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SPUTNIK/AFP via Getty Images

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Entrevista com Tucker Carlson. A longa aula de propaganda do professor Putin

Presidente russo foi da Idade Média ao presente para dizer que a Ucrânia não é um país e que não quer invadir Polónia ou Letónia, apontar o dedo aos EUA e dizer que Clinton aceitava a Rússia na NATO.

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Não foi uma entrevista tradicional. A começar pela duração: foram duas horas completas, sem intervalos, em que o Presidente russo falou a seu bel-prazer, sendo interrompido poucas vezes e quase nunca confrontado com perguntas difíceis. Muito se especulou nos últimos dias se Tucker Carlson — o antigo jornalista da Fox News agora com uma rede independente ligada ao X de Elon Musk — iria conduzir uma entrevista aguerrida com Vladimir Putin, em Mosvovo, tendo em conta as suas próprias posições críticas da liderança ucraniana.

O resultado final foi sobretudo um longo monólogo do líder russo que, quase no fim, foi interrompido por uma pergunta mais confrontacional: se, “como sinal da sua decência”, estaria disponível para libertar Evan Gershkovich, o jornalista norte-americano do Wall Street Journal atualmente a ser julgado por espionagem em Moscovo. A resposta foi ambígua: um acordo é “possível”, disse Putin, se houver “reciprocidade”. Mas as acusações de que Gershkovich não estaria na Rússia a trabalhar como correspondente para um dos maiores jornais norte-americanos, mas sim como “espião” do governo de Washington, foram reforçadas.

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Tucker Carlson foi jornalista da Fox News vários anos. Atualmente tem uma plataforma independente

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Para além disso, a leste nada de novo. Numa entrevista onde nunca foi usada a palavra “guerra” (com Carlson a optar por formulações como “situação atual” ou “quando enviou tropas para a Ucrânia” — muito embora tenha mencionado claramente a expressão “conversações de paz”), Putin explanou todo o seu conhecido argumentário sobre não considerar a Ucrânia um país, a expansão da NATO e o desejo norte-americano de controlar a ordem mundial.

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Em queda livre ou finalmente livre? Quem é Tucker Carlson, o homem que vai entrevistar Vladimir Putin

A “desnazificação” do país vizinho foi a condição estabelecida para uma negociação que, garante Putin, é desejada por Moscovo. Da mesma forma que o eram a aplicação dos Acordos de Minsk, cuja “falha de implementação” por parte de Kiev foi o que justificou “os últimos eventos” (leia-se, a invasão). Faltou a Putin explicar (e a Carlson relembrar) que o impasse era mútuo, com a Ucrânia a exigir que só se realizassem eleições locais no Donbass depois da retirada de tropas pró-russas e Moscovo a afirmar que tal só poderia acontecer depois das eleições.

A Ucrânia como “Estado artificial”. Do príncipe Oleg no século IX às “razões desconhecidas” de Lenine

Mas, antes da política, veio uma aula de História. Vladimir Putin começou por justificar a atual guerra na Ucrânia recuando à Idade Média e ao povo Rus — cuja origem não é consensual entre os académicos. Seguiu-se a referência ao papel do príncipe Oleg, líder da cidade de Novgorod no século IX e conquistador de Kiev, tornando-se as duas cidades “os centros de poder da Rússia”, de acordo com Putin.

Tudo mudaria com a influência do Grão-Ducado da Lituânia, disse o Presidente russo. “Durante décadas, os polacos levaram a cabo uma ‘polaquização’ desta parte [ucraniana] da população, tentando criar-lhes a ideia de que não eram na verdade russos”, ia dizendo tranquilamente Putin. Ao fim de oito minutos de monólogo, Carlson faria a primeira interrupção: “Estou a ficar perdido. Em que parte da História estamos agora?”, perguntou.

Putin pediu para continuar. Depois de mais uma farpa aos polacos — “Eles colaboraram com Hitler, sabe?” — e de mais uma tentativa de interrupção do entrevistador (“Está a tentar provar que parte da Ucrânia é russa”, disse a certo ponto. “Porque é que não a tomou logo que se tornou Presidente?”), o líder russo chegou ao século XX e a um argumento que invoca frequentemente: a de que os primeiros a criarem a ideia da Ucrânia como Estado foram “os soviéticos”. “Lenine estabeleceu a Ucrânia desta forma. Por razões desconhecidas, os soviéticos envolveram-se na ‘ucranização’ e o mesmo foi feito noutras repúblicas soviéticas”, disse Putin, referindo várias vezes a expressão “por razões desconhecidas”.

