Edgar dá licença? Sim. Quantos passos? Dois dias até às eleições. Para a frente ou para trás? “Para a frente”, sempre.

O jogo tradicional infantil não é para aqui chamado, mas quase podia ser. Chega de fininho, em pés de lã, pede licença ora para distribuir beijinhos ora para distribuir panfletos de campanha, agradece, cora ao soar dos piropos, sorri, sorri muito, pede a todos para irem votar no domingo – e para “votarem bem”. Edgar Silva conhece as regras do jogo. Primeiro vem o “esclarecimento”, depois a “mobilização”. No sprint final de uma campanha que não se cansa de dizer que tem sido “em crescendo”, o candidato do PCP sabe que é tempo de gritar aos indecisos para “despertar os mais sonâmbulos”. Mas também sabe que as eleições são uma peça dividida em dois atos: na primeira volta, o voto deve ser pleno e não pela metade, por um “bem maior”. Na segunda, contudo, “a dança e a música de Abril serão outras”. Mas primeiro é preciso lá chegar.

“Já pusemos o Coelho com asas, agora vamos pôr o Cavaco, perdão, o Marcelo a andar”, assim começa a conversa com uma senhora que, numa das ruas principais do centro da Baixa da Banheira, concelho da Moita, se pôs a jeito para receber uma “beijoca” do candidato presidencial que enche as vistas às mulheres. “É tudo bicho da mesma raça”. “Cara e coroa da mesma moeda”, completa o candidato, que ri com a prontidão da interlocutora.

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Num passeio de cerca de uma hora pelas ruas daquela vila da margem sul do Tejo, onde o PCP está em casa e onde Edgar Silva esteve esta quarta-feira, não faltaram apoiantes que quiseram aproximar-se do candidato para “dar um beijinho”, “desejar força e boa sorte”, pedir para “correr com Marcelo”, ou simplesmente dizer que “é mais bonito ao vivo do que na televisão”. Rosalina, por exemplo, aproximou-se “só para dar um beijinho e desejar boa sorte para si e para o país”, mas trazia uma certeza: “o meu voto está garantido”. O terreno ali é fértil e os episódios sucedem-se. Mais à frente, uma outra senhora de idade mais avançada, ajudada por duas mais ágeis, também faz questão de se aproximar do candidato. “Queria-lhe dar um beijinho e dizer que o meu voto não falha, nunca falhou”. Não é que acredite realmente que Edgar Silva vá ganhar a eleição, confessa depois ao Observador, “mas se formos a pensar assim é que não ganha mesmo”.

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“Eu, eu! Também posso?”, lá vem a amiga atrás também a pedir licença para beijar. Mas esta vem com uma confissão algo inusitada: “Se não for este é a Marisa!”, atira já quando o candidato está a virar costas para seguir a sua caminhada. Em que ficamos? “Então, na primeira volta voto Edgar Silva, na segunda voto na Marisa”, explica.

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Segunda volta, outra dança

A confusão face aos candidatos da esquerda é recorrente e não é a primeira vez que se ouve o nome da candidata do Bloco de Esquerda em plena caravana do candidato do Partido Comunista. Durante a caminhada pela Baixa da Banheira, também Manuela, de 62 anos, diz que já tem o voto decidido mas que o importante é ouvir todos para refletir bem. Ouve-os a todos na televisão, quis ir ouvir Edgar ao vivo por estar ali tão perto, mas no bolso trazia um folheto com o rosto de Marisa Matias, que lhe haviam dado “ali em baixo na praça”.

Edgar Silva tem resposta pronta para as confusões e as ânsias dos seus apoiantes. “Cada voto na candidatura de abril é para impedir a vitória de Marcelo na primeira volta”, explica a um apoiante na rua. “Mas na segunda volta, a dança e a música de abril serão outras”. Que é como quem diz, o primeiro passo é impedir a vitória da direita, o segundo é unir esforços à esquerda, por mais difícil que essa costura seja de coser. Primeiro, o “bem maior”, depois “o mal menor”.

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A candidatura que se diz ser pela defesa dos valores de abril entrou definitivamente na reta final de apelo ao voto dos indecisos, e o mote que tinha sido lançado na rua viria a ser depois recuperado durante um discurso ao almoço no Barreiro, com o candidato a pedir aos eleitores para votarem “de corpo inteiro” naquilo em que “verdadeiramente acreditam” – e não para votarem “por conveniência” no voto que acham mais útil. É assim que Edgar procura tirar votos aos nomes da esquerda que aparecem mais bem posicionados nas sondagens, e ver somar uns pontos para si. “Tem de ser um voto no qual estejamos de corpo inteiro, um voto onde não nos sintamos pela metade, um voto cheio de sentido, que não seja com remorsos de consciência”, disse. Isto, na primeira volta. Porque na segunda, aí sim, Edgar admite que é altura de mudar o chip para “o mal menor”.

