Esta entrevista esteve quase para ser feita por telefone, mas depois de alguma insistência aconteceu olhos nos olhos com aquele que é um dos maiores arquitetos do mundo (não é exagero, há um prémio Pritzker no currículo para o comprovar). E é, de facto, necessário olhar Eduardo Souto de Moura para compreender o discurso, as ideias e o homem além dos desenhos.
Filho de pais minhotos, é o benjamim de uma família conservadora e tradicional. O irmão mais velho convenceu-o a seguir Belas Artes e com Álvaro Siza Vieira aprendeu a fazer projetos. Estava na tropa e era ainda estudante quando ganhou o seu primeiro concurso e, com ele, a oportunidade de assinar a Casa das Artes, no Porto.
Já com um escritório de portas abertas, alcançou em 2011, em plena crise portuguesa, o Prtizker, considerado o prémio Nobel da Arquitetura, e tudo mudou. Vieram as associações, ainda incompreendidas, a Siza, uma das suas maiores referências “mais como pessoa do que como arquiteto”. Souto de Moura tenta não copiá-lo, diz ter pudor em roubar as suas formas, embora desenhem os dois em cima do mesmo papel e, de alguma forma, se complementem.
Acredita que a arquitetura “é mais ciência do que arte”, gosta de trabalhar em grande escala e de chegar ao limite “do parafuso que segura a torneira do urinol”. Continua conscientemente inseguro, mas sabe bem o que quer e o que lhe dá prazer. O arroz de lavagante d’O Gaveto, ler quando o sol se põe, restaurar carros antigos ou ouvir jazz e música clássica são algumas coisas que o fazem profundamente feliz.
Honesto, frontal e sem papas na língua, Eduardo Souto de Moura diz o que lhe vai na alma, dos clichés ao que não é politicamente correto. Rejeita o copo que lhe dão e bebe a água pela garrafa, como quem vai direto aos assuntos, sem receios nem rodeios.
Aos 67 anos, já não tem medo das palavras, dos rótulos ou das comparações, não era capaz de viver noutra cidade que não o Porto e reconhece o defeito de gostar de muitas coisas ao mesmo tempo. Não é dado às novas tecnologias, prova disso é a agenda de papel que guarda no bolso do casaco. Por ordem do médico, que há muito lhe deu cinco meses de vida, deixou de fumar há sete anos e talvez por isso queira hoje abrandar o ritmo. Apesar de estar cansado, revela que ainda gostava de fazer uma igreja, “um grande templo”, independentemente da religião. A sua crença parece ser simples, típica de um homem comum que faz questão de continuar a ser um igual a tantos outros, mesmo não o sendo.
“Souto de Moura – Memória, Projetos, Obras” é a exposição que inaugura este 18 de outubro na Casa da Arquitetura, em Matosinhos, local onde desde maio está depositado todo o acervo do arquiteto. A mostra, patente até setembro de 2020, inclui 40 projetos, muitos deles nunca antes apresentados.
Gostava de conhecer o homem para lá do arquiteto.
Mas eu sou arquiteto, ninguém faz exposições sobre homens, fazem-se exposições sobre arquitetos.
Mas fale-me das suas origens.
Nasci no Porto, a minha família é de Braga, tanto materna como paterna. O meu pai era médico, foi para Barcelona especializar-se em oftalmologia, depois abriu um consultório no Porto, casou-se com a minha mãe e tiveram três filhos, sou o mais novo. A minha irmã é médica, mais velha do que eu quatro anos, e o meu irmão foi procurador e juiz.
Como era a sua família?
Era uma família tipicamente conservadora. Como o meu pai era médico, a minha irmã foi para medicina, o meu irmão pintava maravilhosamente e queria ser pintor, mas não era um grande aluno a matemática e, então, os meus pais disseram que ele devia ir para direito. Ele era muito inteligente, foi para direito um bocado forçado, mas safou-se. A minha mãe era doméstica, estava por casa, como todas as culturas minhotas era a mulher que mandava. Eu era um aluno médio, não tinha nenhuma preferência por ciência ou arte, cheguei ao quinto ano, estava hesitante e foi o meu irmão que me disse para ir para arquitetura, porque via que eu gostava de disciplinas como filosofia, desenho, matemática… Ele não foi para as Belas Artes, naquela altura não era fácil ir estando numa família conservadora, e por acaso foi um bom conselho, porque de repente fiquei muito bom aluno. A partir daí gostei imenso do curso de arquitetura, foi em plena revolução. Nessa altura fui trabalhar para o Serviço de Apoio Ambulatório Local — um projeto arquitetónico e político criado poucos meses depois do 25 de Abril de 1974 — e como não sabíamos fazer projeto convidámos o Siza.
