Índice
Índice
“Sinto-me melhor quando falo com os miúdos, esqueço-me de tudo, faz-me bem à alma. Mas agora deito-me a pensar como é que, no dia seguinte, vou fazer para lidar com tudo.” O lamento é de José Bonifácio, professor no agrupamento de escolas de Santa Comba Dão, em Viseu, que se diz “prisioneiro na própria casa”. Um transplante hepático em 2017 que correu mal e deixou várias sequelas mudou-lhe a vida e obrigou-o a dar aulas em teletrabalho. Mas este ano o cenário mudou e atirou-o para uma guerra jurídica com a escola e os serviços do Ministério da Educação.
Quatro meses antes do início do novo ano letivo, recebeu indicações para voltar ao ensino presencial com um horário completo, contrariando a Ficha de Aptidão emitida pela Medicina no Trabalho — um documento cujas indicações, estipula a lei, deve ser seguido à letra, o que não aconteceu com José Bonifácio. Segundo a direção da escola, a Direção-Geral da Administração Escolar considera este documento inválido, levando a que o professor visse na baixa médica a única opção viável para lidar com a situação. Agora, conta ao Observador, passa o tempo a “ler legislação”, a bater a todas as portas e a preparar-se para levar o caso a tribunal.
Mas este caso não é único. Nos últimos anos, foram muitos os professores que procuraram ajuda na Associação Jurídica pelos Direitos Fundamentais (AJDF). Com uma experiência de dezenas e dezenas de casos diferentes — mas todos com esse elemento comum: o de professores desesperados com os obstáculos que o Estado lhes coloca para lidar com as suas situações de saúde —, a organização descreve um cenário de “caos” nas escolas públicas portuguesas: professores que querem trabalhar, mas que estão debilitados e não conseguem ver forma de as funções que lhes estão atribuídas serem adaptadas às suas capacidades físicas e psicológicas e que acabam por receber das escolas indicações que violam a lei.
Há instituições de ensino que aplicam a Ficha de Aptidão emitida pela Medicina do Trabalho, escolas que decidem não aplicar este documento e, ainda, escolas que asseguram ter questionado a DGAE (Direção-Geral da Administração Escolar) e a DGEstE (Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares) sobre como proceder. Esta última entidade, tutelada pelo Ministério da Educação, por sua vez, dá indicações contraditórias que variam de uma região do país para outra.
Direção forçou regresso do professor às aulas presenciais
Há 30 anos que José Bonifácio dá aulas de Física, tendo chegado ao agrupamento de escolas de Santa Comba Dão há 25. Foi coordenador de departamento e esteve no Conselho Executivo da escola, mas em 2013 “começaram a aparecer manchas no corpo”. “De repente, sou informado de que tenho uma doença congénita e que preciso de um transplante hepático. Dava Física de 11.º e 12.º ano e, tendo em conta o prognóstico, senti que podia não acabar o ano”, lembra.
[Já saiu o terceiro episódio de “A Grande Provocadora”, o novo podcast Plus do Observador que conta a história de Vera Lagoa, a mulher que afrontou Salazar, desafiou os militares de Abril e ridicularizou os que se achavam donos do país. Pode ouvir aqui, no Observador, e também na Apple Podcasts, no Spotify e no Youtube. E pode ouvir aqui o primeiro episódio e aqui o segundo.]
A 15 agosto de 2017, dia da Assunção de Nossa Senhora, realça José Bonifácio, chegou o dia da cirurgia. “Correu mal. Passado uns dias, tive de ir novamente ao bloco [operatório] porque perceberam que o fígado não ia funcionar. Em setembro fui novamente operado e entretanto contraí uma infeção.”
O relato do professor é feito pausadamente e de forma minuciosa. Conta que, depois de ter alta, ficou 34 meses de baixa e, pelo caminho, as sequelas fizeram-se notar: “Perdi a voz, tive de fazer terapia da fala e fisioterapia, perdi a autonomia, entretanto perdi o equilíbrio nos ouvidos e tive uma trombose da veia da retina (ficando com 16% da visão), não suporto ruído, tenho dificuldade em estar em pé e hérnias de 10 centímetros.” Ainda assim, regressou ao trabalho em setembro de 2020, depois de ter alta da Junta Médica. Os médicos indicaram serviços moderados e disseram que a declaração “não levava data” de validade.
