Adriano Maranhão é o único português a quem foi diagnosticado coronavírus. Esteve em quarentena no cruzeiro Diamond Princess e foi hoje transferido para um hospital japonês, ao fim de quase quatro dias confinado à sua cabine, onde esteve em isolamento total.
No hospital em Okazaki tem um quarto só para si, com uma janela para o exterior. Pode sair do quarto e ir até ao corredor, mas sempre de máscara e luvas postas.
Numa entrevista (feita por videoconferência) sobre os dias em que esteve fechado no cruzeiro onde trabalha, queixa-se da negligência por parte da sua empresa, das 24 horas sem comer e da falta de limpeza do seu quarto nos dias em que esteve isolado.
[Pode ver aqui em vídeo a visita guiada feita por Adriano Maranhão à parte do hospital japonês em que pode circular e um resumo da entrevista]
Gostaríamos de fazer uma conversa um bocado mais longa para nos contar a história completa de como é que foi recebido no cruzeiro a notícia do primeiro infetado. Como receberam a notícia de que o cruzeiro tinha de atracar e ficar em quarentena?
Soubemos no próprio dia em que o navio atracou (e em que estava previsto atracar), que afinal o navio ia ficar ali 14 dias. Não soubemos nos dias anteriores. Tínhamos a suspeita de que se passava alguma coisa mas sem nenhuma certeza. O comandante avisou-nos de que as autoridades japonesas iam entrar no navio porque havia a suspeita de uma pessoa infetada com coronavírus, mas não tínhamos a certeza do que se estava a passar. Entraram e detetaram logo no primeiro dia 10 casos de coronavírus e foi aí que nos disseram que o navio ia ficar em quarentena 14 dias.
Qual foi a reação inicial?
Nós ficámos confiantes, a pensar: “14 dias dias passam rápido”. Como foram 10 casos de passageiros infetados, que ficam na parte de cima, e a nossa zona de trabalho e de descanso é lá em baixo, ficou tudo tranquilo, não se passava nada. Ao fim de dois dias de quarentena foi-nos decretado que tínhamos de andar com uma máscara. Continuámos sempre a trabalhar, nunca parámos. Mas no primeiro dia aquilo foi logo o caos, porque tiveram de fechar as cozinhas aos passageiros: começaram a ser servidos nas cabines e metade da tripulação tinha de ter trabalho. O que é que eles arranjaram para nós trabalharmos? Meteram tudo a trabalhar na zona das cozinhas. Aquilo era quase um tripulante a servir outro tripulante. Ou seja, anteriormente cada um servia-se a si próprio, tirava a comida das baias, daquele dia para a frente apareceu imenso pessoal para trabalhar. Nós não nos servíamos, nós apresentávamos o prato e eles serviam-nos a comida. Não podíamos tocar em nada. Foi uma confusão. De fora do navio, nos primeiros dias, só entraram médicos, não entrou ninguém para trabalhar.
Foi visto por um médico nesses primeiros dias?
Nos primeiros dias só foram vistos passageiros e alguns tripulantes, apenas os responsáveis por arrumar e limpar os quartos dos passageiros. No primeiro dia só um tripulante é que foi diagnosticado como infetado, ou seja, nove passageiros e um tripulante. Mais tarde alguns tripulantes começaram a apresentar sintomas, passados três a quatro dias, começaram a pôr-nos em isolamento. Não nos fizeram o teste na hora. Foi-nos dito que ia lá um médico nesse mesmo dia ou no dia a seguir, que íamos fazer o teste e posteriormente vinha o resultado, passado um dia ou dois. A tripulação que lá ficou vai iniciar neste momento uma nova quarentena, a quarentena que eu ia começar também, que ainda não está pronta porque as autoridades japonesas estão a fazer a limpeza e desinfestação de todas as cabines de passageiros — a ideia é passarem a tripulação para as cabines de passageiros, porque são mais confortáveis e maiores. Ainda não decidiram se será dentro ou fora do navio, mas à partida será lá dentro. O que consta entre os meus colegas é que essa quarentena vai ser lá dentro e é de mais 14 dias. Mas eles já estão a deixar sair tripulação. Hoje já saiu a tripulação que ia para as Filipinas, Indonésia e Tailândia.
Os tripulantes desses países que saíram hoje ao mesmo tempo que o Adriano tinham todos dado negativo nos testes?
