. Perguntar é bom. Aliás, muitas vezes é melhor que dar respostas, pois quem pergunta permanece ‘inquieto’ e a inquietude é o melhor remédio contra a habituação, aquela normalidade que anestesia a alma.”
A Economia de Francisco é, diz Carlos Figueira, “uma visão”. Coloca as pessoas no centro — “todas as pessoas, não deixa ninguém de fora”, explica José Fonseca Pires; valoriza-se a criação, a casa comum, com foco na sustentabilidade; a tecnologia e o digital são uma oportunidade para libertar tempo e recursos para fortalecer o que é especificamente humano, sintetiza o professor da AESE.
Ricardo Zózimo também simplifica o conteúdo, explicando que esta economia trata a natureza como “parte do ecossistema económico. Trata-a como um bem comum, não a utilizando só para ser proveito. É o conceito de ecologia integral. Temos de cuidar desse bem comum”, além de que, neste conceito, há que procurar incluir todos, mesmo os que não têm voz. E há que perceber “como distribuímos os benefícios do sistema económico, como distribuímos melhor e como distribuímos aquilo que está a ser dado. Como é que se repensa o modelo de distribuição de todos os benefícios que são gerados pela atividade da empresa”. Ou, diz este professor: “Como as empresas podem ser lugares de esperança.”
Zózimo conta ao Observador a história de uma cadeia de restaurantes (de frango) nos Estados Unidos que decidiu fazer um projeto-piloto, fechando as unidades ao domingo, um dos dias forte nas vendas. O impacto podia ser grande. Os trabalhadores, no entanto, ficaram mais motivados e houve pedidos para irem trabalhar para aquelas unidades que fechavam ao domingo. No final do piloto, concluiu-se que o lucro perdido com a iniciativa foi de 10%. O acionista considerou que valia a pena perder esse valor, dando melhor vida aos trabalhadores.
“Às vezes, falta coragem”, conclui Ricardo Zózimo, que, no entanto, assume que estes princípios são praticáveis e praticados. “Há muita coisa feita, mas há ainda muito para fazer”, conclui, também, José Fonseca Pires, assumindo que esta é uma tarefa sem fim. Carlos Figueira, 28 anos, economista, deixa também claro que “todos podemos dar um contributo. Todos temos um papel. É um compromisso diário por esta nova economia”.