A Pfizer acredita que a sua vacina contra a Covid-19, criada em parceria com a alemã BioNTech, será aprovada já em meados de dezembro e que a partir desse momento estará em condições de dar início à distribuição. Isso não significa, contudo, que a vacina comece logo a ser administrada às populações. Isso irá depender da concretização do plano de vacinação de cada país. Ainda assim, Paulo Teixeira, diretor-geral da Pfizer Portugal, espera que seja possível começar a vacinar os portugueses logo a partir de janeiro. Uma coisa é certa: enquanto não houver aprovação, não haverá distribuição.
Em entrevista ao Observador, o responsável e a diretora médica da Pfizer Portugal, Susana Marques, dizem que já estão a decorrer conversações com as autoridades portuguesas para se tratar de toda a logística relativamente a esta vacina, que implica um armazenamento a temperaturas inferiores a -70ºC. A distribuição será da responsabilidade da Pfizer, mas cabe às autoridades de saúde definir quais os locais em concreto, o que ainda não aconteceu. Tal como ainda não se estabeleceram os sítios onde a vacina ficará guardada.
Tanto Paulo Teixeira como Susana Marques assumem que foi um risco produzir-se uma vacina que ainda não teve luz verde por parte das autoridades regulamentares — já há 20 milhões de doses produzidas —, mas era a única solução para a conseguir fazer chegar o quanto antes às pessoas. Se tudo correr mal? O prejuízo fica para a empresa, garantem.
A vacina da Pfizer foi criada em oito meses, quando teria demorado entre 10 a 15 anos numa época normal, em parte graças à tecnologia que foi utilizada, o RNA mensageiro. E os resultados não podiam ser mais animadores: 95% de eficácia na população total do estudo, sendo que só nas pessoas com mais de 65 anos a eficácia é superior a 94%, e a vacina parece prevenir casos graves de Covid-19. A imunidade, no entanto, ainda não é certa. Será necessário acompanhar as cerca de 44 mil pessoas que participaram no ensaio clínico e fazer um estudo à população em geral depois de se começar a vacinação em massa.
Quando é que a vacina contra a Covid-19 da Pfizer estará disponível para ser administrada em Portugal?
Paulo Teixeira (PT): A Pfizer e a BioNTech apresentaram muito recentemente a conclusão da fase 3 do ensaio que estava a decorrer com 44 mil participantes, na qual apresentámos os resultados de eficácia de 95%. No que diz respeito à segurança, a vacina mostrou para já ser segura e os efeitos secundários que foram manifestados durante os ensaios clínicos foram perfeitamente enquadrados dentro daquilo que é o normal e não surgiu nenhum efeito secundário grave. Tendo em consideração a apresentação destes resultados, a Pfizer e a BioNTech submeteram no dia 20 de novembro o pedido de utilização de emergência às autoridades americanas, à FDA [sigla inglesa de Food and Drug Administration]. Na Europa, já desde o início de outubro que a Agência Europeia do Medicamento estava a avaliar. A Pfizer e a BioNTech já tinham submetido o pedido de avaliação desta vacina por via de um procedimento diferente das autoridades americanas, que é um rolling submission, ou seja, à medida que os dados vão sendo disponibilizados, a Agência Europeia do Medicamento vai fazendo a avaliação da vacinas.
Isso quer dizer que os Estados Unidos podem receber as vacinas primeiro do que a Europa?
PT: Nós não sabemos exatamente os timings em que quer a FDA, quer a Agência Europeia do Medicamento se irão pronunciar relativamente à vacina. A nossa expectativa é que durante a segunda metade de dezembro ambas deem a aprovação da vacina.
A Pfizer não vai submeter o mesmo pedido que fez à FDA à EMA [sigla inglesa da Agência Europeia do Medicamento]?
Susana Marques (SM): A EMA não tem o procedimento que a FDA tem de autorização de utilização de emergência, mas criou este rolling submission. Nós já tínhamos feito a submissão para este processo e já estávamos a dar todos os dados à EMA.
Tendo em conta que se prevê que em meados de dezembro haja uma aprovação ou uma avaliação…
PT: É mesmo uma aprovação.
Volto a fazer a mesma pergunta: tendo em conta este timing, quando acham que a vacina estará disponível para ser administrada em Portugal?
PT: Partindo do princípio que a vacina é aprovada durante a segunda metade de dezembro, a Pfizer e a BioNTech estarão em condições a partir desse momento começar a distribuir as vacinas para os diferentes Estados-membros. Também muito recentemente foi efetuado um contrato entre a Comissão Europeia e a Pfizer/BioNTech para o fornecimento de 200 milhões de doses com a possibilidade de se estender para mais 100 milhões de doses durante todo o ano de 2021. Ou melhor, a partir do momento em a vacina for aprovada.
