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Alberto João Jardim, o governante português com o recorde de longevidade, deixou o palco do poder há vários anos e garante não ter planos para regressar. Mas a política é uma coisa que lhe está colada à pele e da qual não abdica. Já não faz discursos inflamados, mas escreve livros. Primeiro as memórias, agora um romance: formas diferentes de fazer a mesma coisa. Desde outubro que se divide entre a Madeira e Lisboa, chegando à capital aos domingos e partindo na terça — tudo porque foi o nome indicado pelo PSD para representar o partido na comissão independente para a descentralização, cujas reuniões decorrem todas as segundas-feiras no Parlamento. E está satisfeito. “Estamos a planear uma verdadeira regionalização e todos os partidos que têm assento na comissão estão de acordo”, revela, admitindo que há um “tabu” à volta do tema.
O novo livro — “diz Não!” — foi lançado em outubro e foi o pretexto para uma conversa longa com o Observador, que foi desde as eleições regionais na Madeira aos “radicalismos” de Bolsonaro e do PCP e BE, passando pelo mandato de Rui Rio no PSD. Para Alberto João Jardim, Rui Rio precisa de seis anos para implementar o seu projeto político, por isso não está obrigado a ganhar já as próximas eleições. “Nas minhas contas o prazo é esse, tal é o estado em que puseram o PSD, não se pode exigir-lhe menos tempo”, disse.
No romance, que percorre a década de 70 e vai até 2027, Alberto João Jardim antevê a criação de um novo partido porque teme a decadência dos partidos do sistema, e adivinha que o PSD perde a maioria absoluta na Madeira já nas regionais de 2019. Na vida real, contudo, não está assim tão pessimista: “O PSD não vai perder as eleições [na Madeira], estejam descansados”, “só se forem muito incompetentes”, diz, criticando o candidato do PS, Paulo Cafôfo, que diz ser um candidato “fraco”, e elogiando a nova estratégia mais “jardinista” que começou a ser seguida por Miguel Albuquerque. Sem tempo para escrever mais livros este ano e no próximo, Alberto João Jardim promete andar por aí a fazer o que gosta: “Hoje deu-me para escrever um romance, amanhã pode dar-me para jogar hóquei em patins”.
“Deu-me para escrever um romance, amanhã pode dar-me para hóquei em patins”
Primeiro escreveu um livro de memórias políticas, agora um romance político. O que é que lhe deu mais gozo escrever: as memórias daquilo que viveu ou memórias inventadas com projeções para o futuro?
Um romance é muito mais criativo, muito mais difícil. O livro das minhas memórias políticas dos últimos 40 anos ficou em 840 páginas, mas podia ter ficado em 1200, que era o material todo que eu tinha. Este tem metade das páginas e custou-me muito mais a fazer. Foi mais exigente porque não tinha nenhum documento para me basear: todos os dias tinha de criar algo novo, imaginar coisas novas. Eu escrevo à mão — sou um info-excluído –, e havia uns dias em que escrevia 20 páginas e outros dias em que não saía nada. Isto obriga a uma disciplina militar, e obriga a ter um organograma das personagens, das datas, para não falhar nada. Ainda por cima o núcleo de ação do livro desenvolve-se de 2018 em diante. Custou mais, mas foi mais divertido.
Isso quer dizer que, depois de o vermos durante décadas como rosto da política, agora vamos passar a vê-lo como escritor? Como romancista?
Não, eu não sou um escritor. Sou um político. Um político reformado, um cidadão atento, e que tem destes devaneios. Este ano deu-me para escrever um romance, amanhã pode dar-me para jogar hóquei em patins.
Não tem mais nenhum livro planeado?
Por enquanto não. Porque este trabalho que agora estou a fazer na Assembleia da República, no âmbito da comissão independente sobre descentralização e regionalização administrativa do país está a dar-me muito trabalho. Ainda por cima eu estou longe, tenho de andar todas as semanas entre a Madeira e o continente, não me vai sobrar tempo para escrever até julho, que é quando temos de apresentar as conclusões. Além de que preciso de tempo, nos dias em que estou na Madeira, para fazer exercício físico e para nadar, senão as raparigas não olham para mim.
