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O aumento da tarifa regulada da eletricidade para quase um milhão de consumidores domésticos em julho terá apanhado de surpresa muitos. Mas quem tem acompanhado a evolução dos mercado grossista ibérico sabe que o ano tem sido marcado por uma escalada consistente nas cotações diárias e a prazo da eletricidade. Grande parte da culpa é da subida do preço das licenças de CO2, que torna mais cara a produção das centrais a gás. E é esta tecnologia que fixa o preço final pago por toda a eletricidade vendida no mercado.
O fenómeno tem estado sobretudo a afetar empresas, cujos contratos não têm preços fixos por um período longo de tempo e que, por isso, estão mais sujeitos à flutuação dos custos da compra de energia pelos fornecedores. No caso das famílias, e como explicaram ao Observador várias elétricas, a política comercial é mais estável. Os contratos de aprovisionamento são feitos a um prazo mais longo e as compras são antecipadas. Os preços finais contratuais, em regra, mudam anualmente (no início do ano, como faz a EDP Comercial) ou quando vence o primeiro ano de contrato e há lugar a renovação.
O aumento de 5 euros por MW/hora na tarifa de energia a partir de 1 de julho terá um impacto de 3% na fatura média mensal de uma potência contratada de 3,45 kVA. São mais 1,05 euros para um casal sem filhos e mais 2,86 euros numa casa com quatro pessoas, de acordo com as simulações apresentadas.
Regulador anuncia aumento extraordinário de 3% na fatura regulada da eletricidade em julho
A ERSE sublinha que esta atualização abrange apenas os 954 mil clientes do mercado regulado — incluindo 82 mil consumidores da tarifa social — e que “não condiciona o mercado livre a repercutir a mesma atualização dos preços, já que cada comercializador segue a sua própria estratégia de aprovisionamento de eletricidade e procura oferecer as melhores condições em ambiente concorrencial”. Fora do mercado regulado estão quase 5,3 milhões de famílias, incluindo mais de 700 mil com tarifa social que não serão afetados pela atualização da tarifa. Para já.
A subida da tarifa regulada em julho é um sinal de que a fatura da luz vai ficar mais cara para a generalidade dos consumidores, isto depois de 2021 ter arrancado com uma descida de 0,6% e IVA reduzido para uma parte do consumo. No mercado liberalizado as novas ofertas já estão a aumentar desde fevereiro, apesar de a ERSE assegurar que a maioria ainda está abaixo da tarifa.
As elétricas que, por política comercial, ainda não o fizeram terão de acabar por refletir nos seus clientes o maior custo da compra da energia. E o aumento agora anunciado acaba por dar maior margem às empresas para elevar o preço das suas ofertas e continuar a ser competitivos com a tarifa regulada.
EDP e Galp não subiram preços. Iberdrola diz que, a manter-se cenário, haverá revisão
Antes do anúncio da ERSE, o Observador questionou as principais elétricas a operar no mercado doméstico sobre se já passaram para os seus clientes o agravamento dos preços verificado este ano no mercado grossista.
A EDP Comercial é categórica a dizer que não. Em nome de uma política de estabilidade e previsibilidade para com os seus clientes domésticos, que passa por manter os preços da eletricidade inalterados ao longo do ano. “Assim, e apesar de os preços grossistas estarem a subir de forma significativa, devido ao aumento do preço do gás e das licenças de CO2, não está prevista qualquer alteração nos preços pagos pelos nossos clientes, que apenas são atualizados no início de cada ano civil.” A empresa sublinha que esta evolução não está também a ter impacto para os novos clientes residenciais que queiram aderir à EDP Comercial, já que os tarifários não se alteraram desde o início do ano. Está, inclusive, em vigor uma oferta para novos clientes com desconto até 8% em eletricidade verde.
No mesmo sentido, a Galp responde que não está a refletir qualquer aumento do custo de energia nos clientes domésticos. “A tabela de preços mantém-se, apesar do acréscimo do preço da eletricidade no mercado grossista.” Sobre o futuro próximo, a empresa acrescenta que os preços da eletricidade são atualizados anualmente, em linha com a revisão anual das tarifas e com a evolução dos custos da energia elétrica. Como é habitual, essa atualização será avaliada e anunciada atempadamente. A Galp reconhece, contudo, que se verifica uma “enorme volatilidade nos mercados”, pelo que é “prematuro comentar qual será a evolução do preço para 2022”.