Portanto, logo em dezembro? Ou mais para o início do ano?
PT: Se as vacinas forem aprovadas ainda no decorrer do mês de dezembro, pode ser que haja a possibilidade de começarem a ser distribuídas ainda em dezembro. Não significa isto que se possa iniciar desde já o processo de vacinação. Isso dependerá naturalmente de todos os procedimentos das autoridades de saúde locais, com vista a concretizarem os seus planos de vacinação. Nós sabemos que há vários países que apresentaram os seus planos de vacinação. Em Portugal, as autoridades de saúde — e nomeadamente a senhora ministra da Saúde — disseram publicamente que no início de dezembro irão apresentar também o plano de vacinação relativo a estas vacinas, portanto a nossa expectativa é que a partir de janeiro as pessoas possam começar a ser vacinadas.
SM: Nós temos planeada a produção de 50 milhões de doses ainda este ano, das quais 20 milhões já estão produzidas. O número hoje até já pode ter sido atualizado, mas já há [pelo menos] 20 milhões de doses de vacinas produzidas em três fabricas dos Estados Unidos da Pfizer e em fábricas da BioNTech na Alemanha e da Pfizer na Bélgica. As que irão para os Estados-membros da União Europeia serão provenientes destas fábricas na Europa. O Paulo Teixeira já tem tido reuniões com as autoridades portuguesas também para discutir a logística para Portugal e, quando o plano português estiver terminado, a partir do momento em que as vacinas estejam aprovadas, o nosso compromisso e a nossa obrigação é estarmos prontos para distribuir as vacinas. Temos é de ter acordado para onde as vacinas vão ser transportadas e quais vão ser os centros de vacinação.
Faz sentido estar a fazer já esta produção em massa tendo em conta que ainda não há uma autorização?
PT: Faz sentido. A Pfizer e a BioNTech decidiram já desde finais de julho começar por sua conta e risco a produzir esta vacina, porque era a única maneira de garantir que, a partir do momento em que a vacina esteja aprovada, se consiga de facto começar a distribuí-la. Se um fabricante estiver à espera que venha a aprovação por parte das autoridades regulamentares para começar a produzir a vacina, só passado alguns meses é que vai ser possível começar a fazer esta distribuição — e aqui estamos perante uma situação de emergência. Estamos todos a viver uma situação de pandemia que obriga à tomada de decisões de risco e de emergência com vista a procurarmos resolver esta situação o mais depressa possível.
Se a vacina não for aprovada o que é que acontece? As vacinas vão para o lixo? Quem paga a fatura?
PT: Paga a companhia, como é óbvio. A Pfizer, juntamente com o seu parceiro, decidiu por sua conta e risco começar a produzir esta vacina, porque naturalmente tem confiança no seu desenvolvimento, na sua eficácia e na sua segurança. E, felizmente, tudo aponta para que isso [a aprovação] vá suceder. Agora, se houvesse algum percalço e se a vacina acabasse por não ser aprovada, naturalmente isso significaria que tudo isto era desperdício, teria que ir para o lixo.
SM: A Pfizer não obteve nenhum financiamento público para o desenvolvimento desta vacina, portanto o investimento da parte da Pfizer nesta colaboração com a BioNTech foi da exclusiva responsabilidade da Pfizer. Nós estimamos que até à data já tenham sido investidos à volta de dois mil milhões de dólares para a investigação e produção desta vacina em oito meses, que é algo que nunca tinha sido feito. Foram de facto tempos extraordinários, que exigiram medidas extraordinárias de risco da nossa parte e das outras companhias. Não somos os únicos, mas nós decididamente investimos e fizemos algo que nunca tínhamos feito. Nós começámos a investigar quatro vacinas em simultâneo.
Como assim?
SM: Logo na fase inicial, a partir de abril/maio, nos nossos primeiros ensaios clínicos, ainda de fase 1, investigámos em paralelo quatro vacinas e não apenas uma. Tinham diferentes doses, diferentes misturas de antigénio, de RNA mensageiro, e, com base nos resultado dessas quatro, decidimos avançar depois para a fase 2/3 com uma candidata que agora está a ser submetida às autoridades. Isto em situações normais nunca aconteceria. Nós enquanto companhia temos 138 anos de experiência a investigar e desenvolver vacinas, nunca tínhamos feito isto. Mais nenhuma companhia provavelmente alguma vez fez isto no passado, porque isto de facto é muito arriscado. Habitualmente, aquilo que faríamos seria investigar uma vacina para aquele micro-organismo — se achássemos que não resultava, que havia algum problema dos anticorpos, da segurança, experimentávamos uma outra dose, ou fazíamos ajustes de doses. Agora, investigar em simultâneo quatro vacinas foi algo completamente único. E todo este investimento — começar a produzir sem sequer ter os resultados de fase 3, sem sequer submetermos [às autoridades regulamentares] e sem sequer saber se a vacina iria ou não ter hipótese de ser aprovada — também foi algo de único, que em circunstâncias normais não aconteceria.