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A invasão de larga escala da Ucrânia em fevereiro de 2022 foi justificada pelo facto de Putin não considerar a Ucrânia uma nação independente

SOPA Images/LightRocket via Gett

Depois da longa introdução, o entrevistado chegou finalmente ao ponto que pretendia justificar: “Temos todas as razões para considerar que a Ucrânia é um Estado artificial”, afirmou, dizendo que os ucranianos não são “um grupo étnico próprio”. E ao ser questionado se falou com o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, sobre a possibilidade de também devolver à Hungria parte do território ucraniano que tem uma minoria de origem húngara, Putin garantiu que “nunca”, mas acrescentou: “Não tenho dúvidas de que os húngaros que lá vivem querem regressar às suas terras históricas.”

A expansão da NATO, a CIA como um “proto-Estado” e a “muito boa relação” com Bush e Trump

Daí para a frente, praticamente todas as perguntas relacionadas com a Ucrânia redundaram num outro nome: Estados Unidos da América. Consciente da audiência que iria assistir a esta entrevista, Putin aproveitou para responsabilizar Washington (através de instrumentos como a NATO e a CIA) por tudo o que diz respeito a Kiev, usada como uma espécie de peão num confronto mais lato com a Rússia.

Um dos grandes exemplos está relacionado com a NATO. De acordo com Putin, os norte-americanos teriam garantido à Rússia que a Aliança Atlântica deixaria de ter sentido. “Fomos enganados”, sentenciou, dizendo que em vez disso se assistiu a “cinco vagas de expansão” da Aliança para leste.

"Não tem a ver com a personalidade do líder, tem a ver com o enquadramento mental da elite", disse Putin a propósito das relações com os Estados Unidos.

Perante esse cenário, diz, quando se tornou Presidente no ano 2000 tentou uma nova abordagem. “Numa reunião aqui no Kremlin com Bill Clinton, perguntei-lhe: ‘Bill, achas que se a Rússia pedisse para aderir à NATO isso aconteceria?’. Ele disse ‘Isso é interessante, acho que sim’. Mas, mais tarde, ao jantar, ele disse: ‘Falei com a minha equipa, isso agora não é possível’. Pode perguntar-lhe! Acho que ele deve estar a ver esta entrevista”, atirou Putin com um sorriso, antes de também anunciar que Bush pai estava disponível para assinar consigo um tratado que foi uma vez mais barrado “pela equipa”.

Daí para a frente, assegurou o líder russo, os Estados Unidos foram aumentando os desafios. A CIA terá confirmado num documento enviado ao próprio Kremlin que financiou e até deu apoio militar aos separatistas chechenos, apesar de “o Presidente” (Clinton? George W. Bush? Não sabemos) estar contra. Na cimeira de Bucareste (2008), a França e a Alemanha estariam disponíveis para impedir uma adesão de Ucrânia e Geórgia — país sobre o qual não houve qualquer desenvolvimento durante a entrevista, apesar da invasão russa desse mesmo ano — à NATO mas cederam (muito embora nada tenha ficado decidido naquela cimeira), confirmando a Putin que foram “pressionados” pelo próprio George W. Bush. “É um jardim de infância”, comentou o Presidente russo.

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Vladimir Putin falou da relação com vários Presidentes norte-americanos

AFP via Getty Images

Isto apesar da “muito boa relação” que o Presidente russo diz ter mantido com Bush, “tal como com Trump”. “Não tem a ver com a personalidade do líder, tem a ver com o enquadramento mental da elite”, disse, a propósito das relações com os Estados Unidos. Esta tese também foi sendo explanada, com Carlson a fazer várias perguntas sobre isso: os EUA são um país “complicado”, onde “alguém pode ser impedido de concorrer a eleições por um estado” (numa referência ao processo que decorre atualmente no Supremo Tribunal contra a candidatura de Donald Trump no estado do Colorado) e onde, na sequência da Guerra Fria, foram criadas “agências que são proto-Estados”.

