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Às três da tarde tinham uma certeza: queriam controlar o voto. Estavam ali sentados desde as “7h31 minutos”. A precisão do tempo não é um detalhe. Queriam ter a certeza de que nada lhes escapava. Aliás, nem percebiam porque é que a jornalista portuguesa tinha dúvidas na eficácia da intenção. “Vamos fiscalizar sim”, dizia um grupo de cerca de 20 homens e jovens sentados nuns bancos de plástico, verdes e azuis, ao lado de uma rua de lixo, mesmo atrás de um esgoto a céu aberto, indiferentes ao cheiro nauseabundo.
Seguiam a recomendação do “presidente ACJ, “votou, sentou, não lá dentro, mas cá fora”, diz firmemente Zeferino Zanganj, de 32 anos. Referia-se a Adalberto Costa Júnior, líder da UNITA, que tal como os outros integrantes da Frente Patriótica Unida — o Bloco Democrático, o Pra-Já Servir Angola e vários ativistas — apelaram a que as pessoas ficassem junto da assembleia de voto depois de introduzirem o boletim na caixa de plástico transparente com tampo azul forte, nas quintas eleições gerais de Angola que se realizaram esta quinta-feira.
Já tinham votado na assembleia de voto nº 987, no bairro 11 de novembro (dia da independência de Angola), no município do Cacuaco, um dos grandes subúrbios de Luanda e, fora do recinto da escola (o local da votação) esperavam, tranquilamente. Mas sem parar de falar, por vezes todos ao mesmo tempo, sobre porque é que queriam mudança, como não confiavam na Comissão Nacional Eleitoral, nem no governo, nem no MPLA.
Quinze horas depois a voz era outra. “Fizemos festa, cantámos, gritámos”, conta ao Observador Ernesto Sapalo, já ao telefone. “A UNITA tinha vencido, e com larga margem nas duas assembleias de voto”, garante calmamente. Porém, antes de celebrarem, tiveram de protestar. “Quando o povo percebeu que estavam a demorar a afixar a ata dos resultados da contagem, como a lei manda, não nos calámos. Foi chegando gente, a rua ficou cheia, toda a gente a gritar, foi um momento turbulento, um tumulto, mesmo”, descreve.
Depois, quando “perceberam que o povo não ia aceitar aquilo, e que só gritava ‘queremos ata, queremos ata, queremos ata’, afixaram as atas, vimos os resultados e mostrámos a nossa alegria”.
Primeiros resultados provisórios dão a vitória ao MPLA
Ernesto Sapalo ainda não dormia quando, inesperadamente, depois de a UNITA convocar, também de repente, uma conferência de imprensa para as 23h30, o MPLA fez saber que iria divulgar alguns resultados.
Faltavam poucos minutos para a uma da manhã quando a TPA, Televisão Estatal de Angola, anunciou que, com 33% dos votos apurados, a Comissão Nacional Eleitoral colocava o MPLA a liderar com 60,65%, contra 33,85% da UNITA. Os votos pelos restantes partidos distribuíam-se assim: PRS: 1,45%; FNLA: 1,28%; PHA: 1,05%; CASA-CE: 0,70%; APN: 0,51%.
Abel Chivukuvuku, candidato a vice-presidente de Angola pela UNITA reagiu de imediato dizendo que os dados da Comissão Nacional Eleitoral não são “fiáveis”.
O líder do Pra-JA Servir Angola, que faz parte da FPU, acrescentou: “O tempo vai permitir-nos ter dados mais fiáveis”, guardando os festejos para o dia seguinte. “Amanhã de manhã, teremos indicadores mais claros e concretos e quem quiser vai festejar. Espero que sejamos nós.”
Em Sequele, no Cazenga, não ouviram o histórico e dissidente da UNITA. Ganha a batalha da afixação da ata nas assembleias de voto número 1755 e 1756, a hora foi de festa, confirmou ao Observador Kambolo Tiaka-Tiaka.
Já na Maianga, no centro de Luanda, ouviu-se uma buzina de celebração depois do anúncio da CNE e um guarda de uma vivenda ergueu duas vezes quatro dedos na noite escura da madrugada (8 é o número do MPLA). Não muito longe dali, um funcionário hoteleiro, que de tarde mostrava desolado o papelinho com a indicação da sua mesa de voto amarrotado — a sua mesa de voto num dos municípios tinha aberto tarde, a fila ficou longa e para não chegar a trabalho acabou por não votar — sorria.
Polícia na distância certa, assembleias “sem enchentes” de pessoas
Às duas da manhã, Ernesto Sapalo, do grupo “votou, sentou” do bairro 11 de novembro, já tinha desligado a luz. Sentia que tinha feito o seu papel, e sem incidentes. A polícia estivera sempre por ali, já não apenas os três agentes que observavam do lado de lá da avenida Hoji Ya Henda o grupo e a assembleia de voto ao início da tarde, mas uma “corporação maior”, garante Ernesto Sapalo. Não houve quaisquer problemas com as forças de segurança, congratula-se: “Só estávamos a festejar, não vandalizámos nada”.