O livro, como estava a dizer, vai até 2027, quase 2030…
Vai até à eleição presidencial que se segue caso o Marcelo [Rebelo de Sousa] faça um segundo mandato.
…E apesar de ser ficção, aventura-se em alguns presságios.
Não são presságios… são coisas que eu gostava que acontecessem.
Gostava que acontecessem? É que uma das coisas é o PSD, enquanto partido, quase desaparecer do cenário político nacional. Acredita que é um risco real?
Não é só o PSD, são os partidos do regime. E não desaparecem totalmente, continuam com uma sedezinha pequena em Lisboa. Mas perdem importância, sim. E perdem importância se o regime continuar nesta rotina, em que o país cresce menos do que os outros países europeus e em que a Europa não chuta para a frente (para o federalismo) nem chuta para trás. Se a política continuar rotineira, com os seus profissionais que são os apparatchik dos partidos, e se as greves e a instabilidade social continuarem, os partidos perdem importância. É inadmissível que, tendo o primeiro-ministro António Costa apresentado ao país a solução de “geringonça” como uma necessidade de pacificação político-social, agora tenhamos mais greves do que tinha aquele desgraçado governo de Passos Coelho.
“Se estes partidos não tomarem juízo, pode ser preciso criar um novo”
Mas desliga isso do ciclo eleitoral que se avizinha? Acha que não tem ligação direta?
Acho que os dois partidos totalitários, o PCP e o BE, estão a aproveitar-se da situação para carregarem no acelerador. E os partidos à direita desses dois partidos radicais, o PS, o PSD e o CDS, parecem uns tontinhos a fazer burocracia política. Fazem rotina, são partidos rotineiros.
O que é que quer dizer fazer rotina?
É interessante ver os portugueses muito preocupados com o Trump, com o Bolsonaro, com o Putin, mas temos todos os dias greves, gente que morre porque não foi operada, gente que definha porque não foi tratada a tempo, temos a classe trabalhadora sujeita à chantagem dos sindicatos, vemos a justiça a fazer greve, vemos as forças de segurança com indisciplina social: estão-se a pôr a jeito para daqui a três ou quatro anos aparecer um Bolsonaro maluco em Portugal. Ou aparecer um Maduro. E olhem que isso não é tão difícil assim de acontecer: Portugal é o país da Europa que tem mais votos nos partidos comunistas. Na maior parte dos parlamentos na Europa não há comunistas, aqui, somando PCP e BE temos 20% do Parlamento. Ou seja, estamos em cima de uma fogueira e estamos é preocupados com o Bolsonaro e o Trump. Perante este espetáculo que temos, claro que a classe política não está em alta.
Do seu ponto de vista, isso é responsabilidade de quem?
Dos partidos por dentro, e dos jotinhas. As jotas, a meu ver, principalmente depois dos governos de Cavaco, passaram a formar profissionais da política, e isso não pode ser. Eu se fundasse um partido, ou liderasse um partido, acabava com as jotas.
É preciso criar um partido novo?
Pode ser preciso. É isso que eu gostava que acontecesse se estes partidos não tomarem juízo e se Portugal continuar como está.
Santana Lopes criou um novo partido. E uma das coisas que ele não tem é jotas.
Não me revejo em nada daquilo. Não me revejo nas iniciativas do Santana, aquilo é mais do mesmo. O partido de Santana Lopes, quanto a mim, e até nova leitura, é só mais um partido do regime. Nem a cara é nova — é tão nova como eu.
Então o que é que esse novo partido devia ter?
Como se vê no livro, deve ser um partido com gente que nunca teve nada a ver com os partidos, que aparece a fazer novas iniciativas políticas. É a própria sociedade civil que tem de fazer nascer uma nova força política: um movimento das elites, das elites jovens das universidades que não estão agarradas às jotas.
Essa ideia de que a política tem de ser feita com gente da sociedade civil também não é propriamente nova. E nem sempre teve bons resultados.