PT: Normalmente o que acontece é produzir apenas e só as quantidades necessárias para os ensaios clínicos.
E só depois haveria a tal produção em massa que já fizeram.
PT: Exatamente. Neste caso, como estamos a falar de uma situação excecional, obviamente requereu medidas excecionais. A Pfizer não foi a única companhia a fazer isto, porque há outras que fizeram o mesmo, mas só assim é possível disponibilizarmos até ao final de dezembro 50 milhões de doses.
O primeiro-ministro português disse que as primeiras vacinas contra a Covid-19 chegariam em janeiro. Se a aprovação não chegar até janeiro, a Pfizer poderá enviar na mesma alguns lotes de vacinas, já que elas existem, para o país enquanto aguarda essa aprovação?
PT: A distribuição só será feita a partir do momento em que a vacina esteja aprovada. Todos estes procedimentos de que temos estado a falar acontecem não apenas para as empresas farmacêuticas, mas estão a acontecer também para as próprias autoridades regulamentares. Está a assistir-se aqui a um processo de aceleração também na revisão e na avaliação, com uma rapidez sem precedentes, porque estamos a falar de uma situação de emergência, portanto é expectável que a aprovação aconteça até ao final do ano. Se eventualmente se atrasar isso significará que só a partir do momento em que a vacina estiver devidamente aprovada é que passará a ser disponibilizada.
A Comissão Europeia já comprou 200 milhões de doses, os Estados Unidos 600 milhões e o Reino Unido 30 milhões. A Pfizer prevê que haja uma corrida às vacinas assim que houver uma aprovação? Haverá quem receba primeiro as vacinas ou elas vão ser distribuídas de uma forma equitativa pelos diferentes compradores?
PT: Em primeiro lugar, a Pfizer e o seu parceiro irão honrar os seus compromissos e obviamente que os países que já celebraram contrato serão naturalmente os que irão receber a vacina. Adicionalmente, a Pfizer participa em algumas organizações, nomeadamente a GAVI, a Aliança Global para a Vacinação, uma organização que está agora a ser liderada por Durão Barroso com o objetivo de permitir que países em vias de desenvolvimento e com mais dificuldades económicas também não fiquem para trás. No caso específico da Europa, o acordo que foi celebrado vai permitir que, a partir do momento em que a vacina for aprovada, ela seja distribuída de uma forma equitativa por todos os países, dependendo da sua dimensão. Não é expectável que um país receba em primeiro lugar e Portugal só venha a receber passado mais tempo. Naturalmente que estamos aqui a falar no processo de distribuição da vacina, a questão da vacinação é outra coisa. Isso aí depende das próprias autoridades de saúde.
Mas não foi só a Europa que comprou vacinas, temos também os Estados Unidos e o Reino Unido. É uma grande quantidade de vacinas para distribuir. Como é que vai ser feito?
PT: Conseguimos disponibilizar 50 milhões de doses até ao final de dezembro e depois 1.3 mil milhões de doses durante todo o ano de 2021. Nós temos noção de que estas doses não servem para vacinar toda a população, por isso é que também existem outras vacinas. A própria Comissão Europeia já chegou a acordo com várias vacinas. Aquilo que é expectável é que, inclusive para Portugal, venham outras vacinas para além da vacina da Pfizer. Todo este esforço conjunto — e partindo do princípio que todas as vacinas sejam aprovadas — irá permitir que se consiga disponibilizar de uma forma mais massificada essas vacinas a grande parte da população mundial.
Tendo em conta que estas doses não vão servir para vacinar toda a população, está prevista uma nova compra de vacinas da Pfizer por parte da Comissão Europeia?
PT: Tirando o contrato que existe destas 200 milhões de doses iniciais com a possibilidade de estender para mais 100 milhões, para já não estão previstas mais quantidades, o que não quer dizer que não venha a acontecer.
Há pouco falou na conclusão da fase 3 do estudo da vacina. Ainda assim continuam a decorrer ensaios? O que é que ainda está a ser feito e o que falta para o estudo estar concluído?