Sempre teve jeito para desenhar?
Tive, mas a vedeta da família era o meu irmão que desenhava e ainda desenha muito bem.
Aprendeu com ele?
Não, aprendi com o Siza, porque faço um desenho para fazer arquitetura, não um desenho autónomo, mas via o que ele fazia e admirava, apesar de ser um bocadinho convencional para o meu gosto.
Quando é percebeu que ia mesmo trabalhar em arquitetura?
Os meus trabalhos eram todos teóricos, só lia, divagava e escrevia, achava que arquitetura era isto, até que um professor me disse que ia chumbar porque não sabia fazer nada. “Na Páscoa prepara-te para entregares alguma coisa”, disse-me. Tinha média de 18 e aquilo foi uma humilhação. Abri os olhos e resolvi ir trabalhar com alguém, porque só andava a divagar. Fui trabalhar com o Noé Dinis, um arquiteto do Porto, e depois passei para o Siza e continuei, praticamente, até hoje.
Lembra-se do seu primeiro trabalho?
Foi uma coisa que se chamava Abrigo Individual para o arquiteto Távora, uma casa mínima. O trabalho que me mais recordo na faculdade foi um centro cultural para as Fontainhas, em que estávamos três meses a estudar o que eram as Fontainhas e outros meses a estudar o que era a cultura. Achei graça àquilo.
Era inseguro? Quando ganhou confiança?
Ainda sou inseguro, só os patetas é que são seguros. Fazer arquitetura e estar seguro é mau sinal. Ganhei confiança quando ganhei o meu primeiro concurso, estava na tropa.
Fez a tropa?
Sim, durante dois anos.
E gostou?
Odiei aquilo.
Que funções é que tinha?
Era o mais velho do quartel inteiro, dava ordens, não me apetecia fazer nada. Os oficiais diziam: “O mais antigo vai exemplificar como se lança uma granada”. E eu dizia: “Ó Joaquim, lança uma granada”. Uns recusavam e com razão. Detestei aquilo. Fiz dois projetos na tropa, o Mercado de Braga e um concurso para a Casa das Artes. Vinha aos fins de semana ao Porto e a minha namorada, agora minha mulher, fazia-me as maquetes. Ganhei esse concurso e nem sequer era arquiteto, era estudante, um aspirante. Ganhar o concurso permitiu-me fazer o projeto, ganhar dinheiro e nessa altura pedi ao Siza para sair temporariamente e abri um escritório, uma sala com um colaborador. Aí percebi que era um arquiteto liberal, mas nunca me senti seguro, estou sempre na instabilidade financeira e intelectual, e ainda bem.
Considera uma coisa positiva?
Sim, porque se estivesse comodamente a dizer que sou o maior, passado uns tempos essas afirmações e convicções seriam o princípio da minha mediocridade e da presunção. A arquitetura precisa de uma constante crítica. Não é como um quadro que se pinta de vermelho, não se gosta e amanhã pinta-se de azul. Quando faço uma igreja numa praça ela fica lá e se ficar mal é intemporal. Isso é perigoso.
A arquitetura é uma arte social, porque não depende só de si?
Acho que não é arte, é uma disciplina como outra qualquer. Pode ser também uma ciência social, cuja base é a construção física. É um misto entre arte e ciência, mas acho que é mais ciência do que arte, porque a arte é uma coisa autónoma. Não se faz um quadro para responder a uma questão, o pintor é que decide. Na arquitetura, o arquiteto decide uma parte, mas o resto são as exigências do cliente, do engenheiro, do orçamento. É tudo muito limitativo. O princípio da arte é ser auto suficiente. Havia alguém que dizia que só há arte na arquitetura nos túmulos, porque aí o ser humano não intervém, está morto.
O que muda quando se ganha um Pritzker?