Numa resposta enviada após ser conhecido o aumento das tarifas reguladas, a Iberdrola diz que “segue uma estratégia de aprovisionamento que protege o nosso cliente durante o período contratual”. No início de cada novo período propõem-se novos preços de mercado que contemplam não só o presente como a evolução futura. Mas admite também que, “a manter-se este cenário de preços grossistas elevados, haverá uma revisão de valores”. A empresa refere que quer empresas quer residenciais “são diretamente afetados pela evolução dos preços grossistas no mercado” porque a matéria prima é a mesma
A Endesa sublinha que a sua política de preços “não é definida apenas com base nos preços de compra de energia, mas também com base no preço da tarifa transitória do mercado regulado e da concorrência”. Por outro lado, existe uma outra referência, que é o preço pelo qual vende o nosso concorrente.
Numa resposta dada antes do anúncio da ERSE, a elétrica espanhola acrescenta que “é importante que os clientes que mudam para o mercado livre tenham uma poupança real em relação aos preços da tarifa transitória do mercado regulado; pelo que os preços do mercado BTN (Baixa Tensão Normal) da Endesa, sempre ficarão abaixo da tarifa transitória, que o regulador deverá modificar levando em consideração os preços de aquisição de energia”.
Luzboa insiste em oferecer “preço real” e compara com combustíveis
A contrastar com a aposta na estabilidade, a Luzboa tenciona manter a oferta de preços variáveis — em função da variação do mercado. Questionada pelo Observador sobre o impacto da escalada nos mercados na sua oferta, a elétrica de Viseu diz que continua “a crescer no número de clientes que preferem estar a pagar o preço real da energia, talvez por perceberem que esta alta de preços é conjetural e não estrutural. Mesmo que fosse estrutural…continuava a ser a melhor opção”.
Segundo Pedro Morais Leitão, diretor-geral da Luzboa, “quem já está neste tarifário desde 2019 (e são muitos) tem uma poupança acumulada muito superior ao ‘sobrecusto’ que está a ter este ano. Não esquecer que houve poupanças de mais de 30% em alguns meses e superiores a 15% ou 20% em grande parte deles”.
“Se está a ser mais caro neste momento? Está. Mas essas são a regras do ‘jogo’. E são claras”. Morais Leitão acrescenta que continua a oferecer a tarifa LUZBOA SPOT indexada ao OMIE (mercado diário de eletricidade) “porque achamos que é a melhor opção e a mais justa”. A favor desta estratégia, o responsável faz a comparação com os combustíveis.
“Optaria por encher o depósito de gasolina para as necessidades do resto do ano” sabendo que o preço está em pico? Ou será que ia enchendo o depósito de acordo com as mexidas de preços? Porque não se faz isso com a eletricidade com normalidade?”
Elétricas aumentam preço das novas ofertas desde fevereiro, mas grandes resistem
Mas se os preços ainda não subiram, é mais do que provável isso venha a acontecer. Isso mesmo assinala Pedro Morais Leitão, da Luzboa. “Os preços fixos de todas (ou quase todas – porque há as que já têm os preços bem altos) as comercializadoras vão subir nos próximos tempos (hoje mesmo subiu o preço regulado embora muito aquém do que é a realidade)”. E a maioria das elétricas já reviu em alta as condições de preço para novos contratos de fornecimento de eletricidade, como sublinha a entidade reguladora.
No documento que fundamenta a decisão de atualizar a tarifa regulada, o regulador diz que a análise feita à evolução das ofertas comerciais a partir de fevereiro “evidencia um aumento no preço médio de energia no mercado liberalizado nas dimensões de valor mínimo, médio e máximo. Entre janeiro e junho de 2021 regista-se um aumento de 6,7 euros/MWh na média dos comercializadores do mercado liberalizado, resultando num diferencial de 6,9 euros/MWh face ao mercado regulado de junho de 2021”. Estes aumentos sucedem-se às descidas na tarifa de energia aplicadas em janeiro (ainda que não se tenham sentido no preço final por causa do agravamento das tarifas de acesso ao sistema).