SM: A análise final de eficácia está concluída. Em duas semanas consecutivas ouviram-se resultados diferentes da vacina, o que aconteceu foi que estas cerca de 44 mil pessoas foram divididas em dois braços do ensaio: metade das pessoas recebia a vacina ativa — a vacina que estávamos a estudar — e a outra metade recebia um placebo. Isto em dupla ocultação, ou seja, nem os voluntários nem os investigadores sabiam sabiam qual era a vacina e qual era o placebo. Isto depois tem códigos e só uns comités independentes é que têm acesso a esses códigos. As pessoas foram vacinadas e foram seguidas ao longo das semanas. O ensaio requeria que fossem alcançados um determinado número de casos de Covid-19 para ser dado por terminado, verificando-se depois qual foi a eficácia. Ou seja, quantos casos de doença ocorreram em quem recebeu a vacina ativa ou em quem recebeu o placebo. Além da análise final, estavam também previstas análises interinas, ou seja, análises intermediárias para os comités independentes avaliarem. O que aconteceu foi que nós chegámos a um ponto em que atingimos, e até ultrapassámos, o número de casos para uma análise interina, que foi quando tivemos os 94 casos de doença. Das 44 mil pessoas vacinadas, esperou-se algumas semanas até se terem 94 casos de doenças e aí verificou-se desses casos quantos tinham acontecido em quem tinha feito a vacina ativa e em quem tinha feito o placebo.
Como é que estas pessoas ficaram doentes?
SM: As pessoas que participam no ensaio clínico têm indicação para fazerem a sua vida normal, de acordo com as recomendações de cada país. O distanciamento social, se há teletrabalho ou não…
Não estiveram mais expostas a riscos?
SM: Não, as pessoas estão expostas aos riscos do seu país. Naturalmente, estes ensaios clínicos ocorreram essencialmente em países em que, nessa fase, há uns meses, havia muita doença. Não é por acaso que foram selecionados países como os Estados Unidos e o Brasil.
Foi porque a probabilidade de as pessoas ficarem doentes era maior?
SM: [Ficarem doentes] naturalmente, ou seja, sem serem expostas artificialmente a nenhum risco. Foram analisados os 94 casos e verificou-se que a eficácia era superior a 90%. No entanto, esse não era o objetivo final do estudo. O objetivo era termos à volta de 170 casos [de doença]. O que aconteceu foi que, de uma semana para a outra, passou-se dos 94 para os 170 casos. Foi muito mais rápido chegar dos 94 aos 170 do que chegar aos 94, mas nós somos alheios a isso, porque o ensaio clínico que decorre em seis países depende das taxas de infeção, depende se aquelas pessoas apanham a doença ou não.
Daí numa semana terem anunciado os 90% de eficácia e uma semana depois já os 95%.
SM: Exatamente, na semana seguinte foram atingidos 170 casos de doença. Aquilo que o comité verificou foi que 162 pessoas que tiveram a doença tinham recebido placebo e oito pessoas tinham recebido vacina ativa — e assim se determinou que a vacina tem uma eficácia de 95%. Isto para a população total do estudo, porque quando se faz a análise só de pessoas acima dos 65 anos a eficácia é superior a 94%. O estudo começou a partir dos 18 anos de idade, depois estendeu-se para os 16 anos e na fase final do estudo também conseguimos ter autorização para recrutar adolescentes a partir dos 12 anos, embora em muito menor número. A análise de eficácia da vacina está terminada. Esta análise de 95% de eficácia é obtida sete dias depois da segunda dose, são 28 dias depois da primeira dose. O que é que continua a ser estudado? Para além das análises que ainda estamos a fazer, as pessoas ainda continuam a ser monitorizadas para segurança. Os dados de segurança já foram submetidos às autoridades, nós sabemos que não houve nenhum sinal de alarme de segurança. Nunca ouviu falar que o ensaio tivesse sido interrompido.
Como é que se determina a segurança da vacina?
SM: As pessoa têm indicação para estarem constantemente a enviar os seus diários de efeitos secundários. Quando as pessoas participam num ensaio clínico tudo é considerado efeito secundário. Qualquer dor de cabeça, qualquer dor muscular, desde as coisas mais plausíveis de serem atribuídas à vacinação, como a dor no local de administração, como por exemplo ser atropelada, isso é considerado um efeito secundário. Quando são efeitos secundários graves, há logo um sinal de alarme, o ensaio é suspenso para sinalizar a história da pessoa que teve aquele efeito secundário muito grave. Isso aconteceu noutros ensaios de outras vacinas, no nosso caso não tivemos nenhum desses sinais de alerta de segurança. Dos dados de segurança que temos sabemos que destas quase 44 mil pessoas, os efeitos secundários mais graves — são considerados de grau 3 — superiores a 2% das pessoas estudadas foram a fadiga e as dores de cabeça.
