Há tendas montadas, sacos de cama no chão e comida empilhada. Cadeiras e mesas a bloquear entradas e saídas e muitas bandeiras da Palestina. É o oitavo dia de protestos nas instalações da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH), da Universidade Nova de Lisboa. A ação parece não ter fim à vista depois de, no domingo, um grupo ter avançado para a ocupação do acesso a um dos principais edifícios da faculdade. De momento, cerca de 40 aulas tiveram de ser suspensas, segundo revelou o gabinete de comunicação da instituição ao Observador, acrescentando que foram afetados à volta de 500 alunos, entre licenciaturas e mestrados.
O tom das ocupações, que afetam várias universidades portuguesas para apelar a um cessar-fogo na Faixa de Gaza, subiu de tom na noite de segunda-feira no Porto. Um grupo de cerca de 50 estudantes da Faculdade de Ciência da Universidade do Porto (UPorto) invadiu as instalações, em resposta a uma posição da direção que descrevem como “intransigente”, por ter dado indicações para os manifestantes saírem até às 20h. Os estudantes acabaram por desmobilizar já esta terça-feira, após a intervenção da PSP no local, mas as aulas foram suspensas durante toda a manhã no edifício que esteve ocupado.
Apesar da desmobilização no Porto, os estudantes não dão para já sinais de querer arredar pé. Ao Observador, Clara Pestana, aluna de Arte e Multimédia da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, onde também decorrem protestos há oito dias, garante que a ocupação é para continuar e que, mesmo que uma chegue ao fim, seguir-se-ão outras até que as reivindicações sejam ouvidas. “Continuaremos a ocupar escolas, universidades e outros tipos de instituições de ensino até que haja um cessar-fogo imediato em Gaza e nos seja garantido o fim à utilização de combustíveis fósseis até 2030”, garantiu.
Universidades acompanham protestos em permanência. Convocar PSP está, para já, fora de questão
Os protestos em Portugal seguem um mote que partiu de algumas das principais universidades dos Estados Unidos, e que levaram o Presidente norte-americano a afirmar que há “direito a protesto, mas não o direito a criar o caos”. Acabaram por difundir-se para várias cidades europeias, desde o Reino Unido aos Países Baixos, da Grécia à nossa vizinha Espanha e, desde há uma semana, Portugal.
“Manter a normalidade nos nossos espaços de ensino não é aceitável perante o número de vidas que vemos ser destruídas diariamente”, sublinham os alunos envolvidos nos protestos na FCSH em sucessivas publicações partilhadas numa página criada para promover a ocupação da instituição. A posição não coincide com a da direção, que num comunicado divulgado no domingo considerou que a ação já ultrapassou os limites de uma manifestação pacífica. Esta segunda-feira, o gabinete de comunicação reforçou essa mensagem ao Observador, mas acrescenta que para já não equacionam contactar as autoridades.
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“A Faculdade tem os seus canais com a escola segura naquilo que é a atividade normal. Mas aqui, neste momento, não há um contacto específico [com a PSP] a propósito do protesto”, explicou. A situação é semelhante na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, tendo o presidente da instituição confirmado ao Observador que estão a acompanhar a situação, mas que não houve contacto com as forças de segurança, apesar de reconhecer a situação “tensa” que se vive em algumas universidades portuguesas.
“Aqui na faculdade não há uma situação de tensão, não propriamente, mas sabemos que há uma tensão a nível geral, até pelos acontecimentos que foram reportados pela comunicação social em Coimbra”, refere António de Sousa Dias. Refere-se às denúncias de ativistas pró-Palestina que protestavam no largo D. Dinis, junto à Universidade de Coimbra, e que na sexta-feira passada acusaram um grupo de turistas russos residentes em Israel de agressões, um episódio que levou a polícia a intervir.
Segundo o relato do grupo Coimbra pela Palestina, os turistas, cerca de 30, entre os 60 e os 70 anos e acompanhados de um guia, passaram pela ação e cuspiram nos materiais pró-Palestina, rasgaram uma das bandeiras e começaram a pontapear e a ameaçar de morte os participantes. A mesma fonte indicou que turistas “intimidaram violentamente uma das ativistas, que é uma mulher, menor e racializada”, chamando-lhe fascista, macaca e recomendando-lhe que “voltasse para África”.
Questionada pelo Observador sobre os protestos a decorrer em várias cidades do país, a Direção Nacional Polícia de Segurança Pública (PSP) explica que se tem deslocado às universidades onde decorrem os protestos “sempre que a sua presença é solicitada”. Ressalva, no entanto, que em qualquer estabelecimento de ensino, é obrigatório que o responsável pelo mesmo solicite a presença da polícia para que os agentes possam atuar no seu interior.