Evidentemente que terá de ser a sociedade civil. O problema de Portugal é que muita gente é dependente disto. Estes tipos esqueceram-se que o tempo áureo do sistema capitalista foi quando os governos regulavam as finanças. Agora desregularam tudo, tivemos a crise de 2008, e isto rebentou com a classe média. O capitalismo e o marxismo são iguais numa coisa: detestam a classe média, porque é o vetor crítico, o guardião das referências e dos valores, e infelizmente em Portugal a classe média está cada vez mais dependente, porque há muitos funcionários públicos e há mais dificuldades. O dinheiro que sobra para as famílias é hoje inferior ao que sobrava para as famílias nos anos 80 ou 90, já para não falar noutros aspetos como o problema do envelhecimento da população. A política tem de prever isso com toda a prioridade.
Não ouve os políticos preocupados com esses problemas?
Não, põem-se a discutir o Bruno de Carvalho, a estrada de Borba, a senhora com o amante que matou o marido. E todos os dias os telejornais abrem com isso. Ainda hoje falava com um amigo e chegámos a uma conclusão: não é o Costa que domina a comunicação social, criou-se foi um certo politicamente correto na comunicação social em que é a comunicação social que leva o Costa numa bandeja.
Então a culpa é da comunicação social?
Não estou a dizer que a comunicação social é a culpada disto, eu sempre tive relações de amor/ódio com a comunicação social, porque também fui jornalista profissional. E ainda hoje costumo dizer que tenho dois amores, a política e o jornalismo. O que eu digo é que antigamente acusava-se os governos de quererem interferir na comunicação social, agora o que constato é que há comunicação social que leva o governo ao colo sem ele fazer nada para isso.
“A comissão para a descentralização está a planear uma verdadeira regionalização”
Agora faz parte da comissão independente para a descentralização, que funciona no parlamento. Que resultados espera?
Se houver a regionalização do continente, vai mudar muito o panorama político português. Porque os partidos centrais de Lisboa não vão continuar a escolher quem é que vai ser candidato por Faro ou por Trás-os-Montes. Com a descentralização, os partidos ao nível regional não vão depender das comissões políticas nacionais. O jogo político deixará de funcionar em função dos interesses que estão presos na capital e vai funcionar mais amarrado à vontade das populações locais, porque elas também se vão pronunciar em eleições regionais sobre a sua própria classe política.
É isso que está em marcha na comissão independente para a descentralização?
É mesmo uma regionalização, sim. Embora eu saiba que há muitas resistências a isto.
Mas na comissão para a descentralização estão todos de acordo em relação a isso?
Sim, sim. Todos de acordo em relação a isso: vamos regionalizar. Reparem, nós estamos em 2018, o Estado que ainda está em vigor é o Estado napoleónico. Houve a revolução francesa, mas a França e a Europa em geral viviam num regime económico-social feudal, havia analfabetismo, obscurantismo, era preciso um Estado que fosse motor da transformação disto tudo, e de facto a tradição jacobina impôs o centralismo. Mas agora estamos em 2018: generalizou-se a educação, a informação, a cultura, o que criou quadros nas pequenas localidades que antes não havia. Com um perfil destes, é um absurdo insistir no centralismo. As pessoas têm cada vez mais direito de se pronunciar sobre o que lhes diz diretamente respeito. As coisas têm de ser feitas não apenas segundo o critério de proximidade, mas por quem, entre os quatro poderes (europeu, nacional, regional e local) tiver melhor apetência para resolver cada questão.
Se isso já está em marcha, se é assumido dentro dos trabalhos da comissão, porque é que não se vê os líderes políticos, nomeadamente o primeiro-ministro e o líder do PSD, a assumirem a regionalização diretamente?
A comissão está a fazer um trabalho independente que vai apresentar à Assembleia da República. Tenho a consciência de que há muita oposição a isto, mais por preconceito e por medo do que por outra coisa. Nós somos um país de pequeno-burgueses, e aquela ousadia que tínhamos na altura das descobertas deixámos de ter. O pequeno-burguês não está para se incomodar, o Estado que resolva. Este conformismo implica medo, é o medo perante o que é novo.
Na altura em que Rui Rio o convidou para integrar esta comissão disse-lhe claramente que era para se fazer a tal regionalização que nunca se fez?
Sim, sim, e eu só aceitei se fosse para isso. Ele [Rui Rio] é pela regionalização, sempre foi.
Mas não é unânime dentro do PSD.