Isso foi na população geral ou mais numa faixa etária do que noutra?
SM: Isto são dados gerais. Há muitos dados para serem analisados, mas sabemos que a população mais idosa parece ter um perfil mais favorável. Ou seja, parece não existirem tantos efeitos secundários nas pessoas mais idosas dentro dos escalões etários dos estudos.
A vacina da Pfizer é eficaz em todas as faixas etárias ou é mais eficaz numa faixa etária do que noutras?
SM: Os resultados que já estão disponíveis para analisarmos são os 95% na população geral do estudo, que tem pessoas a partir dos 12 anos de idade e os mais de 94% acima dos 65 anos. Aquilo que já sabemos é que estes dados são consistentes independentemente dos grupos etários, dentro dos subescalões etários dos estudos, e são consistentes com as várias raças e etnias. Houve uma grande diversidade em termos raciais e étnicos no estudo, o que também foi importante. Destas 44 mil pessoas, 41% tinham idades entre os 56 e os 85 anos e 42% da população global eram de raça asiática, negra, hispânica, latina e há também uma percentagem pequena dos americanos nativos. Ainda não lhe sei dizer resultados de eficácia entre os 25 e os 35 anos, por exemplo, esse tipo de granularidade dos dados ainda não está acessível, mas como é óbvio as autoridades já estão a ter esses dados. Sabemos também que foram incluídas no ensaio pessoas com doenças crónicas estáveis, portanto no ensaio de fase 2 e 3 tivemos pessoas com alguns graus de imunossupressão, como pessoas com infeção por VIH, hepatite B ou hepatite C.
Há provas de que a vacina previne que os doentes desenvolvam uma forma grave da doença. A vacina consegue prevenir por completo a Covid-19? O que já se sabe sobre isto?
SM: Sabemos que nestas quase 44 mil pessoas, houve dez casos graves de Covid-19. Nesses dez casos graves, nove tinham recebido placebo e um tinha recebido a vacina.
E já se sabe se a vacina pode fazer com que uma pessoa fique assintomática, mas mesmo assim transmita a doença? Já se sabe se, caso uma pessoa contraia o vírus mesmo depois de ser vacinada consegue transmitir o vírus da mesma forma? Há já estes pormenores?
SM: Há já resultados preliminares. Ainda são dados muito preliminares e até são estudos laboratoriais em primatas que apontam que esta vacina tem capacidade de fazer clearance nasal do vírus em primatas . Ou seja, consegue através de imunidade nas mucosas que o nosso sistema imunitário destrua o vírus no nosso trato respiratório. Se isso se comprovar nos humanos significa que a vacina espoleta uma imunidade que vai destruir o vírus no nosso trato respiratório, que irá impedir ou limitar muito a transmissão. Mas são ainda dados preliminares.
Já há alguma ideia do prazo de imunidade que esta vacina confere? As pessoas vão ter de ser vacinadas todos os anos, como se faz para a gripe?
SM: Há dois aspetos principais que podem influenciar essa resposta. O primeiro é se o vírus se vai manter estável ou se vai sofrer mutações importantes, porque no caso da gripe esse é o aspeto essencial que determina que tenhamos que ser vacinados todos os anos — o vírus está sempre a mudar. Pode acontecer ou não com o coronavírus, não sabemos. Se acontecer, naturalmente têm de se desenhar vacinas adaptadas às novas mutações. A vantagen da nova tecnologia que a Pfizer e a BioNTech utilizam, do RNA mensageiro, é que se isso vier a acontecer e se se alterar significativamente a tal proteína que nós utilizamos na vacina para haver imunidade a essa proteína espigão do vírus, também sabemos que, se for necessário, rapidamente se desenha uma nova vacina com a sequenciação genética dessa mutação. É uma questão de semanas.
É uma adaptação fácil, é isso?
SM: Esta tecnologia, nesse aspeto, é muito flexível e rápida. Um dos apetos é este do vírus, nós não sabemos se o vírus poderá sofrer mutações importantes — pode sofrer outras que não alterem a proteína. Outro aspeto relevante é a duração da imunidade mantendo-se o vírus [estável]. Ainda não temos respostas para a duração da imunidade. Naturalmente, isso vai ser alvo de estudos, particularmente a partir do momento em que se começar a vacinação massiva. Quando começarmos a vacinar milhões de pessoas vai-se estudar não só os anticorpos, mas também se os anticorpos são funcionais e se há proteção para a doença e durante quanto tempo. Isto acontece com muitas vacinas, mesmo em processos absolutamente normais. Tradicionalmente, quando as vacinas são aprovadas não se sabe a duração da imunidade. A duração da imunidade é estabelecida com base no histórico dos anos que tivermos de ensaios clínicos, que neste caso são só meses, mais o pós-vacinação geral. Só assim se determina a imunidade.