Não sei. Todos os dias de manhã o comandante fazia uma declaração e a declaração desta manhã dizia que as Filipinas estavam a aceitar os infetados e foi por isso que a tripulação das Filipinas saiu hoje também. Mas mais do que isto não sei porque estava em isolamento e sem qualquer contacto com eles.
No isolamento não tinha qualquer contacto físico com ninguém. Como é que lhe entregavam comida ou alguma medicamento necessário?
Sim, estava sozinho dentro da cabine. Eu estive o primeiro dia sem alimentação, 24 horas sem comida, não me entregaram nada. No dia seguinte, quando saiu essa notícia, a embaixada portuguesa conseguiu contactar o navio e perguntar porque é que não me estavam a fornecer comida e eles disseram que não sabiam que eu estava em isolamento. Telefonaram para a cabine a perguntar se eu estava na cabine em isolamento. Eu disse: “Eu estou em isolamento desde ontem porque o posto médico me pôs em isolamento”. Responderam-me: “Ah, não sabíamos de nada porque ninguém nos informou”. Depois disso foram-me levar comida à cabine.
Se não pode haver contacto com ninguém exterior como é que é feita a entrega da comida?
Eles chegam à cabine, batem à porta, entregam a comida num tabuleiro, entregam à mão mas sempre com um espaço de segurança de um metro, dois metros, não se encostam muito à cabine. Comemos e depois metemos o tabuleiro da parte de fora, no chão, e eles entretanto vêm buscar.
O mesmo método com a entrega de medicamentos?
Pelo contrário, foi ao contrário. Liguei para o posto médico para informar que a minha temperatura corporal estava a subir um bocadinho e que me sentia um bocado fraco do corpo e o meu espanto foi quando uma enfermeira, nem foi um médico, me disse: “Então olha, metes a máscara, metes as luvas, sais da cabine e vens ao posto médico buscar o medicamento”. E eu perguntei: “Mas eu posso sair?” E responderam-me: “Tens mesmo de ser tu a vir cá buscar ao posto médico porque eu não te posso levar nada à cabine, tens de vir cá tu buscar”. E eu tive de sair da cabine e ir lá ao posto médico buscar os medicamentos.
Foi essa a única vez que saiu da cabine onde estava em isolamento?
Tirando ontem foi a única vez. Ontem ao fim da tarde o comandante, não sei se foi porque me chegou uma notícia que o Sr. Presidente da República entrou com o contacto com o comandante do navio, eu não tenho essa certeza, mas foi uma notícia que me chegou pelo Facebook que não posso confirmar. [Ao que o Observador apurou esta informação não tem fundamento] O comandante dá uma ordem ao speaker para avisar que os infetados tinham direito a duas horas para saírem das cabines para irem a um espaço isolado, fechado só para os infetados, não podia lá estar mais ninguém, no piso 7, na zona aberta, para lá estarmos duas horas, das 8h da noite às 10h da noite. Parecia um recreio. Foi a única vez que lá estive porque hoje vim para o hospital. Era um espaço para os infetados saírem da cabine e irem apanhar ar.
Nesse “recreio”, como apelidou, conversou com os outros tripulantes infetados?
Sim, mas sempre com uma distância de um metro ou dois metros.
As conversas foram todas dentro do tema “coronavírus”?
As conversas foram sobretudo: “Sabes se vais voltar para o teu país? Vais quando?”. Uns diziam que não, porque não os aceitavam. Um ucraniano que lá estava disse que não queria voltar porque os ucranianos estavam a ser apedrejados pelas pessoas do próprio país, disse que preferia voltar morto do que voltar agora.
Esteve quanto tempo ao todo na cabine?
Na minha cabine estive quase quatro dias. Sábado, domingo, segunda e terça de manhã.
Saiu duas vezes nesses quatro dias…
Sim, uma vez para ir ao posto médico e outra vez duas horas para apanhar ar.
Quem é que lhe disse que o seu teste tinha dado positivo?
Foi uma médica das autoridades japonesas.
Como é que o informou?