Há gente para tudo, não é unânime em partido nenhum, estou convencido disso. E não é por má fé, é por razões culturais e psicológicas. É não perceber que o mundo mudou.
Então, conhecendo o trabalho que está a ser feito nessa comissão e de acordo com as convicções que tem, quando é que acha que Portugal vai ser um país regionalizado? Porque se as conclusões têm de ser apresentadas até 31 de julho, entre férias e eleições…
Isso dependerá da maneira como os partidos na Assembleia da República vão reagir ao trabalho que for apresentado. Todos os partidos à exceção do PCP estão representados nesta comissão.
Todos com o mesmo objetivo?
Sim. Até agora, devo dizer, sem estar a cometer nenhuma inconfidência, tem sido um ambiente excecional de trabalho conjunto. Nunca ninguém se sentiu de um partido diferente do outro. Claro que temos diferenças, mas tem sido um excelente trabalho. Também graças ao engenheiro João Cravinho, que está em grande forma e que coordena muito bem estes trabalhos.
Rio deve viabilizar um governo Costa se for o preço a pagar para reformar o país
Tem um discurso muito descrente dos partidos como os conhecemos, mas é curioso porque este ano voltou a um congresso do PSD e já não ia lá há seis anos…
Voltei porque vi no Rui Rio uma solução para se sair da deriva liberal e subordinada ao grande capital internacional em que o PSD tinha caído.
Rui Rio está a corresponder às suas expectativas?
O que não corresponde às expectativas é a traquinice dos políticos. São traquinas, são traquinas…
Quem?
Os que estão sempre a chatear.
Os tais que têm que levar as “bengaladas”, como prometeu no congresso a quem continuasse a dividir o partido?
As bengaladas são uma expressão queirosiana, dos tempos das conferências do casino. Quanto a Rui Rio, ele tem uma coisa muito positiva, um discurso diferente da tradição partidária. Ele tem tido a coragem — que não é compreendida por todo o partido — de dizer que o partido está ali para servir o interesse nacional. O discurso dele é ‘nós vamos fazer o que o interesse nacional aconselha, venha isso do BE ou do CDS, de onde vier’. Eu acho que isso é um discurso novo para aquele tipo de pessoa que olha para o partido como um sócio olha para o Benfica, e que, com voz aguardentada, berra por todo o lado se o seu treinador não ganhar o jogo. Eu penso que não se pode viver à Benfica dentro dos partidos políticos. E quem diz Benfica, diz Sporting, Porto ou Marítimo, que é o meu clube. Este pontapé no clubismo que Rio parece querer dar é importante para a qualidade da política.
Mas acha que está a dar resultados essa estratégia? As sondagens não dão propriamente esse sinal.
Eu não posso falar pelo Rui Rio. Mas Portugal precisa urgententemente de uma reforma constitucional. Obviamente não será a “geringonça” que a vai fazer, porque os partidos da direita em Portugal, ao contrário do que os senhores dizem na comunicação social, são o PCP e o Bloco de Esquerda. Não saem dali, é como a anedota do brasileiro: não coiso, nem se afasta da menina. Eles não vão fazer reforma nenhuma. Para haver reforma de fundo tem de haver um entendimento entre o PS e o PSD.
O que não quer dizer Bloco Central, ou quer?
Não, não quer dizer que seja preciso um governo do Bloco Central. O que se tem de criar é uma situação em que o governo Costa, se for governo, ou o governo Rio, se for governo, não precisem dos partidos da “geringonça” para nada e tenham margem de manobra para haver um entendimento, como parece haver nesta história da descentralização administrativa, para reformar o país. Isto é que é importante, não é distribuir um lugar de ministro ou de secretário de Estado. A nossa Constituição é de 1976, e veja o que o mundo mudou desde então. E veja também como é que graças ao 25 de Abril a população portuguesa mudou, não tem nada a ver com obscurantismo do Salazar.
Acha que a próxima legislatura é o momento ideal para se fazer isso?
Depende da solução de governo e depende da composição da Assembleia da República.
Se António Costa ganhar e não tiver maioria absoluta, Rui Rio deve viabilizar-lhe o governo?