Uma semana de ocupação sem fim à vista
“Esta semana ocupamos em dobro da semana anterior!”. Esta era a promessa deixada pelo movimento “Fim ao Genocídio, Fim ao Fóssil” há uma semana. Numa publicação, partilhada nas páginas Ocupa.fsch e Ocupa.fbaul, deixavam além do apelo alguns conselhos, incluindo como fazer um Kit pessoal para ocupar, que deveria conter nomeadamente um saco cama, documento de identificação, material de estudo, livros, instrumentos e jogos. Uma semana depois, está montada e a funcionar na FCSH uma “cantina popular” para as refeições do grupo e, tirando a falta de água — os manifestantes alegam que foi cortada a água no edifício ocupado –, parecem ter tudo o que precisam para prolongar a ação por agora.
Nos últimos dias, o grupo em protesto na FCSH, que o Observador tentou contactar sem receber resposta, tem organizado conversas com professores, assembleias e sessões de cinema. Convocam diariamente mais pessoas a juntar-se ao movimento. “O que significa defender a ocupação: partilhar o link com camaradas, coletivos e núcleos solidários. Estares ativa e pronta para vir à FCSH, ter som no telemóvel, trazer camaradas, resistir connosco até ao fim”, explicam num storie publicado no Instagram.
Ao Observador, o gabinete de comunicação da faculdade diz que a situação está a ser monitorizada e que o número de estudantes em protesto era esta segunda-feira mais pequeno do que o do início da ocupação. Questionado sobre se estão em contacto com os manifestantes, a instituição esclarece que “apelou ao bom senso” e que “acredita que eles farão esse pedido de contacto”.
Até ao momento, refere a mesma fonte, apenas receberam contacto através da carta aberta enviada à direção e conselho da instituição há duas semanas. “Enquanto instituição de ensino construída sobre os valores de Abril, a NOVA-FCSH tem o dever de quebrar o silêncio sobre o massacre que, há sete meses, horroriza a sua comunidade estudantil”, pode ler-se na carta que até agora já foi assinada por 424 estudantes, professores, investigadores e antigos alunos.
A situação é mais tranquila na Faculdade de Belas Artes, onde a ocupação continua esta terça-feira também pelo oitavo dia consecutivo. Ao Observador, o presidente da instituição refere que o protesto, que começou no pátio exterior e entretanto progrediu para a entrada das instalações sem oposição da direção, é visto como “legítimo”. A preocupação é que, havendo nos edifícios obras de arte a cargo da instituição, tudo corra sem que estas sejam danificadas. Até agora, referem, isso tem sido salvaguardado.
“Nós temos procurado fazer uma convivência saudável e temos estado em comunicação, a comunicação que é possível neste tipo de situações. Sabemos que é uma situação excecional e, portanto, obviamente estamos a tomá-la como tal, com a excecionalidade que ela tem e com o cuidado que ela merece”, nota. António de Sousa Dias diz ainda que para já também não receberam nenhuma reivindicação específica dos manifestantes e que vão “negociando” com eles os espaços a ocupar.
“Posso dizer que na semana passada, na sexta-feira, tivemos aqui as festas da tuna e todos entraram em acordo para movimentar as tendas de um espaço para outro e permitir que a festa se fizesse. Nós estamos a procurar que [o protesto] se mantenha visível, pelo menos da nossa parte, e ao mesmo tempo que possa conviver com outras atividades”, aponta.
Clara Pestana, um das alunas em permanência na Faculdade de Belas Artes, avançou que durante a noite de segunda-feira estiveram sete alunos a pernoitar nas instalações. No pico do protesto chegaram a ser 30, mas o número tem vindo a variar ao longo da semana e consoante a altura do dia. Esta manhã já estavam 15 a 20 pessoas no protesto. “Faz sentido ocupar instalações de ensino porque são espaços onde os alunos se formam. Estes precisam de ter, por um lado, consciência do que se está a passar, e isto é uma forma de as consciencializar, por outro lado, é um espaço de mobilização para sairmos com estas instituições das próprias faculdades e universidades e irmos fazer pressão às instituições de poder”, defende.
Para já o grupo que está a ocupar as instalações não tem planos para desmobilizar. E não se está a ponderar pedir à polícia a retirada dos manifestantes, como aconteceu em algumas universidades norte-americanas, onde a onda de protestos teve início. “Estamos a ter uma ocupação altamente pacífica. Estamos numa faculdade, não vemos o porquê de haver intervenção da autoridade policial ou de repressão estatal dentro de uma faculdade, dentro de um espaço de ensino e de liberdade, portanto, da nossa parte nunca perceberíamos o porquê de entrar cá a polícia”, remata.