Muda muita coisa, mas não se ganha um prémio num dia e no dia seguinte começam a chover projetos. Comecei a ser convidado para fazer concursos que se não fosse o prémio nunca teria acesso.
A nível de trabalho, aumentou a responsabilidade? Foi um peso extra?
Não, isso ficou igual. Não é por ter ganho o Pritzker que agora levo mais caro, isso até seria ridículo. As pessoas é que passaram a usar o Pritkzer para acusar quando as coisas não ficavam bem. Numa cozinha, a banca entupia e diziam: “Parece impossível, um Pritzker fazer isto”.
Ser tantas vezes associado ao Álvaro Siza Vieira alguma vez o condicionou?
Não, pelo contrário.
Mas sabe que isso acontece.
Sim, respeito, mas nunca percebi isso. Sei que acontece porque nos convidam para muitos projetos, até estamos cansados de sermos convidados os dois e muitas vezes decidimos não aceitar, ou vai ele ou eu. Conhecemo-nos bem pessoalmente e como arquitetos, respeitámo-nos mutuamente e não temos nada a provar um ao outro. Não há complexos, sou capaz de criticar o trabalho dele, mas desenhamos os dois em cima do mesmo papel. Ele desenha muitíssimo bem, as coisas correm bem, gosto de trabalhar com ele.
Porquê?
Porque ensina-me imenso. Ele tem um poder de persistência e perseguição até encontrar os meios para resolver problemas inacreditável. Perceber que existem problemas, toda a gente percebe, basta não ser estúpido, mas depois encontrar o material para resolver o problema é mais difícil. O Siza tem essa capacidade e depois tem uma coisa rara que é uma perseverança infinita, uma tenacidade. Às vezes já está tudo pronto e ele vai ao detalhe, isso inspira-me. Já disse várias vezes que ele é um exemplo, mas acho que é mais um exemplo como pessoa do que como arquiteto. A atitude dele é tão sui generis que é quase impossível copiá-la, quando se copia cai-se no ridículo. Tento não copiar o Siza, assisto à maneira como ele produz as formas e tenho pudor em roubá-las, mas inspira-me e tento seguir a persistência que ele tem no dia a dia para resolver os problemas.
O facto de a sua imagem e o seu nome estarem tão coladas à dele cansa-o ou incomoda-o de alguma forma?
Claro que prefiro ser autónomo, o Souto de Moura é o Souto de Moura. Há uma certa insistência em comparar os dois e ainda não percebi bem porquê. Por ele ser mais velho e eu mais novo? Acho que temos arquiteturas muito diferentes.
Complementam-se?
Penso que sim. Há projetos que fazemos juntos e as pessoas olham e dizem que não é de um nem de outro e é exatamente isso que se pretende. É o caso do Serpentine Gallery, em Londres.
É uma coincidência estarem ambos a expor na mesma cidade e ao mesmo tempo?
Acho que sim. Houve só um desfasamento que estava programado para outubro e depois chegámos à conclusão que não devíamos inaugurar as exposições no mesmo dia ou na mesma semana, o que não tinha mal nenhum porque os que vinham para uma ficariam para a outra. Serralves sempre quis fazer uma exposição sobre o Siza e esta estava programada esta há vários anos. Foi uma espécie de coincidência.
Há vantagens nisso?
Sim, porque vão existir momentos comuns, como mesas redondas e debates. Por exemplo, vou fazer uma visita guiada à exposição do Siza, acho graça porque há projetos que conheço bem, alguns fui mesmo que desenhei.
Tiveram opções diferentes na entrega do espólio. O Siza escolheu tripartir e o Eduardo preferiu colocá-lo todo na Casa da Arquitetura. Porquê?
Primeiro porque ninguém me convidou para os outros e as pessoas só vão a jantares quando são convidadas, não é? Eu e o Siza somos muito amigos e na altura discordei com a opção dele e disse-lhe. Ele dividiu a coleção, achava que a estratégia de estar em várias partes significaria que se uma das instituições falhasse na divulgação da sua obra, ela não era um túmulo que morria. Depois, quem o convidou foi talvez o arquivo mais importante do mundo, no Canadá, onde estão os grandes nomes da arquitetura e depois, moralmente, também achou que devia colocar alguma coisa em Serralves e na Gulbenkian. Eu não vejo a vantagem nisto, mas ele vê e respeito. Somos diferentes. Eu prefiro ter tudo no mesmo sítio e correr riscos. Se acontecer algum problema acho que não vai para o lixo, se não acontecer, é mais acessível para fazer exposições, para dividir o espólio em pequenas mostrar, manipula-se, fotografa-se.