Não é preciso ir para o governo, para isso. Pode ser um acordo parlamentar. Se o preço de fazer a reforma do país for não estar no governo, acho que se deve pagar esse preço. Pensando em termos de interesse nacional.
Acha que vai ser fácil fazer essa gestão? O PSD é um partido habituado ao poder…
Se ele não ganha as eleições, é de esperar que lhe façam a vida negra.
E ele mantém-se?
Aí é que eu queria chegar. Nós começámos a nossa conversa sobre se os partidos políticos resistem ou não à opinião pública com as mudanças que vão neste mundo. Cá está uma prova. Se o Rui Rio não ganha as eleições, tendo apenas dois anos de mandato, e a seguir começa outra vez uma efervescência para pôr lá outro tipo qualquer, é sinal de que o PSD deu o que tinha a dar.
Mas isso não é o que o PSD foi fazendo sempre em situações semelhantes?
Mas eram outras circunstâncias. O PSD esteve bastante tempo no poder, não tanto como o PS…
O problema foi sempre quando não esteve no poder.
É preciso mudar essa mentalidade. Eu tive sarilhos no PSD da Madeira, porque eu dizia sempre àquela malta: a Madeira está primeiro, o PSD é um instrumento ao serviço da Madeira. Sabe o que é que eu ouvia dos patetas que andam para lá ainda? Lá está o gajo a fazer de nós instrumentos. Eu tinha às vezes gente no governo que não era filiada no PSD — por acaso gostavam daquilo e filiavam-se depois, mas só depois de terem provado o chazinho — e havia malta que dizia ‘aquilo não é o governo do PSD, aquilo é o governo do Alberto João’. Esta mentalidade de que tem de ter o cartãozinho do Benfica, para as coisas estarem organizadas politicamente é uma tontice e tem de acabar.
“O projeto de Rio é para 6 anos. Tal é o estado em que deixaram o PSD que não se pode exigir-lhe menos tempo”
Então Rui Rio não deve sair se perder as eleições.
Mas quem é que diz que ele vai perder as eleições? Eu cá sei como é que se rebentava com o Costa, mas vamos adiante…
E como é, então?
Não conto.
Mas vai dar esse conselho a Rui Rio?
Não, não me meto nisso.
Então se tem o segredo nas suas mãos…
Não é segredo, vocês também estão a exagerar. Eu defendo é que se tem de fazer qualquer coisa diferente do que se está a fazer.
Essa proximidade entre PS e PSD, no estado em que está a Europa e o Mundo…
É fundamental para combater os radicalismos políticos.
Então não compra a tese de que a aproximação dos partidos ao centro pode fazer crescer os extremos?
Não. Por isso é que defendo que deve haver uma oposição à direita do governo e outra oposição à esquerda do governo, para poder fazer o equilíbrio. E as forças mais moderadas poderem fazer as reformas necessárias.
Se as forças moderadas se juntarem, não deixam um espaço livre para ser ocupado, por exemplo, por movimentos populistas?
Temos de distinguir radicalismo de populismo. Populismo é uma palavra que é usada quando os partidos da “geringonça” não têm argumentos para as questões que lhes põem. Ou quando a esquerda folclórica europeia tradicional não tem argumentos para as críticas que lhes fazem, dizem ‘é populismo!’ O que há é radicalismo, de um lado e do outro, e é isso que é preciso moderar.
E isso faz-se com as reformas ao centro?
Não é com certeza havendo reformas na saúde todos os dias, reformas nos transportes todos os dias, havendo sarilhos de disciplina todos os dias nas forças de segurança, nem é havendo órgãos de soberania em greve que se resolve o problema. O país precisa de rever certos mitos que têm uma origem histórico-social na revolução de 1974.
Ainda assim há desafios próximos do atual líder do PSD que podem comprometer esses planos. Europeias, Legislativas e Regionais na Madeira. Imaginemos um cenário pessimista em que Rio falha um bom resultado nas Europeias e, ainda mais pessimista, perde a Madeira. O que é que isso diria de Rui Rio?