Com a pandemia, em 2020/2021, surge um novo cenário: “Fiquei a dar apoio a 7.º, 8.º e 9.º ano, 14 tempos, em casa. Para mim, foi uma alegria! Sou professor, aquilo ajudou-me a recuperar mais depressa.” No ano letivo seguinte, a modalidade manteve-se e o professor de Física ficou responsável por dar apoio a todos os alunos que necessitassem. Inicialmente, era “para alunos com mais dificuldades, mas alguns dos que tinham 4 [valores em 5] perceberam que os colegas estavam a melhorar e pediram para vir também”, conta José Bonifácio, sem esconder o orgulho.
Professor pagou as próprias consultas de Medicina do Trabalho
É em 2022 que a diretora do agrupamento de escolas de Santa Comba Dão, Maria Madalena Dinis, tenta pela primeira vez levar José Bonifácio a voltar às aulas presenciais. “A diretora põe-me um horário à frente. Ia dar apoio aos alunos, teria um horário completo em coadjuvação, não sendo professor titular. No verso do horário pôs uma morada de uma clínica e um número de telefone para ir a uma consulta para ser elaborada a Ficha de Aptidão para o trabalho e poder continuar a lecionar em casa”, conta.
Esta consulta de Medicina do Trabalho foi a primeira que José Bonifácio pagou do seu próprio bolso, apesar de estar previsto que este serviço médico seja assegurado pelo IGeFE (Instituto de Gestão Financeira da Educação). A situação repetiu-se nos dois anos seguintes: em julho de 2023 e julho de 2024.
“Nós [professores] é que temos de agendar a consulta e pagar. Andamos todos a pagar a Medicina do Trabalho, apesar de sabermos que temos direito a que seja paga” pelos serviços do Ministério da Educação, diz.
Em maio deste ano, para surpresa de José Bonifácio, a diretora envia novo email ao docente, ao qual o Observador teve acesso, onde se lê: “Informo que, no âmbito da planificação do próximo ano letivo 2024/25, planeio atribuir-te horário completo, de atividade letiva presencial.” E acrescentava, num segundo email: “Não posso continuar a autorizar a atual situação sem a tua sujeição a uma nova junta médica.”
Em resposta, José Bonifácio lembrou que a Junta Médica lhe tinha dado alta em 2017 e decretado serviços moderados sem data de término, o que indicava que não havia necessidade de se submeter a uma nova avaliação. Numa nova troca de emails com a direção da escola, já em julho, a responsável pelo agrupamento revela ter enviado um “pedido de esclarecimento acerca da situação do pessoal docente em situação de saúde semelhante” à DGAE.
DGS: número de médicos do trabalho é insuficiente para vigiar a saúde da população empregada
Na resposta, que foi reenviada ao docente, e à qual o Observador teve acesso, lê-se: “Compete à junta médica da ADSE, quando solicitada pelas entidades competentes, avaliar as capacidades do funcionário (…) A junta médica deve elaborar parecer escrito fundamentado. Só após a deliberação da junta médica, a medicina ocupacional (Medicina do Trabalho) deverá definir as condições e a forma em que o funcionário desempenhará as suas funções.”
Contudo, na verdade, o docente pode recorrer diretamente à Medicina do Trabalho, da mesma forma que a própria Junta Médica pode determinar o tipo de serviço que um professor pode desempenhar (assim como as limitações que tem). Quem o garante é a advogada especialista em Direito do Trabalho, Rita Garcia Pereira: “Ir primeiro à Junta Médica nem faz sentido. Os trabalhadores estão até no direito de exigirem ir à Medicina do Trabalho. E a Ficha de Aptidão tem de ser obrigatoriamente seguida pelos diretores.”
“Neste momento há uma desarticulação no sistema: os diretores tanto têm de respeitar as Juntas Médicas como a Medicina do Trabalho”, diz a especialista. Isto porque, “sem que o decreto-lei das Juntas Médicas fosse revogado, a partir da entrada em vigor da lei 79/2019 [que define a aplicação do regime da segurança e saúde no trabalho] ficou claro que a lei 102/2009 [Regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho] se aplica nas entidades públicas”.
O que acontece se os diretores não cumprirem a Ficha de Aptidão?
↓ Mostrar
↑ Esconder
Caso os diretores escolares não cumpram as indicações que constam na Ficha de Aptidão, “podem ser responsabilizados disciplinarmente porque estão a incumprir um preceito legal”, explica a advogada Rita Garcia Pereira.