Que exposição é esta que inaugura sexta-feira?
No fundo coincide com 40 anos de trabalho.
As pessoas vão poder interagir com ela?
Não, vão poder ver e pensar. Ela é uma espécie de depósito, tem peças, fotografias nas paredes, maquetes e desenhos. A minha ideia é que se tente perceber como se chega à obra em si, o caminho rigoroso que é feito à mão, o processo criativo e o fio condutor. No fundo, que as pessoas percebam que isto dá muito trabalho, a razão pela qual leva tanto tempo, porque é justo pagarem-nos e quando sai mal é natural que saia mal.
Portugal tem dois dos melhores arquitetos do mundo, mas na rua nem sempre essa arquitetura de autor, tão elogiada e reconhecida, é visível. Porque acha que isto acontece?
Ninguém é perfeito na sua terra, mas tenho a certeza que Portugal tem um grupo de arquitetos que na Europa não é fácil encontrar e, no entanto, somos dez milhões de habitantes. Não é normal encontrar dez, vinte arquitetos com a qualidade que existe. Penso que isto acontece em função das escolas, é uma tradição que vai passando de geração em geração, e de um convívio, não apenas académico, que começa cedo com cruzamentos de práticas em ateliês, há um testemunho de um saber que vai sendo adquirido e transmitido. Isto é o segredo.
Os leigos têm a capacidade ou a sensibilidade de compreender e valorizar a arquitetura de autor?
Os leigos não percebem nada e não são obrigados a isso. É como um tipo que lhe dói um dente, mas não sabe porquê e por isso vai ao dentista. A obrigação do dentista é tratá-lo e perceber porquê, na arquitetura é igual. A única coisa que o leigo faz é gostar ou não gostar e isso demora muito tempo. Lembro-me de que quando era miúdo, as pessoas não gostavam das obras do Siza. Quando fui trabalhar com ele, a minha família disse: “Ui, esse gajo só faz caixotes”.
Sempre viveu aqui?
Como ando sempre de um lado para o outro já nem sei bem, mas as minhas raízes estão no Porto. Se vivesse ou crescesse noutro sítio voltaria sempre aqui. Os portugueses são como os elefantes, regressam à origem para envelhecer e morrer. Depois há as saudades do bacalhau e dessas coisas todas. Tenho escritório e amigos em Lisboa, gosto imenso da cidade, dou-me muito bem com arquitetos de Lisboa, talvez mais do que com os do Porto, mas adoro viver aqui.
Porquê?
Lisboa é uma cidade muita acelerada para mim. As distâncias são muito maiores, tenho que andar sempre a correr. Ir à câmara de Cascais é como ir a Braga, perde-se meia tarde. É um sufoco, depois vivo em hotéis e não gosto. Quero um livro, quero desenhar, quero ouvir música e não posso. É uma cidade exageradamente cara para o que os portugueses ganham, comparada com o Porto. Gosto muito de estar lá, tem uma luz lindíssima, são tudo banalidades não tem mal nenhum repetir, mas viver prefiro esta serenidade com este cinzento do nevoeiro que me dá mais calma.
Como vê a transformação e a reabilitação urbanística na cidade do Porto?
Por fora parece que está mais ou menos bem, mas não gosto da cabeça dos edifícios, tiram os telhados e fazem terraços cheios de volumes, parece uma velha gaiteira. Sabe aquelas velhas a fingir que são novas? Que pintam o cabelo de azul? Há casas antigas que se transformam assim por fora. Não estou de acordo com as coberturas, ou é ou não é. Ou se faz um prédio moderno ou se é para conservar um prédio antigo, é um prédio antigo, como um carro que é restaurado. É preciso respeitar a essencial. Se quiser dar um presente à minha avó compro um tailleur, não lhe compro uns jeans rasgados para andar com os joelhos de fora.
E no interior?