No último congresso, tive ocasião de dizer que o PSD tinha descambado para a direita no sentido clássico — e agora sou eu que uso o termo — aquilo não era um partido social-democrata. Era uma manta de retalhos em que cada retalho era o seu tachinho, depois de uma subordinação saloia às maiores potências europeias. Eu não gosto de ver o meu país agachado. E este projeto de Rui Rio, esta mudança que temos de fazer no PSD para voltar às origens, ao partido social-democrata de Francisco Sá Carneiro, não se pode fazer em dois anos. São precisos 6 anos. De maneira que eu nem sequer me ponho a fazer contas se ele ganha as europeias ou perde as regionais. Não vai perder as regionais, esteja descansada.
Seis anos são os dois de agora e os quatro da próxima legislatura. Portanto só na outra é que ganha o PSD.
Nas minhas contas o prazo é esse. Tal é o estado em que puseram o PSD que não se pode exigir-lhe menos tempo.
Disse agora que o PSD não vai perder as regionais na Madeira. No seu livro antecipa que o partido começa por perder a maioria absoluta já nestas eleições.
Na apresentação do livro, tive ocasião de dizer que era um aviso. Pode dar-se e pode não se dar.
Mas é um aviso para a maioria absoluta ou até para o risco do PSD perder mesmo as regionais?
Mesmo sem maioria absoluta, eu sei que tem sido posição do CDS a de afirmar que não faz maiorias negativas. Tanto quanto eu sei, a posição do CDS Madeira é a de que quem tem mais votos governa, e eles então darão o seu apoio para haver maioria absoluta. Neste quadro, o PSD só tem de se preocupar em ter pelo menos mais um voto que o PS. Agora, o PSD perdeu dois anos a autoflagerar-se.
“Autoflagelar-se” é criticar a herança do jardinismo?
Pode chamar-lhe jardinismo que eu até gosto do termo. Meteu-se-lhes na cabeça que um partido que tinha mudado a Madeira completamente, que tinha tido sempre maiorias absolutas, tinha de passar a ser um partido politicamente correto. Isto é, passaram a governar pela opinião publicada, quando eu governei sempre contra a opinião publicada. Isto provocou um desgaste forte no partido, o presidente do Governo Regional percebeu a certa altura o logro para onde o tinham empurrado. Fez remodelações a nível de governo e agora a nível de partido. Vamos ver é se os últimos dois anos dão para compensar a estratégia errada que foi seguida até aí.
“Só se o PSD for muito nabo é que não ganha as eleições” na Madeira
Concorda com essa nova estratégia de Miguel Albuquerque?
Eu nem gosto de dizer isso porque senão começam a dizer que ele está a fazer o que o Jardim quer. Não tenho nada a ver com isso. Foi ele só quem tomou as decisões. Eu já disse publicamente que estava solidário com essas decisões.
E isso deixa-o mais tranquilo quanto ao resultado eleitoral.
É que só se forem muito incompetentes. A malta está a regressar ao partido, já há um outro entusiasmo. E o Partido Socialista tem um candidato fraco.
Fraco? Mas ele ainda agora voltou a ganhar a Câmara do Funchal.
Porque uma coisa é ser um presidente da Câmara, aliás, presidente da Câmara que está também em queda na opinião pública. Ele fez bem o primeiro mandato, o segundo mandato tem sido um descalabro, não sei o que se passa ali.
É uma grande aposta de António Costa.
Pode ser uma aposta, mas em relação à Madeira o António Costa tem feito tudo ao contrário.
Em que áreas?
O Costa é um homem muito de partido. Mas ainda não me convenceu como estadista. Porque em termos de Estado, o que tem sido feito à Madeira em matéria de transportes, em matéria de exigências, em matéria de compromissos assumidos e não cumpridos… bem, só se o PSD for muito nabo é que não ganha as eleições.
António Costa está a ajudar o PSD a ganhar as eleições na Madeira, é isso que está a dizer?
É aí que para mim está o mistério. Como é que o Costa lança um homem que nem é filiado no PS, e a seguir tira-lhe o tapete fazendo uma política para com a Madeira que está a dar os trunfos todos ao PSD. Há aqui qualquer coisa que eu ainda não percebi.
Mas então rejeita que nestas eleições regionais, pela primeira vez, o PS esteja verdadeiramente competitivo?