Bateram à porta e quando abri vi uma enfermeira e uma médica. Pensei logo: “Aqui passa-se alguma coisa”. Não vinham para me dar almoço ou jantar. Pediram-me para entrar e mandaram-me sentar, ela ajoelhou-se à minha frente e pediu-me desculpas porque tinha uma notícia má para me dar. “Eu sei qual é a notícia que me vai dar, mas pode continuar”. Foi aí que ela me disse que o meu teste tinha dado positivo, mas para não me preocupar porque isto era uma primeira fase e que podia dar negativo mais tarde, uma série de coisas que ela para lá falou. Disse-me que ia sair ou no sábado ou no dia a seguir. Foi a conversa que ela me deu. Disse-me também para contactar a minha embaixada e a companhia [Princess Cruises], porque quando eu saísse do navio o navio já não tomava conta de mim, seria a embaixada portuguesa ou a companhia. O meu espanto foi tal que lhe disse: “A senhora vem-me dar uma notícia que eu estou infetado e a senhora acha que eu agora tenho cabeça para estar a telefonar para a embaixada e para a companhia para tomarem conta de mim lá fora? Vocês devem estar a brincar comigo”. Mas ela disse-me que o protocolo e o procedimento eram esses e por isso eu tinha de telefonar para a minha embaixada e contactar com a companhia.
Foi a partir desse momento que em contacto com a sua mulher decidiram, os dois em conjunto, que se iam mexer e tentar que este caso fosse falado?
Não. Por acaso não. Eu comuniquei à minha mulher que estava positivo e que iria mandar um email à embaixada para começarem a avançar com o processo. Duas horas depois liga-me a dizer que a TVI soube que estava infetado e que estavam a caminho de minha casa na Nazaré. Perguntou-me se eu queria que ela falasse com eles e eu disse que não tinha problema nenhum em que ela falasse com a comunicação social, tal como eu também não tenho. Foi a partir daí que isto começou a ser falado.
Como é que o teste ao coronavírus foi feito no navio? Ou seja, como é que as autoridades percebem se a pessoa está ou não infetada?
No meu caso eles fizeram-me uma análise à saliva com um cotonete. Metem-nos o cotonete na boca, quase junto à garganta, e tiram um bocado de saliva.
Lembra-se quando é que fez o teste?
Na quinta-feira, no dia 20 [de fevereiro].
Soube do resultado logo no próprio dia?
Soube no sábado [dia 22 de fevereiro].
Saíram umas notícias de que a sua mulher e o próprio Adriano teriam sido aconselhados a não falar com a comunicação social, é verdade?
Eu não fui aconselhado a nada. A minha esposa é que foi aconselhada a não falar com jornalistas, não sei ao certo por quem.
O Adriano esta madrugada avançou ao Observador que a sua saída do navio tinha sido atrasada uma hora. Foi mesmo uma hora? Foram buscá-lo às 12h como previsto?
Saímos do navio por volta das 12h15 mas ao meio dia eu já estava junto à porta para sair para o autocarro.
Como é que foi a comunicação com o comandante ontem à noite ou hoje de manhã? Mandaram-no fazer as malas e arrumar todas as suas coisas?
Já me tinham mandado fazer as malas no sábado quando me deram a notícia de que estava infetado. Aí disseram-me que podia fazer as malas porque ia sair ou naquele próprio dia ou no domingo. Primeiro tinham-me ligado durante a tarde a dizer que já não ia sair durante a tarde mas que iria sair durante a manhã e depois às 10h da noite ligaram-me a confirmar a hora que era, que ia sair às 11h da manhã. De manhã, a seguir ao pequeno almoço, por volta das 9h30, telefonaram-me novamente para a cabine a dizer que a hora tinha sido alterada, passou das 11h para as 12h. Eu já estava a começar a duvidar que iria sair mesmo hoje porque já andavam a alterar o dia e a hora há muitos dias.
Como é que foi o procedimento de sair do quarto?
Deram-me a informação de que quinze minutos antes do meio dia teria de levar as malas, apanhar um elevador, ir direto para o piso 4 e que o elevador saía logo perto da porta de saída. Ninguém foi à cabine buscar-me. Fui sozinho. Com a máscara posta e as luvas. É a única proteção que eles nos obrigavam a usar.
Quantas pessoas foram no seu autocarro?
17, comigo 18. Só tripulantes. Já não há nenhum passageiro a bordo.
As pessoas que estavam consigo eram do seu departamento?
Não, eram sobretudo trabalhadores das lojas [de souvenirs].
Foram encaminhados para o hospital numa viagem de sete horas de autocarro…
Sim, foi uma viagem de sete horas com uma primeira paragem para irmos à casa de banho. Eles traziam casas de banho portáteis em cima de camiões. Estavam preparados para fazer a paragem a meio do percurso. Saíram da autoestrada e tinham uma espécie de parques de estacionamento isolados e paravam ali. Aquilo era muito bem vedado, não havia nenhum carro à volta, comunicação social, não havia nada. Nós levávamos um carro de polícia na frente e dois carros militares atrás que tinham as nossas bagagens, depois ia o nosso autocarro. Estávamos a ser escoltados. Fizemos uma paragem e logo seguir a essas paragens deram-nos uma sandes. Por volta das 5h da tarde fizemos uma segunda paragem para ir à casa de banho, nas tais casas de banho portáteis que estavam num camião.
