Exames, análises, consultas e atrasos tornaram-se nos últimos anos parte da rotina na vida de Elsa Godinho. Aos cinco anos, o filho começou a ter crises de dores na região das virilhas e, desde então, as idas ao hospital para se chegar a um diagnóstico tornaram-se uma constante. Com oito anos, é no D. Estefânia que a criança está a ser seguida e onde espera há oito meses pelo relatório de uma ressonância magnética à bacia que deveria servir para ajudar a identificar de forma clara a origem do problema.
O exame foi realizado em abril do ano passado a pedido da médica de reumatologia que segue a criança, já depois de um processo marcado por análises, raio-X, ecografias e no qual já estiveram em cima da mesa diagnósticos relacionados com inflamações e uma doença reumática. Chegado janeiro de 2024, esta mãe continua à espera do relatório da ressonância magnética, tendo-se multiplicado nos últimos meses em contactos com o hospital por telefone e por email a questionar sobre os motivos do atraso e sobre quando o relatório estaria disponível. Até à manhã desta sexta-feira, a resposta foi sempre a mesma: “Falta a assinatura do médico.”
O Observador questionou a Unidade Local de Saúde (ULS) São José, antigo Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, sobre o caso. Numa resposta por escrito, o organismo garante que “não é habitual, nem aceitável, que decorram oito meses até à disponibilização de um relatório de exame radiológico” e que se trata de uma situação pontual devido a “ausências não previstas, nos últimos meses, do profissional médico que realizava este tipo específico de exame”. A título de exemplo, refere que no ano passado o tempo médio de resposta no caso de uma ressonância magnética, desde a aquisição das imagens até à disponibilização do relatório, foi de 8,4 dias no polo do Hospital de D. Estefânia e de 10,9 dias na atividade global da Imagiologia de toda a ULS São José. Elsa está à espera há muito mais que isso.
“O relatório está lá, mas falta uma assinatura”
Mesmo sendo conhecidos atrasos no Sistema Nacional de Saúde português, Elsa Godinho nunca imaginou que pudesse ter de esperar oito meses para que o relatório da ressonância magnética do filho chegasse. Passadas várias semanas da realização do exame, e já a estranhar o facto de não ter sido marcada uma consulta de seguimento, decidiu contactar a médica que acompanha o filho no hospital D. Estefânia. Para sua surpresa, a resposta foi de que a consulta ainda não tinha sido marcada porque o relatório da ressonância magnética ainda não estava disponível e que, já tendo a profissional contactado o serviço de radiologia várias vezes, ainda não tinha obtido resposta.
Depois disso, Elsa começou a ligar para o serviço de radiologia mensalmente. Por email, nunca obteve resposta. Por telefone, a informação era sempre a mesma: o relatório estava pronto, mas não assinado.”A resposta que obtive até hoje foi que falta uma assinatura do médico. Ou seja, o exame está lá, o relatório está lá, mas falta uma assinatura“, revela ao Observador, admitindo que já está a chegar “ao limite”.
Esta quinta-feira, voltou a contactar o serviço de radiologia, depois de lhe sugerirem que tentasse pedir o exame em CD e que, depois disso, se dirigisse a um hospital privado, mas não teve mais sorte do que nas tentativas anteriores. “Disseram-me que normalmente só registam em CD se houver um relatório e se houver autorização”, explica, acrescentando que, depois de avisar que ia avançar com o caso para a comunicação social, lhe asseguraram que iam ver até sexta-feira se existia a possibilidade de disponibilizarem o exame nesse formato. “De qualquer das formas, não posso continuar a ser seguida no Serviço Nacional de Saúde com o meu filho porque eu não tenho um exame assinado e, por isso, não é um exame válido. Portanto, nenhum médico do Serviço Nacional de Saúde sem um exame pode avançar com nada”, lamenta.
Nos últimos meses, esta mãe chegou chegou a equacionar a hipótese de o filho passar a ser seguido num hospital privado, mas acabou por descartar a opção porque exigiria que a criança repetisse a ressonância magnética. “O exame demorou uma hora e no final o meu filho desmaiou. Isto é um processo muito doloroso para a criança, tem dores, não fica a sentir-se bem e não queria estar a submetê-la a outro exame quando aquele está feito”, explica.
A somar a tudo isto, já foi possível perceber, entretanto, que o problema não implicará, afinal, a continuação do seguimento em reumatologia. “O que nós percebemos com esse exame — porque a médica de reumatologia até já falou com o médico que fez o exame ao meu filho — é que o problema já nem sequer é na reumatologia, é um problema ortopédico. Ou seja, estou quase há um ano à espera do resultado, já sabemos que há um diagnóstico que não está correto e eu não posso ir para outro médico dentro do Serviço Nacional de Saúde com um miúdo de oito anos que está constantemente com dores porque falta uma assinatura. Isto choca-me pelo facto de ninguém me conseguir dar mais do que esta resposta”, sublinha.
ULS São José identifica quatro casos semelhantes e garante que serão resolvidos na próxima semana
Perante a situação, Elsa Godinho já pensou dar um passo no sentido de apresentar queixa no hospital e junto do próprio Ministério da Saúde. Admite, na verdade, não ser a única nesta situação, visto que do próprio hospital lhe terão indicado que haverá outros exames na mesma situação. “Para mim, que não tenho visibilidade do que se passa lá dentro, há um médico que não assina um relatório desde abril. Se calhar existem outros aspetos relevantes dos quais eu não tenho conhecimento, o que eu sei é que o exame do meu filho não sai por causa de uma assinatura”, reforça.
Ao Observador, a ULS São José garante que o caso relatado por Elsa Godinho se trata de um atraso “pontual” na disponibilização de relatórios de ressonância magnética. Em causa, dizem estar “ausências não previstas” ao longo dos últimos meses do médico que realizava estes exames. Reconhecem que esta situação provocou uma “perturbação na normal atividade do serviço”, acrescentando que o referido profissional acabou por sair da ULS São José e que está de momento a decorrer um processo para o substituir.
A mesma fonte revelou que no Hospital D. Estefânia se identificaram quatro casos nestas circunstâncias, num universo de cerca de 3.500 ressonâncias magnéticas que se realizaram em 2023. Garante que todas serão resolvidas em breve: “A ULS São José lamenta o sucedido e garante que durante a próxima semana as situações em causa estarão resolvidas.” Refere ainda que, no ano passado, a ULS São José recebeu duas reclamações motivadas pela falta de relatório do exame realizado.
Na sequência do contacto do Observador com a ULS São José, Elsa Godinho diz ter recebido um telefonema do Hospital D. Estefânia, a primeira vez em que a iniciativa terá partido diretamente desta unidade de saúde nos últimos oito meses. Desta vez, e pela primeira vez, refere esta mãe, acrescentaram que a falta de assinatura se devia à ausência do médico responsável pela realização das ressonâncias magnéticas. Ficou a garantia de que na próxima semana o assunto será resolvido e que poderá, finalmente, fechar este capítulo.