“Em casa.” Foi assim que o Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, se sentiu na sua visita oficial às instituições europeias em Bruxelas. Mais do que uma vez, o Chefe de Estado sublinhou que o desejo antigo de Kiev entrar na União Europeia (UE) está perto de se realizar — e até apontou 2023 como uma das datas possíveis para que isso se concretize. Da parte dos líderes comunitários, também recebeu várias garantias. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, chegou mesmo a incluir a Ucrânia na “família” europeia: “A família ajuda-se mutuamente. Podem contar connosco”.
Perante o Parlamento e o Conselho Europeu extraordinário, Volodymyr Zelensky reiterou a ideia de que a defesa da Ucrânia equivale à defesa de todo o continente, daí a importância e a pertinência do apoio da UE. “Já ninguém consegue imaginar uma Europa livre sem uma Ucrânia livre”, afirmou o Chefe de Estado na reunião com os 27 líderes europeus, descrevendo que Kiev será — no momento em que a Rússia for derrotada — um “pilar da segurança comum”.
O Presidente da Ucrânia lembrou as figuras de dois fundadores da União Europeia, Jean Monnet e Robert Schuman, frisando que, durante a sua passagem em Bruxelas, conseguiu “sentir o peso das duas personalidades. Foi a sua liderança que criou a nossa liberdade de hoje e permitiu a Europa tornar-se tão unida”. Agora, é necessário um esforço idêntico por parte dos líderes da UE que, se conseguirem assegurar a “segurança” do continente europeu, “ficarão na História”.
Charles Michel pegou na deixa do Presidente da Ucrânia e desenvolveu-a. “Os pais fundadores [da UE], depois da II Guerra Mundial, sonharam com o projeto europeu para milhares de europeus traumatizados”, salientou. Agora, tal como aconteceu nos anos que se seguiram à guerra, é “necessário que a paz e a prosperidade iluminem o projeto e o solo europeu”.
Por esse motivo, as instituições comunitárias estarão “o tempo que for necessário” com Kiev. “A União Europeia é Ucrânia e a Ucrânia é União Europeia. Estamos mobilizados para concretizar esta promessa”, assegurou Charles Michel.
UE “surpreendida” com avanços da Ucrânia, mas lembra “mérito”
Durante a visita a Bruxelas, Charles Michel vincou que a entrada da Ucrânia na União Europeia foi uma escolha “livre” e “soberana” da população do país, que está empenhada em concretizar esse objetivo — o “estatuto de candidato” que já foi atribuído a Kiev assim o demonstra. “Apesar da situação da guerra, os dirigentes ucranianos levaram a cabo reformas que impressionaram”, afirmou o líder comunitário, acrescentando que a título pessoal vai certificar-se de que o “conselho não vai fugir desta responsabilidade”.
A mesma posição foi expressa por Ursula von der Leyen. A Ucrânia “segue no caminho da adesão” e “tem mérito no processo”. “Conseguem responder de forma rápida e de elevada qualidade [às exigências de Bruxelas], mesmo quando estão em luta contra uma agressão”, elogiou a responsável comunitária. “Os ucranianos têm esperança que os seus filhos cresçam na UE.”
Dirigindo-se a Volodymyr Zelensky, a dirigente alemã acredita que esse “futuro brilhante” se tornará realidade, apesar de ser um “caminho difícil” — não só pelas dificuldades da adesão, como também pelos problemas gerados pela guerra. “O que posso garantir é que, em todos os momentos, vamos fazer que o modo de vida europeu chegue à Ucrânia.”
Questionados pelos jornalistas, os dois líderes comunitários anteveem a publicação de um “relatório escrito” no outono sobre o estado da adesão da Ucrânia à União Europeia. Na primavera, haverá também uma primeira indicação oral às autoridades ucranianas, de modo a dar-lhes um ponto de situação sobre que áreas é que têm de trabalhar e apostar para conseguirem efetivar a entrada no bloco comunitário.
Por sua parte, Volodymyr Zelensky garantiu que fará de tudo para que o país entre na União Europeia — preferencialmente já este ano. Só assim, segundo defende o Presidente ucraniano, é que a arquitetura de segurança e defesa do continente estará finalizada: “Qualquer agressor vai pensar por que é que não vale a pena iniciar uma ofensiva contra a Europa”.