Uma mensagem semelhante à propagada por vezes pelo próprio Trump, que denuncia um suposto “deep State” que controla verdadeiramente o país e a presidência. Putin, provavelmente de olho no que se passa do outro lado do Atlântico, parece disposto a assinar por baixo e a responsabilizar a CIA por quase tudo o que acha estar errado na América.

Acordo de paz? Sim, mas só com “desnazificação”. E a divisão de território? Não sabemos

A CIA foi também invocada uma vez mais ao longo da entrevista para justificar a Revolução da Maidan, em Kiev, no ano de 2014, que Putin retrata como “um golpe de Estado”. “A CIA, a organização a que você se quis um dia juntar”, notou entre risos o Presidente a Tucker Carlson nesse momento. A ambição de se tornar parte dos serviços secretos do país não é uma noção estranha a Vladimir Putin, que desde adolescente sonhava ser agente do KGB e acabou por não só trabalhar na agência, como chegou a liderar a organização que lhe sucedeu, o FSB.

Mas apesar de retratar a Ucrânia e Volodymyr Zelensky como marionetas nas mãos dos norte-americanos, na verdade Putin pôs nas mãos de Kiev o possível fim da guerra: bastaria o país aceitar uma total “desnazificação”, uma proibição de existirem partidos e organizações “neo-nazis” no país, algo que afirma ter sido incluído num possível acordo negociado em Istambul, nos primeiros dias da guerra, e que terá estado à beira de ter sido assinado.

"[Zelensky] percebeu que é melhor não chocar com os neo-nazis. E os EUA apoiam os neo-nazis e vão sempre apoiar aqueles que antagonizam a Rússia. Portanto, ele também assumiu uma posição antagonista."

A justificação para tal não ter avançado é um misto de influência ocidental e responsabilidade de Zelensky. “A Alemanha e a França disseram ‘Como é que [Zelensky] pode assinar um tratado com uma arma apontada à cabeça? Saia de Kiev’. E foi o que fizemos“, afirmou Putin, justificando assim a retirada da capital ucraniana como sendo um gesto de boa-vontade negocial e não uma derrota militar — mais à frente, acusou Boris Johnson de ter feito o Presidente ucraniano recuar no suposto acordo.

Já quanto à alegada falta de vontade do Presidente ucraniano — ele próprio judeu e, como relembrou Putin, filho de um homem que combateu o nazismo — de “desnazificar” a Ucrânia, Putin deu a seguinte explicação: “Ele percebeu que é melhor não chocar com os neo-nazis”, disse. “E os EUA apoiam os neo-nazis e vão sempre apoiar aqueles que antagonizam a Rússia. Portanto, ele também assumiu uma posição antagonista.”

No meio dos disparos aos Estados Unidos e à liderança ucraniana, Vladimir Putin aproveitou a entrevista a Tucker Carlson para reforçar que continua disponível para assinar um acordo de paz. “Eles acabaram com as negociações. Foi um erro? Foi. Corrijam-no”, disse. “Há opções se houver vontade.”

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Putin disse-se disponível para um acordo de paz, se a "desnazificação" da Ucrânia ocorrer

POOL/AFP via Getty Images

Resta saber que opções estão exatamente em cima da mesa, já que Putin falou amplamente sobre a “desnazificação” da Ucrânia, mas nunca afirmou a sua posição relativamente aos territórios ucranianos ocupados pela Rússia (e entretanto reconhecidos por Moscovo como repúblicas independentes integradas na Federação Russa). O entrevistador não perguntou — da mesma forma que não confrontou o Presidente sobre se a sua garantia de que não tenciona invadir países como “a Polónia e a Letónia” é tão firme como quando aquela que o seu país deu a propósito da Ucrânia semanas antes da invasão de larga escala de fevereiro de 2022.

No final, foi o próprio entrevistado a por fim à entrevista, com o professor Putin a considerar que duas horas da sua aula tinham sido suficientes. “Podemos acabar aqui ou há mais alguma coisa?”, perguntou. “Não, acho que está óptimo. Obrigado, senhor Presidente”, respondeu Tucker Carlson.

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