Eu não estou a dizer que o PS não quer que o homem deles ganhe. Estou é a achar estranho a política do Costa de dar trunfos que o PSD se calhar não contava ter no fim da legislatura. Mas trunfos daqueles indiscutíveis, em que a opinião pública percebe tudo. Enfim, não vou revelar aqui conversas pessoais que tenho, mas penso que o candidato do PS também está preocupado com isso.
Vai votar Miguel Albuquerque, suponho.
Obviamente. Eu só não votei no PSD uma vez na vida. Da última vez, com Passos Coelho. Da primeira ainda votei. Agora não voto num homem que me tentou destruir.
Como é que está o seu relacionamento com Miguel Albuquerque?
Eu responderia tipo conselheiro Acácio: esclarecidas as coisas, tudo vai bem.
Não ficará desiludido se ele perder a maioria absoluta?
Eu fiz dez regionais, tive sempre maioria absoluta e havia sempre um risco. Eu costumava dizer à minha gente ‘Ó meninos, isto só está ganho no dia seguinte’. Eu tinha uma sensação muito estranha. Eu entusiasmava-me com campanhas eleitorais e não queria outra coisa, e quando ganhava as eleições era aquela sensação the party is over, a festa acabou. Regressava a casa com uma certa melancolia, isto acabou.
Também já estava habituado a ganhar.
Não era isso, estava habituado àquela vida. Era tudo feito com alegria, eu fazia as campanhas com alegria. Até circos meti, até em cima de um elefante andei. Se o PAN se lembra dessa estou tramado…
Acha que era um populista?
Eu não acho feia a palavra populista. A democracia é a soberania do povo. Se eu vou ao encontro dos desejos do povo, quem acha isto grave é quem pretende que haja vanguardas elitistas, são aqueles que falam do povo, mas depois acham que o povo deve obedecer aos slogans das vanguardas. E andam preocupados com a palavra populismo.
“O Bloco de Esquerda já diz que quer ser governo. Digam-me a que horas sai o avião”
A palavra é bem aplicada a Bolsonaro?
Eu acho que o Bolsonaro é um candidato a delinquente, o que é diferente.
Mas o registo dele é identificado com o populismo. O comportamento em campanha é também no meio do povo e, supostamente, a dar voz aos anseios da população contra as elites políticas. Um registo que o senhor também usava em campanha.
Eu, de vez em quando, dizia ali umas patacoadas — muitas vezes eu era o primeiro a rir-me –, mas isso fazia parte da minha estratégia, provocar de certa maneira. Nas ilhas, ter a imprensa do continente a dar-nos muita importância era um trunfo do caneco. Eu queria era provocar-vos para falarem de mim. Era o mesmo que o Marítimo vir ganhar a Lisboa ao Benfica: ‘o gajo está lá na primeira página, estão a falar dele’. Isso era estratégia. Se quiser chamar-lhe populismo, chame.
Mas não é a mesma coisa.
Estas coisas fazem-se três ou quatro bojardas em 30 dias de campanha, põe-se as pessoas a falar de nós e a dar-nos importância, da oposição ninguém se lembra deles. Mas depois não se pode estar permanentemente naquilo. E a mim, o que chocava é que com o Bolsonaro era uma constante. Não havia tema em que ele não dissesse asneira, isso é que me chocava. O radicalismo estava aí, havia ali uma intenção que já não era só mise-en-scène para as eleições, mas que pode estar a indiciar um pensamento sinistro. Isto é que foi a minha maior preocupação.
Não há risco de termos também um Bolsonaro ou um Trump nos próximos tempos?
Ou um Maduro. O Bloco de Esquerda já diz que quer ser governo. Digam-me a que horas sai o avião.
Esse estatuto de político reformado de que goza não o impede de continuar a gostar de falar de política. Ainda admite a hipótese de algum dia regressar?
Nem pensar. A vida tem os seus tempos. Eu saí da política pelo meu pé, ninguém me derrotou, ninguém me mandou embora. Escolhi o momento de sair. E voltar à política, nos termos em que se fazia dantes, pode correr-se o risco de fazer destruir o tal mito Alberto João que acabou por nascer ao fim destes anos todos, mesmo que eu não queira.
E orgulha-se desse mito de que fala?
Sinto-me em paz com a minha consciência. E gosto de ir na rua e toda a gente falar comigo.