Mais do que a simples necessidade de segurança, o Chefe de Estado da Ucrânia diz que o país se identifica com o “modo de vida” europeu. “Para os ucranianos é caminho de regresso a casa. Estou aqui para defender o caminho para casa da nossa população, de todos os ucranianos, de todas as idades, de todas as orientações políticas, de todos os estratos sociais, de todas as convicções religiosas, todos partilhamos esta história europeia comum”, reforçou perante o parlamento.
Sobre os encontros desta quinta-feira, o Chefe de Estado da Ucrânia considera que é “justo” que a Ucrânia “participe com regularidades nestas reuniões”. “A língua ucraniana está cada vez mais presentes nas instituições europeias, isso está garantido. Vamos fazer isso da prática habitual europeia, quando a Ucrânia passar a ser membro da União Europeia”, salientou.
O futuro de Kiev passará, na visão de Volodymyr Zelensky, pela “integração europeia”. Isso permitirá assegurar a “defesa daquilo que assegura a vida normal dos ucranianos”. O Presidente da Ucrânia mostrou-se, assim, otimista sobre a adesão, desvendando que as conversas mantidas em Bruxelas sobre o assunto foram “concretas”.
Armas e a necessidade de caças
Tal como aconteceu na quarta-feira em Londres e Paris, Volodymyr Zelensky voltou a reforçar a importância das armas para a defesa da Ucrânia e voltou a insistir nos caças, num momento preponderante da guerra em que se espera uma ofensiva russa.
“A agressão russa deve ser derrotada o mais rapidamente possível”, defendeu o Presidente da Ucrânia perante o conselho europeu extraordinário, assinalando que apenas assim serão “devolvidos os valores europeus aos territórios que estão sob jugo da Rússia”. “Devemos reforçar a dinâmica da nossa colaboração”, instou, acrescentando que isso conseguirá apoiar os “combatentes heroicos na linha da frente” e “derrubar o terrorismo russo”.
Para isso, são obviamente necessárias mais armas. “Agradecemos os sistemas de defesa aérea, mas é interesse de todos nós que a Rússia não seja capaz de voltar a atacar as nossas cidades”, destacou Volodymyr Zelensky.
Destas reuniões de Bruxelas, o Presidente da Ucrânia sublinhou que ouviu de “alguns líderes europeus a sua abertura em dar [à Ucrânia] as armas necessárias e o apoio, incluindo aeronaves”, referindo a participação em várias reuniões bilaterais com alguns dos Estados-membros para debater o tema.
Sobre o fornecimento de caças, um dos pedidos mais incessantes da Ucrânia, Volodymyr Zelensky não deu uma resposta concreta sobre se algum aliado concordou com essa medida. Disse apenas que foi “aberto o caminho” e que “houve coisas positivas que ficaram nos bastidores”. O Presidente da Ucrânia recusou dizer quais, já que não quer que a Rússia continue a proferir “ameaças” e que não fique “preparada” para essa eventualidade.
Por seu turno, Charles Michel salientou que as “próximas semanas e meses” serão “decisivos” — e vincou que o apoio militar não pode faltar. “A Ucrânia necessita de munições, artilharia, mísseis, veículos e sistemas de defesa”, mas, das palavras do líder comunitário, não houve qualquer menção aos caças.
Sanções e a resposta à Rússia
Toda a onda de apoio à Ucrânia da União Europeia obriga a que também haja proporcionalmente uma vaga de condenações à Rússia. Volodymyr Zelensky afiançou que a Ucrânia “nunca procurou a guerra” e nunca “provocou” uma resposta bélica pela parte de Vladimir Putin. De acordo com o Presidente ucraniano, Kiev “tentou sempre preservar a paz”. “Todos sabem disto, a História sabe disso.”
A ida do Presidente ucraniano revelou-se mais uma oportunidade para que a União Europeia ultime os detalhes do décimo pacote de sanções contra a Rússia, reforçando que, quanto menos os Estados-membros dependerem da Rússia, menos oportunidade o Kremlin terá para “travar uma guerra” contra o continente europeu.