O agrupamento pode mesmo ser chamado a uma ação em tribunal para responder ao caso “se houver prejuízo deste comportamento para a saúde do trabaalhador”.
Caso se comprove que o diretor exerceu mal o seu cargo, pode ser definida uma indemnização, sendo que pode ser pedido ao diretor que assuma este pagamento, diz a especialista em Direito do Trabalhado, ressalvando que “raramente isto é feito”.
DGAE responde à diretora e depois alega que caso não é da sua competência
Cansado da situação e na tentativa de obter os seus próprios esclarecimentos, o professor enviou um email à DGAE, mas a entidade limitou-se a argumentar “que o assunto exposto não é da competência deles — a mesma instituição que fez o esclarecimento à diretora”, sublinha o professor. O Observador enviou questões à DGAE, através do Ministério da Educação, mas não obteve qualquer resposta até à publicação deste artigo.
A 4 de setembro, dois meses depois da última troca de emails com a direção da escola, o professor recebeu a distribuição de serviço: a diretora cumpria o alerta que tinha feito anteriormente e José Bonifácio via ser-lhe atribuído o máximo de carga horária possível. E não esperou mais. “A 5 de setembro entrei de atestado médico. Era isso ou apresentava-me ao serviço e morria lá dentro. Estão a privar-me de trabalhar nas condições em que o posso fazer, obrigaram-me a entrar numa guerra que não queria e a ler legislação.”
Questionado sobre o porquê de querer continuar a lecionar, tendo em conta a sua situação de saúde, José Bonifácio recorre a um exemplo prático: “Sempre fiz os exercícios todos dos meus manuais. Tinha em casa um manual novo de 12.º ano e em outubro fiz todos os 70/80 exercícios que me faltavam. Funciono bem da cabeça para cima, sou professor, gosto de ensinar e não quero deixar de dar aulas, ainda me sinto bem.”
Seguro de que o caso vai acabar em tribunal, o professor diz que já expôs o caso “à DGAE e ao ministro da Educação” diretamente. “Tentei informar a tutela da situação irregular que estava a acontecer para que o agrupamento fosse obrigado a cumprir as indicações, mas ninguém me respondeu”, lamenta. O Observador contactou a diretora do agrupamento de escolas de Santa Comba Dão e não obteve qualquer resposta às questões colocadas. Já o Ministério da Educação respondeu seis dias depois, escrevendo apenas que: “A direção da Escola submeteu um pedido de horário para a substituição do docente, tendo o mesmo sido validado pela Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE). O horário tem um docente colocado, garantindo as aulas aos alunos.”
Direção atribuiu-lhe 18 turmas (três vezes mais que o indicado pelo médico)
“Sou pianista desde pequena. Gosto muito do que faço e adoro dar aulas, quero trabalhar. Mas este ano pensei que não aguentava”, conta Cláudia Mariano, professora de Educação Musical e outro caso de docentes com problemas complexos de saúde que se vêem envolvidos em trocas de emails e orientações da hierarquia que violam as indicações clínicas. Há 20 anos que está no ensino, tendo passado grande parte da sua carreira no Agrupamento de Escolas da Baixa da Banheira e Vale da Amoreira, em Setúbal. Cláudia Mariana garante que nunca pensou recorrer à Medicina do Trabalho — até agora.
A professora tem “insuficiência cardíaca, artrite reumatóide, fibromialgia e surdez”. Mas a ficha clínica não fica por aqui: “Fui operada aos 30 anos porque fiquei sem discos e tive de pôr titânico na coluna e ancas. Já não consigo aguentar tanto tempo em pé. Entrei em burnout há dois anos e tenho depressão.”
Após alguma insistência para que a consulta de Medicina do Trabalho fosse marcada, “a escola cedeu e marcou numa clínica específica”, conta Cláudia Mariano. Na Ficha de Aptidão emitida foram atribuídos serviços moderados. “O médico disse que devo ter no máximo até seis tempos letivos [que correspondem a seis turmas] e os restantes em biblioteca. Entreguei a ficha ao senhor diretor [José Lourenço] e ele respondeu-me que só tinha de me cingir ao horário que entretanto tinha saído e me tinha sido entregue”, conta a professora de Educação Musical.