Isto implica um acompanhamento das pessoas que foram vacinadas, é isso?
SM: Implica um acompanhamento não só das pessoas que foram vacinadas no ensaio clínico que está a decorrer, destas tais 44 mil pessoas, como estudos específicos com populações que vão ser vacinadas. Há várias formas de se fazer esse acompanhamento. Um deles é fazer-se estudos específicos de doseamento de anticorpos e de seguimento de doença em grupos de pessoas específicos, outra coisa é fazer-se também essa avaliação do ponto de vista puramente observacional, que é determinar se a partir do momento em que se vacina a população e percentagens progressivamente crescentes da população se a doença baixa ou não e de que forma, e se a doença se mantém reduzida ou não.
Podemos dizer então que o estudo está concluído ou uma vez que estas pessoas ainda vão ser acompanhadas não podemos falar em conclusão?
SM: O estudo só fecha quando terminar a monitorização. A parte da segurança vai decorrer durante pelo menos mais 24 meses.
Tendo em conta que já está finalizada esta fase 3 do ensaio, não podem ocorrer alterações relativamente aos resultados?
SM: Aos de eficácia, não. A única coisa que vai sendo depois atualizada é o perfil de segurança.
Como é que a Pfizer e a BioNTech construíram esta vacina? Quais foram os desafios em fazer uma vacina contra a Covid-19 em plena pandemia e em tão pouco tempo?
SM: A Pfizer já tinha uma colaboração com a BioNTech desde 2018. Esta empresa alemã estava há mais de uma década a estudar e a tentar desenvolver vacinas com base nesta tecnologia, de RNA mensageiro. Nós juntámos esforços para desenvolver uma vacina universal contra a gripe, que está em desenvolvimento, com base nesta tecnologia de RNA mensageiro. Estávamos a trabalhar com a BioNTech quando surgiu a pandemia e começámos a analisar que esta tecnologia do RNA mensageiro poderia ser experimentada para o SARS-CoV-2. Para desenhar uma vacina para o SARS-CoV-2 precisávamos da sequenciação genética e em janeiro os laboratórios chineses publicaram o genoma do vírus. A partir do momento em que tivemos o genoma completo do vírus, os nossos cientistas começaram a pensar no que é importante para este vírus e como é que se poderia criar uma vacina em que as pessoas ganhassem imunidade contra essa parte do vírus. Determinámos que há quatro proteínas estruturais muito importantes neste vírus e uma delas é a proteína espigão, que é a proteína que o vírus utiliza para se ligar às células que quer infetar. O vírus entra nas nossas células e provoca a infeção e a doença. Então, determinámos qual era a sequência genética para essa proteína, fizemos o RNA mensageiro para dar instrução para a produção dessa proteína. A vacina é um cordão de RNA mensageiro que tem um envelope de gordura. Nós administramos isto às pessoas, as nossas células captam esta informação e este RNA mensageiro dá instruções às nossas células para produzirem a proteína do vírus. Nós é que produzimos a vacina dentro do nosso corpo. Nós produzimos só a proteína do vírus, não produzimos mais nada do vírus, mostramos à superfície das nossas células e o nosso sistema imunitário deteta que aquilo não é uma proteína humana.
E que não é suposto estar ali…
SM: … E, como tal, desenvolve anticorpos para destruir aquela proteína que não é humana. Ao mesmo tempo, produz também anticorpos de memória. Quando uma pessoa que foi vacinada voltar a entrar em contacto com o vírus, ele vai entrar no organismo com a sua proteína, vai tentar ligar-se às células, mas o sistema imunitário já vai ter anticorpos contra aquela proteína, porque tem memória. As vacinas utilizam essa capacidade do nosso sistema imunitário. Isto parece muito simples e pode de facto abrir caminho ao desenho de novas vacinas para o futuro. É uma tecnologia que nunca tinha sido utilizada até ao fim. A BioNTech já tinha muita experiência a tentar desenvolver vacinas e, com esta colaboração entre a BioNTech e a Pfizer, conseguiu-se desenhar uma vacina que até agora tem sido bem sucedida.
Numa altura normal quanto tempo é que isto teria demorado?
SM: Demoraria entre 10 a 15 anos.
Portanto, em oito meses desenvolveu-se uma vacina que demoraria 10 a 15 anos a ser feita em tempo normal.