A postura das forças de segurança em todas as assembleias de voto — 12, em Maianga, baixa da cidade, Miramar, Ilha de Luanda, Belas, Viana, Cacuaco e Cazenga — que o Observador visitou desde as 7h00 (hora prevista para a abertura das urnas) foi sempre elogiada pelos eleitores ou delegados dos partidos. Estavam a uma distância considerável, sem que a sua presença estivesse a ter qualquer leitura intimidatória.
Também não era ostensiva a sua presença nas ruas de Luanda, uma cidade a meio gás, sem zungueiras nas ruas, que também mal se viam nos musseques, e com a maioria dos estabelecimentos comerciais fechados. Nada que fizesse lembrar o frenesim imparável dos outros dias, em trânsito e movimentação de pessoas — em algumas zonas, a capital parecia quase deserta.
A ausência ou o menor número de pessoas, também se fez sentir nas assembleias de voto visitadas pelo Observador: não havia filas (à excepção da assembleia ao lado do quartel das forças armadas onde às 1oh00 tinha um bom número de militares fardados à espera). “Mas o que é que se passa? Onde estão as enchentes das outras eleições?”, interrogou-se durante todo o dia José Teixeira, o motorista que guiou o Observador que ficou ainda mais espantado quando na escola em frente ao governo provincial de Luanda até havia salas de voto vazias, aliás como na Universidade Lusíada, local onde o Presidente João Lourenço e candidato pelo MPLA à reeleição, votou, às 8h00.
Será que “as pessoas não estão a votar?”, interrogava-se José Teixeira enquanto ligava a familiares para irem votar. A explicação pode estar na abstenção, mas também num outro aspeto, disse ao Observador um delegado de um partido.
Primeiro os que não votaram. Apesar de ter divulgado resultados relativos aos partidos, a CNE não apresentou qualquer número sobre a abstenção, o dado inicial que geralmente surge nas eleições, ainda quando estão a decorrer. Na Maianga, por exemplo, na assembleia de voto nº70, a abstenção foi acima dos 50%, adiantou ao Observador, no momento do fecho da votação, às 17h00, o delegado da UNITA.
“Mais rápido do que em Portugal” e o “êxito retumbante”
De manhã, no Colégio da Nossa Senhora da Anunciação, em Viana, o município mais populoso do país, o delegado do PRS colocava outra hipótese: “Há mais assembleias de voto, o processo está melhor organizado, por isso não se verificam filas”.
Em Belas/Talatona, um empresário luso-angolano mostrava o seu dedo pintado com a tinta indelével e sorria: “Mais rápido do que em Portugal. Foi chegar, votar e sair.”
Mas Luanda não é o país. Ao longo do dia foram chegando ao conhecimento dos jornalistas várias dificuldades ou irregularidades, desde um delegado que foi detido e impedido de exercer as suas funções, outros que não puderam votar na assembleia de voto onde estavam a trabalhar, etc.
No entanto, o porta-voz da CNE disse não ter “conhecimento oficial”, de qualquer irregularidade, num processo a que atribuiu “um êxito retumbante”.
O bilhete de identidade caducado e o coração nas mãos
Logo de manhã, em Viana, na assembleia de voto 1425, a delegada do MPLA, que exerce estas funções desde 2012 dizia que “este ano está a ser mais complicado votar, pois as pessoas estão a ir para trás porque têm o bilhete de identidade caducado, antigamente aceitavam-se fotocópias e agora não”.
A situação foi resolvida pela CNE, depois de reunir extraordinariamente e alterar as regras já depois das 13h30. “O plenário da CNE, avaliada todas as nuances e pesando todas as circunstâncias, bem como em resultado de um exercício interpretativo da norma do artigo 100 da Lei Orgânica sobre as Eleições Gerais, deliberou para a permissão de que os cidadãos eleitores que sejam portadores de BI caducados bem como aqueles que sejam portadores de cópia de BI acompanhada do recibo de renovação do BI possam igualmente exercer o seu direito de voto”, afirmou Lucas Quilundo no briefing com jornalistas.
Neuza, de 20 anos, foi uma das pessoas que não conseguiu votar e não foi por causa de nenhuma irregularidade. Saiu triste do Colégio da Nossa Senhora da Anunciação, em Viana, porque “queria a mudança”, que assim não contou com o seu voto. Estava recenseada em Moxico e não atualizou o cartão com a nova morada, e contou que outros amigos também não trataram dos papéis a tempo. Este descuidar de muitos jovens poderá ter algum impacto na votação na UNITA, já que grande parte da base de apoio do partido do “Galo Negro” está nos jovens.
Melhor sorte teve Mário Kalipa, de 22 anos, neste mesmo colégio cor de rosa. Antes de entrar, dizia ao Observador “ter o coração nas mãos”, não por ter dúvidas em quem votar, “é mesmo na mudança”, mas por ser a primeira vez. “É uma coisa assim inexplicável”, confessava com a mãos no coração.