As pessoas que nos transportaram estavam todos protegidas da cabeça aos pés, até tirei uma foto.
O hospital é novo…
Sim, ainda não foi inaugurado, era para ser inaugurado agora em abril. É um hospital a que podemos chamar de hotel, porque só aceita pacientes do navio sem sintomas, com sintomas não vêm para aqui. É um hospital que está preparado para estar cá em observação, não para estar cá medicado ou estar cá ligado a alguma máquina. Não está preparado para isso.
Mas o Adriano ontem apresentava alguns sintomas. Entretanto melhorou?
Sim, entretanto melhorei. O médico foi lá ontem ao fim da tarde e fez a triagem. Disse-lhe que a minha temperatura tinha subido aos 37.7º. E ele disse-me: “Não é caso para alarme ainda, porque 37.7º ainda é normal, se avançar muito mais do que 38º é que é para alarme”. Foi o que me foi dito. Depois quando ele lá voltou, horas mais tarde, já estava ainda mais baixa, já estava 37.2º. O médico depois disse-me: “Isto vai continuar a subir e a descer. Tem é de ter atenção à tosse, falta de ar e à diarreia”. A febre tanto pode subir como descer mas que até agora não era situação para alarme.
Nestes dias não teve nem tosse, nem falta de ar, nem diarreia?
Não. O único sintoma que tive foi o aumento da temperatura ligeiro e sentir o corpo um bocado cansado. Sinto o corpo cansado. Por vezes dói-me um bocado a cabeça na frente, mas o médico diz que é normal. Não é uma dor que não consiga aguentar. Se me encostar a dormir alivia.
Tem conseguido descansar?
Aos bocadinhos tenho, uma hora, duas horas, tenho conseguido. Não é um descanso seguido mas tenho.
Quando chegou ao hospital foi-lhe feito novamente o teste?
Não, ainda não porque chegámos tarde, chegámos já às 8h da noite e a prioridade foi fazer-nos uma triagem. Tivemos de preencher uma série de documentos e a preocupação deles foi encaminhar-nos para os quartos e darem-nos de jantar porque já era tarde. Esperemos que seja amanhã, apesar de não nos terem dado informação, se haverá ou não médico para nos avaliar, esperemos que sim, para recomeçar novamente os testes.
No Japão já passa da uma da manhã, está no hospital desde as 20h. Tem visitas regulares de enfermeiros ao seu quarto?
Não vieram cá dentro mas estão ali fora, estão ali num balcão. Aqui dentro do quarto temos um botão de emergência: caso seja preciso alguma coisa pressiona-se o botão e alguém vem cá.
Não pode sair do quarto?
Posso sair. Temos aqui uma área onde nós podemos estar. É um corredor que tem uns 20/30 metros talvez. Podemos sair mas temos de sair com máscara e com as luvas.
Apesar de ser um hospital no Japão comunicaram consigo sempre em inglês?
Dentro do autocarro não, não havia ninguém que falasse inglês. Foi complicado. Aqui no hospital falaram. Não era perfeito mas deu para comunicar.
Hoje foi dada a notícia de que a sua mulher acusava a sua empresa de negligência na forma como geriu o assunto. A sua empresa foi negligente consigo?
Um dos pontos foi porque a companhia não lhe respondeu durante três dias, nem aos mails nem aos telefonemas. A companhia tem uma linha 24 horas para diversos casos mas do outro lado ninguém lhe atendeu essa linha.
Dentro do navio sentiu-se apoiado pela empresa?
Pela empresa, não. A empresa descarta quem está em isolamento. Eu senti-me um bocado abandonado pela companhia lá dentro, porque não se via acompanhamento médico. Isolaram-me dentro de uma cabine e eu acho que eles deveriam ter-me tirado daquela cabine porque se eu estava infetado, é lógico que a cabine também estaria. Poderia piorar lá dentro. Eles não tiveram essa preocupação. Deviam ter dito: “Não, vais sair desta cabine porque esta tem de ser desinfetada. Vamos-te pôr noutra limpa e vais para lá”. Em vez disso, estive quase quatro dias dentro da mesma cabine sem a cabine ser limpa. Eu tenho direito a um tripulante da companhia que vai limpar a cabine todos os dias, vai trocar as toalhas e limpar a cabine. Automaticamente eu estando em isolamento ninguém lá pode ir. Quem é que vai limpar a cabine? Eu não tenho material para a limpar. Quase quatro dias a cabine esteve sem ser limpa, sem trocar toalhas, sem trocar nada. Acho que isso pode não ter melhorado o meu estado. O sistema de como o barco orientou as coisas é que não foi bem feito. Acho que o navio aqui falhou neste sistema.