Por dentro têm-se feito crimes porque se ganha mais dinheiro com pequenos apartamentos para estudantes e turistas. Há casas que têm uma escada maravilhosa e uma claraboia lindíssima e é tudo demolido para ficar uma escada de emergência, um elevador e tudo dividido em pladur. Aparentemente, por fora, não se notam muito os crimes ou os defeitos, mas por dentro é visível. As minhas filhas vivem em casas desse tipo, convidam-me para jantar e janta-se quase em cima da cama.
A propósito do seu projeto para o Mercado Time Out em São Bento, acha que o Porto tem medo de torres?
Isso é ridículo, a minha torre tem 25 metros. Chamar a isso uma torre dá vontade de rir. É uma estrutura de ferro com um bar em cima a imitar um depósito de água, como há um ao fundo da Rua da Alegria. As pessoas são muito incultas e conservadoras, sempre que existe uma coisa nova a primeira reação é dizer mal. Existe uma visão de que politicamente a torre é incorreta. À esquerda dizem que é uma concentração de lucro num terreno pequeno, à direita dizem que a cidade tem que ter uma silhueta uniforme e deve fazer-se tudo a imitar a cidade medieval, mesmo que por dentro seja tudo diferente, com elevadores e ar condicionados. É uma cidade travesti, não tenho nada contra os travestis, mas eles são exceções, não são a regra.
Que obra ainda gostaria de fazer?
Gostava muito de fazer uma igreja, um templo qualquer, independentemente da religião.
Porquê?
As igrejas têm uma forma muito autónoma, não é como um hospital, é muito mais livre e versátil. As liturgias adaptam-se a um espaço com meia dúzia de móveis.
Gosta mais de fazer projetos grandes ou pequenos?
Alterno sempre. Nas casas perco dinheiro, mas faço imensas porque gosto, é a minha maneira de aprender e experimentar fazer arquitetura, explorando formas e materiais. Depois adoro fazer projetos muito grandes, como a barragem do Tua ou o Estádio do Braga. Também gosto de fazer o parafuso da torneira que segura o urinol, o detalhe. Gosto da grande escala e de levá-la até ao limite, ao design.
É possível enriquecer com a arquitetura?
Não vivo mal, tenho dinheiro. Não sou milionário ou rico, estou descansado, mas já vivi muito mal. Não se estuda arquitetura e se põe uma tabuleta a dizer “Souto de Moura — Arquiteto”. Ninguém vai lá, ninguém sabe que existe, é uma coisa que demora muito tempo.
Pensa em abrandar o ritmo de trabalho?
Sim, estou cansado, a saúde já não é a mesma. Agora praticamente não trabalho de manhã, fico em casa. Trabalhei muito, fumei muito, estou cansado. A arquitetura mudou muito. Os problemas que existem hoje não são os que existiam quando aprendi a fazer arquitetura. O tempo, por exemplo. Antigamente, para se fazer uma casa ou um prédio, pedia-se um ano, agora em três meses pedem tudo. Dizem que o tempo é dinheiro e aldraba-se tudo. Não estou nada de acordo com isso, é outra maneira de pensar. Hoje é tudo legislado. Se houver um defeito ou um problema há uma responsabilidade infinita. Conheço arquitetos que se suicidaram porque tinham que pagar indemnizações a famílias. Eu já não corro riscos, prefiro que fique feio a ir para a cadeia. Quero continuar a fazer o que gosto e neste momento nem sempre faço o que gosto. Tenho o defeito de gostar de muitas coisas ao mesmo tempo.
O que faz quando não está a trabalhar?
Gosto de comer e de estar com os amigos. Aqui em Matosinhos adoro O Gaveto, acho que hoje vou lá jantar o arroz de lavagante. Também oiço muita música, mas sempre igual. Música clássica, jazz, Miles Davis e o Ahmad Jamal, e depois alguns conjuntos de rapazes do meu tempo, como os The Doors.
Continua a ler muito?
Compulsivamente, por isso é que não trabalho de manhã, fico noites a ler. Distrai-me, mas às vezes alterno com revistas de automóveis para não pensar em nada.
Gosta de automóveis?
Adoro carros antigos. Não tenho é tempo para andar neles, por isso restauro-os e vendo-os, mas nem sempre ganho dinheiro porque não tenho muito jeito para aquilo. Gosto é de olhar para eles, são autênticas beldades.
Obras de arte?
Exatamente, obras de arte.