Focando a comparação nos cinco comercializadores com maior quota de mercado, a ERSE chega a outra conclusão. Ao contrário do que se indica para todo o mercado liberalizado, “os cinco maiores comercializadores deixaram os seus preços tendencialmente inalterados, tendo-se inclusivamente registado uma ligeira descida, em março de 2021, no preço médio destes comercializadores, num valor de 1,3 euros por MW/h”.
Na análise feita pela ERSE e para uma potência contratada de 3,45 kVA, a tarifa regulada era a sétima mais barata no ranking das ofertas mais competitivas cuja tipologia é comparável. Depois do aumento de julho, e partindo do pressuposto que as elétricas não mexem nos preços das novas ofertas, a tarifa regulada cai para o 12º lugar num total de 20 comercializadores.
O mesmo documento assinala que se os preços do comercializador de último recurso não refletirem um nível mais elevado verificado nos mercados grossistas, os comercializadores de menor dimensão terão menos possibilidade de competir com a tarifa regulada abaixo do valor de mercado — como vimos, as elétricas com mais clientes conseguiram segurar mais os preços. Este cenário poderá resultar numa maior concentração no mercado retalhista, que a prazo será prejudicial para os clientes. Além de que pode gerar um aumento dos desvios nos custos de aquisição da energia que terá de ser refletido mais tarde na tarifa de uso global do sistema que todos pagam.
Por que razão o regulador teve de atualizar os preços a meio do ano?
Há duas semanas, em resposta ao Observador, a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos tinha minimizado o impacto da evolução nos mercados grossistas nas tarifas finais que são propostas em outubro para entrar em vigor a 1 de janeiro. “Cabe referir que uma parte das aquisições efetuadas pelo comercializador de último recurso (que aplica a tarifa transitória definida pela ERSE) ocorre em referencial e contratação a prazo e, com isso, torna menores os valores de ajustamento necessários (menos volatilidade nas condições de aprovisionamento)”.
Mas também referia que o regulamento das tarifas prevê a possibilidade de rever valores, designadamente por evolução do preço nos mercados grossistas de eletricidade”. Aconteceu em abril do ano passado, quando as tarifas baixaram por causa da pandemia, e vai acontecer outra vez em julho, mas em sentido contrário.
Em respostas ao Observador já depois do anúncio da subida extraordinária das tarifas, a ERSE explica que este mecanismo prevê uma avaliação trimestral da adequação do valor da tarifa de Energia através do desvio na previsão do custo médio de aquisição de energia do Comercializador de Último Recurso (CUR) que fornece o mercado regulado. Essa atualização “ocorre sempre que o referido desvio em valor absoluto seja igual ou superior a 10 euros/MWh, caso em que a tarifa de energia será revista num valor de 5 euros/MWh.
O custo de aquisição do CUR também é determinado pela contratação a prazo. Os leilões para contratação a prazo de energia elétrica pelo CUR foram estabelecidos pela ERSE, com o objetivo da cobertura dos riscos de variabilidade do preço e da estabilidade das condições de custo do CUR.
E se em março de 2021 não se verificavam as condições para a alteração da tarifa isso mudou nos meses seguintes. “As subidas de preços observadas no MIBEL em abril, maio e nos dias já decorridos em junho, quer no mercado spot, quer no mercado a prazo, foram de tal modo elevadas que, mesmo com a referida cobertura de risco, o limiar de 10 euros/MWh foi ultrapassado”. Segundo a ERSE, as estimativas recentes apontam para um custo médio de 61,85 euros por MW/h, o que corresponde a um desvio de 12,33 euros por MWh, mais 25% que o inicialmente previsto.
A atualização trimestral deve ser divulgada com antecedência de 15 dias, daí o anúncio feito na segunda-feira da nova tarifa de energia para entrar em vigor no início do trimestre.