Embora elogiando as iniciativas da União Europeia, o Presidente da Ucrânia questionou os líderes presentes no conselho europeu: “Os pacotes de sanções serão suficientes para limitar o potencial da agressão russa?” Volodymyr Zelensky respondeu a seguir que não, acusando a Rússia de ameaçar a Europa com uma “catástrofe nuclear”.
Nesse sentido, Zelensky apela aos 27 Estados-membros para aplicar sanções no âmbito da energia nuclear russa. “Não está sancionada, não acho normal.” Além disso, o Chefe de Estado quer que a “indústria de aviação, de drones, de mísseis e de tecnologia de informação russa” seja sancionada. “Só assim será destruída a fonte da ameaça.”
A presidente da Comissão Europeia também endureceu o discurso contra a Rússia, que, segundo a responsável, “tem de pagar pela destruição que causou e pelo sangue que derramou”. Foi Ursula von der Leyen quem acabou por divulgar que o décimo pacote de sanções está prestes a ser finalizado (não dando uma resposta sobre a política sancionatória contra a indústria de aviação).
No entanto, deixou já uma garantia: líderes políticos, militares e também propagandistas do Kremlin, que possuem cobertura mediática nos meios de comunicação sociais russos, serão sancionados. “Envenenam o espaço público e vamos atrás deles.”
Salientando que as exportações da UE para a Rússia também serão limitadas, Ursula von der Leyen estipula que o objetivo é “prejudicar a máquina de guerra da Rússia”, assim como a “base da sua economia”.
Noutro domínio, Volodymyr Zelensky pediu “justiça”, propondo um “tribunal” para que dirigentes russos sejam julgados, assim como um “mecanismo de ressarcimento pelos danos causados” durante a guerra. “É justo que [os russos] paguem por tudo o que fizeram desde 2014.”
Ursula von der Leyen também apoiou esta iniciativa ucraniana, destacando que é importante que equipas de peritos comecem a recolher provas. A dirigente europeia propõe também criar um tribunal em Haia, nos Países Baixos, para que os responsáveis pelo conflito na Ucrânia sejam julgados. “Temos vontade política para fazer com que os criminosos sejam responsabilizados”, assegurou.
Moldávia: o próximo alvo da Rússia?
Noutra frente diplomática, Volodymyr Zelensky revelou aos líderes dos 27 Estados-membros que informou a Chefe de Estado moldava, Maia Sandu, sobre um possível ataque russo. “Recentemente falei com a Presidente da Moldávia sobre o facto de os nossos serviços de informações terem conseguido intercetar um plano detalhado russo para destruir a situação política na Moldávia.”
De acordo com o Chefe de Estado ucraniano, o documento da Rússia detalhava “quando e como” é que as tropas russas entrariam na Moldávia. O objetivo de Moscovo passaria por “destruir a democracia” do país e também tentar “controlá-lo”.
Após receber este documento confidencial, Zelensky não hesitou em partilhá-lo com a Presidente moldava. “Não sabemos se Moscovo deu luz verde para agir contra a Moldávia, mas reconhecemos que [os russos] estavam a fazer a mesma coisa que fizeram à Ucrânia.”
Após as declarações do Presidente ucraniano, os serviços de informações da Moldávia confirmaram a informação de Volodymyr Zelensky. Além disso, o país referiu também ter conhecimento de que a Rússia está a desenvolver “atividades subversivas” contra o país de 2,6 milhões de habitantes.
O governo moldavo detalhou também que o objetivo de Moscovo passa por “minar” as instituições moldavas, assim como “desestabilizar e violar a ordem pública”. O executivo assegurou aos cidadãos “que todas as instituições estatais estão a trabalhar com toda a capacidade e não vão permitir” que a Rússia atinja os seus objetivos.
De recordar que, no final de dezembro, os serviços de informações moldavos já tinham alertado para a possibilidade de a Rússia invadir a Moldávia em 2023. “A pergunta não é se a Rússia lançará uma ofensiva em direção ao território moldavo, mas sim quando é que isso acontecerá” — foi com esta formulação que as secretas da Moldávia deixavam no ar um possível ataque russo.