SM: Sim. Esta tecnologia permite desenhar uma vacina em semanas. Se nós estivéssemos a trabalhar com uma vacina que demorasse dois anos a ser produzida, mesmo para começar os ensaios clínicos, teríamos de esperar dois anos, porque para começar os ensaios clínicos nós precisamos de ter a vacina produzida.
A própria tecnologia favoreceu esta velocidade?
PT: Exatamente.
SM: É um grande fator, para além de todos os outros, como a articulação com as autoridades regulamentares, com quem passámos a ter reuniões por Zoom ou por Teams. Não efoi preciso solicitar reuniões presenciais, que às vezes se demora meses e semanas a obter. O próprio desenho do ensaio clínico, foi-se adaptando. Há aqui um grande conjunto de fatores, senão não seria possível. Uma coisa é certa para todas as companhias que estão a desenvolver a vacina: os ensaios clínicos decorreram com os mesmo padrões de qualidade que todos nós somos obrigados a cumprir e fazemos questão de ter segurança para os participantes, de ter avaliações de segurança, de ter avaliações de eficácia. Tudo isso se mantém, o que se conseguiu acelerar foi tudo o resto.
Houve alguma coisa que tivesse sido dificultado pelo facto de estarmos em plena pandemia?
PT: Houve um desafio muito grande para conseguir encontrar a matéria-prima necessária, em larga escala, para a produção da vacina.
Como assim?
PT: A produção da vacina requer componentes como frascos, para se poder armazenar, e seringas. Uma pandemia que afeta o mundo inteiro naturalmente fez com que muitos fornecedores também tivessem sido afetados. Houve depois também uma procura muito grande de muitos fabricantes e isso criou desafios adicionais em termos logísticos para conseguir adquirir as matérias-primas necessárias para que tudo corresse da melhor forma. Felizmente isso conseguiu fazer-se, mas foi de facto com muito esforço e a ultrapassar muitas dificuldades que iam ocorrendo se calhar numa base diária.
Disse que as vacinas da Pfizer que chegassem aos vários países da Europa viriam da Alemanha e da Bélgica. Como é que esta vacina chega até Portugal? De avião? Em camiões?
PT: Tendo em consideração as doses a que vão ter direito, cada Estado-membro tem que efetuar as encomendas quer à Pfizer quer à BioNTech para que elas depois sejam distribuídas. Relativamente ao procedimento, se elas virão de avião ou se virão de camião, isso ainda não está totalmente definido. Eu diria que é provável que possam acontecer várias situações.
E em Portugal como vai ser feita a distribuição? Vai ficar a vosso cargo ou do Governo?
PT: A nossa responsabilidade é fazer a distribuição das vacinas nos locais acordados com a autoridades de saúde.
E já estão definidos esses locais?
PT: Ainda não estão definidos. Continuamos a articular-nos com as autoridades de saúde para se definir exatamente quais são os locais para os quais as vacinas serão distribuídas. Haverá seguramente alguns locais, mas depois competirá às autoridades de saúde fazer todo o processo.
Há pouco dizia que estava em conversações com o Governo…
PT: Nós fomos contactados pelas autoridades de saúde no sentido de colaborar, de agilizar todo este processo logístico.
Até porque há o desafio de o armazenamento desta vacina implicar temperaturas muito baixas, estamos a falar de 70 graus negativos. Isso vai implicar, deduzo, um armazenamento específico. Como é que isto vai ser feito? A Pfizer tem armazéns em Portugal? Já pensaram numa solução ou isso está a ser pensado com a autoridades portuguesas?
PT: Isso foi naturalmente pensado. A vacina vai ser distribuída em todos os países numas caixas térmicas que foram desenvolvidas especificamente para isso. Essas caixas permitem a conservação das vacinas até aos 70 graus negativos e permitem a estabilidade da vacina até 15 dias.
Desde que estejam fechadas?
PT: Elas podem ser abertas e pode haver uma substituição de gelo seco até três vezes. Elas permitem uma conservação durante 10 dias; depois há a possibilidade de estender durante mais cinco dias substituindo o gelo seco até três vezes; e há também hipótese de conservar essas vacinas num frigorífico numa temperatura entre 2ºC a 8ºC durante mais até cinco dias. Estamos a falar numa período até 20 dias, desde o momento em que a vacina é colocada nessa caixas térmicas até ao momento em que terá de ser administrada.
Pfizer plans to bypass distribution wholesalers and has designed its own box to be stocked with dry ice for transporting its potential vaccine so the it won’t have to use traditional refrigerated containers for the temperature-sensitive cargo. https://t.co/0BN623ge0U via @WSJ pic.twitter.com/IPQ3SNkLd7
— Paul Page (@PaulPage) November 9, 2020
Isso não terá de implicar arranjar sítios específicos para guardar as vacinas?