Mas ainda há tempo até domingo, e a campanha segue na estrada.

“Sei em quem vou votar, mas não é em si”. Em Cascais há condessas e a frontalidade é rainha

Com licença, se faz favor, obrigado. Edgar repete-as ora esteja em terras da margem sul, ora esteja na terra das “tias”. “Dá licença que a cumprimente?”, é sempre assim que se aproxima de quem quer que seja, de panfletos de propaganda na mão e sorriso no rosto. Mas se na Moita e no Barreiro o candidato quase não precisava de folhetos e várias eram as pessoas que se aproximavam espontaneamente para o cumprimentar, o mesmo não acontece em Cascais, onde a caravana comunista também parou esta semana.

O reconhecimento não é imediato quando Edgar Silva palmilha as ruas principais da Parede, entrando em tudo quanto é estabelecimento comercial: cafés, restaurantes, lojas de roupa, de cosmética, de reparação de telemóveis ou lojas do chinês. “Conhece o candidato?”, pergunta o Observador a dois jovens que tomavam o pequeno almoço quando foram abordados por Edgar Silva. A resposta é “não”, assim como também “não sabem” se vão às urnas no domingo. No quiosque de venda e reparação de telemóveis, onde Edgar tinha entrado minutos antes para distribuir o folheto com o seu rosto, a conversa repete-se. “Não conheço, mas é simpático”, diz o comerciante de origem indiana ao Observador.

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A volta, desde a estação de comboios até uma das artérias principais da Parede, já é conhecida dos apoiantes e militantes comunistas locais que seguem a comitiva com bandeiras em punho e autocolantes ao peito. Foi a mesma volta que Jerónimo de Sousa deu em setembro, durante a campanha para as legislativas, e não tem nada que enganar. Mais a mais, o madeirense tem ao seu lado o maestro Nuno Dias da Silva, um militante do PCP da estrutura local, que conhece como ninguém os cantos à casa e que, talvez para compensar algumas falhas de reconhecimento, trata toda a gente pelo nome próprio; pergunta pelas filhas e pelos netos, conhece-lhes as maleitas e facilita a conversação.

Mas se é certo que na Parede, o eleitorado é mais difícil para o ex-padre e ex-deputado da Assembleia regional da Madeira, também não falta “simpatia” pela estrada fora. Há condessas, há tias que são socialistas e que por isso não votam Edgar, mas não falta vontade para ver de perto o bem parecido candidato à Presidência da República. “Que simpatia! Se tiver um coração tão lindo como tem a cara…”, dizia uma senhora bem vestida e arranjada que se identificou como marquesa Gabriela, condessa de Asseca e marquesa de Burnay. E sem tempo para recuperar do piropo, logo viria juntar-se a amiga, igualmente bem vestida, que também quis reclamar um beijinho do candidato. Mas apenas isso, porque o voto não lho dá: “Não sou do seu clube, mas boa sorte. Sou socialista, mas o senhor é muito charmoso”.

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Sem muita sorte no apelo ao voto, Edgar Silva continuava rua fora com o mesmo sorriso. “Venha aqui conhecer o Zé Luís”, pedia o militante comunista da estrutura local que orientava o candidato nas ruas da Parede. Edgar lá foi conhecer Zé Luís, gerente de uma das mais conceituadas pastelarias da zona, mas a sorte foi a mesma. “Já sei em quem vou votar, mas o meu voto não é para si”, atirou. Sorridente, Edgar Silva ainda tentou argumentar que até domingo “ainda vai a tempo” de mudar de ideias. “Não estou nada a tempo, já pensei várias vezes e não vou votar neste partido”, continuava. “Bem, ao menos valha-nos a frontalidade”, atirava alguém da comitiva.

Certo é que o terreno ali era árido para Edgar. Mas também isso o candidato usou em seu proveito para apelar ao voto nas eleições de domingo. E contou uma história:

Passa-se na Madeira, no bairro social das Malvinas, onde em tempos foi construída uma escola no âmbito de um projeto social de apoio às crianças. Edgar fez parte do projeto e plantou uma semente de uma árvore – uma magnólia branca. O Governo regional, conta, acabaria por “destruir tudo” e acabar com o programa social, mas, por mais destruído que tenha ficado o bairro, a semente deu frutos e a magnólia sobreviveu “delicada e frondosa, como símbolo da esperança que por ali passou e não foi esquecida”.

Isso foi há mais de 20 anos, mas a magnólia branca continua imponente, garante o candidato. É assim que Edgar Silva quer ver a sua candidatura: como uma semente de esperança que se planta hoje em terreno árido para dar frutos no futuro. E, quem sabe, virar uma frondosa magnólia branca como a que hoje se ergue no bairro das Malvinas.