Está a sentir-se protegido e apoiado pelo Estado português?
Não sei responder, não lhe posso confirmar se sim ou não. A embaixada não me responde. Hoje de manhã mandei um e-mail à embaixada porque eu não sabia se tinha a confirmação que eu vinha para aqui. Mandei um e-mail à embaixada no sábado a perguntar se sabia quando é que eu ia sair do navio e não me responderam. Hoje voltei a mandar outro e-mail à embaixada a avisar que eu ia sair do navio, que vinha para o hospital e que queria acompanhamento da embaixada porque eu não sabia se conseguia falar com os japoneses. Até agora não recebi nenhuma resposta da embaixada. Mandei hoje de manhã esse email, noite aí em Portugal. Mandei antes de sair do navio.
Até agora não recebeu resposta nenhuma da embaixada portuguesa em Tóquio?
Não, até agora não recebi resposta nenhuma da embaixada. Não tenho qualquer informação se eles sabem sequer que eu já sai do navio e se estou num hospital ou onde estou. Eu não sei se eles receberam das autoridades japonesas a confirmação que eu ia sair. Eu precisava de apoio caso eles aqui não falassem inglês, precisava de ajuda na tradução e não recebi qualquer resposta.
Até agora ninguém diretamente ligado ao Estado português falou consigo?
Comigo não. A única pessoa que falou com a minha mulher foi o senhor Presidente da República. A única pessoa que falou comigo e que é político foi o senhor presidente da câmara da Nazaré, senhor Valter Chicharro.
Há várias opiniões que se dividem sobre o facto de o Adriano vir para Portugal e ser tratado cá ou continuar aí no Japão e ser acompanhado pelas autoridades japonesas. Se pudesse escolher, neste momento, escolheria o quê?
Acho que não sou a pessoa ideal para responder a isso porque se me perguntar se eu queria voltar para Portugal e ser tratado em Portugal, é lógico que eu ia dizer que sim. Mas eu confio plenamente nos médicos japoneses e sei que eles são muito bons nesta área ou outra qualquer mas há sempre uma barreira aqui. A primeira é logo a língua e as barreiras vão crescendo, mais isto e mais aquilo. E é lógico que eu preferia ser tratado em Portugal do que ser tratado aqui. Não sou a pessoa indicada para responder a essa pergunta mas sim, eu preferia ir para Portugal.
Mas percebe as palavras do Presidente da República quando disse que era preferível que o Adriano fosse tratado no Japão?
Eu percebo o contexto dessa resposta só não percebo o porquê dele ter sido tão rápido. Ele até poderia dizer que era uma questão a avaliar e discutida mas não, a primeira coisa que pensou foi logo: “Não”.
Tem alguma mensagem para o Presidente da República ou para o primeiro-ministro?
A única mensagem que eu queria passar ao senhor Presidente da República, que é a pessoa que mais tem estado dentro do caso, era que ele não me deixasse esquecido aqui num hospital. Porque agora passei para um hospital: está feita a vontade mas eu não queria que ele me deixasse aqui esquecido, queria que ele continuasse a acompanhar o caso. Não deixar o caso esquecido para eu não ficar esquecido no meio do quarto de hospital.
Esta madrugada foi confirmada a quarta morte de uma pessoa que foi infetada no navio Diamond Princess, o navio onde esteve até hoje. O Adriano tem medo das consequências deste vírus?
Tenho. Tenho medo porque nós sabemos que este vírus para já não tem cura. Tenho, tenho muito medo. Tenho receio do que me pode acontecer.
Faz ideia de como possa ter apanhado este vírus?
Não, não. Nem ponta de certeza. Nós cruzávamo-nos todos uns com os outros, mas não sei.
Já falou com as suas filhas sobre o porquê de estar agora num hospital?
Não, eu evito falar com elas. As duas mais novas ainda não percebem mas a mais velha, de oito anos, já vai percebendo. A minha mulher diz que o pai está doente mas não diz mais nada. Mas ela vai percebendo que algo não está bem porque todos os dias vê as televisões à porta de casa.