PT: É natural que sim. As autoridades de saúde estão a tratar disso com vista a fazer esse armazenamento e a assegurar que durante aquele período se consiga fazer a administração, até porque temos a primeira e a segunda dose.
Mas o intervalo entre as duas doses são 21 dias, portanto vai implicar, mesmo com estas caixas, um armazenamento.
PT: Isso está a ser considerado.
Mas não está definido, é isso?
PT: Está a ser equacionado por parte das autoridades de saúde que têm locais para que a vacina [seja conservada].
Já foram definidos esses locais?
PT: Estão a ser estudados e existe essa capacidade por parte das autoridades de saúde de poder fazer esse armazenamento.
Foi também anunciado que a Pfizer está a trabalhar numa versão em pó da vacina.
PT: É uma versão liofilizada, não vai requerer este armazenamento a temperaturas negativas, mas a nossa expectativa é que possa vir a ser dispensada ou usada mais para finais de 2021. Vai ter de passar por um processo de ensaio clínico e tem de ser aprovada pelas autoridades regulamentares para que possa ser usada. Não é expectável que esta versão liofilizada possa estar disponível durante os próximos meses e possa substituir esta vacina que irá começar a ser disponibilizada tão depressa quanto possível.
A vacina da Universidade de Oxford vai ser vendida a preço de custo até ao final da pandemia, conseguindo assim um preço muito mais barato do que a Pfizer — 3 a 4 dólares em relação aos 20 dólares da Pfizer —, tendo ainda assegurado este preço “sem fins lucrativos” aos países mais pobres. A Pfizer ponderou alguma vez esta possibilidade?
PT: Nós não temos informação oficial acerca do preço a que esta vacina está a ser comercializada à Comissão Europeia. Nos Estados Unidos, o acordo entre a Pfizer e a administração americana apontou o preço para 19,50 dólares. Aquilo que nós sabemos é que no acordo estabelecido com a Comissão Europeia o preço dessa vacina é mais baixo, mas não temos informação oficial de qual foi o preço, até porque isso foi confidencial.
Mas não serão os 3 a 4 dólares.
PT:Não, aquilo de que se fala é que será mais baixo do que o valor negociado com a administração americana. Relativamente ao preço, as vacinas são completamente diferentes, requerem processos de investigação, desenvolvimento e produção completamente diferentes. Aquilo que foi definido por parte dos vários CEOs foi alocar todos os recursos e olhar para isto numa perspetiva completamente diferente do que é o modelo de negócio habitual. Ou seja, o foco da companhia não foi olhar para isto numa perspetiva de retorno do investimento tal como é habitual. Agora, a Pfizer e a BioNTech já investiram na investigação e no desenvolvimento desta vacina dois mil milhões de dólares, sem financiamento, contrariamente àquilo que acontece com muitas das outras vacinas que estão a ser desenvolvidas. O que podemos dizer é que não é expectável que estas vacinas sejam vistas aqui numa lógica de obter grande lucro, mas obviamente não me vou pronunciar sobre o custo de uma outra vacina.
Mas será um custo completamente diferente.
PT: Mas as vacinas também são completamente diferentes. Não podemos estar a comparar uma vacina que custa 3 ou 4 dólares, uma vacina que custa 15 dólares e outra que custa 20 dólares e dizer que esta companhia está a vender a um preço muito mais caro do que outra. As vacinas são diferentes e não devem sequer ser comparadas nessa perspetiva.
Porque implicam coisas diferentes?
SM: E implicam se calhar esforços em termos de risco diferentes. Não nos cabe pronunciar sobre as decisões de outras companhias — a própria BioNTech teve apoio do governo alemão —, mas não houve dinheiro de contribuintes de nenhum país para ajudar a Pfizer a desenvolver esta vacina, portanto o esforço financeiro de umas companhias se calhar foi diferente do esforço financeiro de outras.
A Pfizer está confiante relativamente a esta vacina contra a Covid-19 e na sua eficácia?
PT: Muito confiante.
SM: Nós sempre dissemos desde o início, e foi isso que acho que manteve muitos colegas nossos dia e noite a trabalhar, especialmente quem trabalha na investigação e desenvolvimento e nas fábricas, que nós acreditamos que a ciência vai ganhar e que podemos contribuir um pouco para isso. Não vamos ser aqui nenhuns heróis, não vamos fazer mais do que os outros, mas estamos a fazer aquilo que consideramos que é a nossa parte para trazer uma possível solução para esta situação. Se eu e a minha família pudéssemos tomar uma vacina amanhã, esta era a vacina que eu quereria tomar.