Em vez dos seis tempos letivos e da restante atividade na biblioteca, tinham sido atribuídas a Cláudia Mariano 18 turmas e cinco apoios, o que corresponde ao máximo de tempo letivo possível — uma violação do que tinha sido indicado pela Medicina do Trabalho. “Como sou de Música, tenho o 7.º, 8.º e 9.º ano, tenho todas as turmas da escola. Agora estou com ataques de pânico, sinto que às vezes não consigo respirar, é um stress horrível”, conta Cláudia Mariano. A situação agravou-se ainda mais depois de saber que terá de colocar dois aparelhos auditivos. A solução? Meter uma baixa médica durante o máximo de tempo possível.
No atestado de doença e incapacidade multiusos que entretanto recebeu lê-se que tem 73% de incapacidade permanente. Mas nem assim a direção da escola alterou os horários atribuídos. Cláudia Mariano tentou “reiteradamente” alertar para “a ilegalidade da situação e solicitou a sua regularização”, detalha a Associação Jurídica pelos Direitos Fundamentais. Estes alertas foram feitos à DGEstE Lisboa e à direção do agrupamento.
Apenas a direção do agrupamento respondeu a Cláudia Mariano. A 10 de setembro foi enviado um email, ao qual o Observador teve acesso, em que se lia: “[A professora] Deve preparar o ano letivo e apresentar-se ao serviço no cumprimento do horário que lhe foi atribuído […] Se considerar que tem motivos para reclamar, sugiro que o faça junto das instâncias que tutelam a educação.” O Observador também tentou contactar a direção da escola e a DGEstE sobre este caso, mas não obteve qualquer resposta.
Professora fez queixa por assédio laboral
Sem mais ninguém a quem recorrer, a 15 de setembro a professora de Educação Musical apresentou duas queixas à ACT (Autoridade para as Condições do Trabalho): foi pedida uma inspeção por incumprimento da Ficha de Aptidão e outra pela prática de assédio.
“O que se espera é que a ACT investigue a situação do incumprimento da Ficha de Aptidão. A ACT já informou a professora por email, no dia 4 de outubro, de que foram à escola no dia 24 de setembro. Pediram documentos à escola e agora aguardam a sua entrega. A ACT aplica multas por incumprimento nas empresas privadas e, aqui, espera-se o mesmo, assim como um procedimento de responsabilização do diretor e até da DGEstE, que é conivente, por parte do Ministério da Educação”, sintetiza a AJDF, pela voz da vice-presidente Sofia Neves.
Questionada pelo Observador, a ACT descarta responsabilidades e informa “que a ACT não tem atribuições inspetivas em matéria de assédio nas relações de trabalho públicas, cabendo essa competência ao serviço com competência inspetiva no ministério que tutela o empregador público em causa [o Ministério da Educação] e, cumulativamente, à Inspeção-Geral de Finanças”. Até ao momento não houve esclarecimentos acerca do pedido de inspeção por incumprimento do documento da Medicina do Trabalho.
“Eu quero trabalhar, nunca estive de baixa médica” até este momento, explica Cláudia Mariano. Por isso, argumenta, nunca teria direito a submeter-se à avaliação da Junta Médica. E acrescenta: “Fui à consulta [de Medicina do Trabalho] para saber o que se podia fazer para haver um alívio de carga. Dizem que nós, Educação Musical, somos a vida da escola, mas não consigo dar resposta. É muito triste.”
Na última quinta-feira — já depois de, no início dessa semana, o Observador ter questionado a direção da escola sobre o horário atribuído à professora, tendo em conta as indicações da Ficha de Aptidão —, houve um desenvolvimento no caso: o diretor do agrupamento, José Lourenço, enviou um horário em branco à professora ao qual o Observador teve acesso. Foi retirada a “mancha” correspondente às 18 turmas, surgindo agora apenas três “tempos de escola” — período em que o docente está no estabelecimento de ensino a fazer outras tarefas que não lecionar.
O diretor pediu à professora Cláudia Mariano para confirmar a receção do documento, quando, tendo por base a Ficha de Aptidão emitida, deveriam estar assinaladas as seis horas letivas indicadas pela Medicina do Trabalho. “A professora quer a carga horária legal que pode cumprir”, garante a vice-presidente da associação jurídica. Até porque, se as tais seis horas não forem cumpridas, é a própria professora que fica em incumprimento face ao que foi determinado após a consulta de Medicina do Trabalho.
Diretor assinalou opção errada para substituição (e pedido foi recusado)
O caso de Tânia Silva é ligeiramente diferente. A educadora de infância, de 44 anos, tem procurado ajuda junto da Medicina do Trabalho para poder continuar a cuidar das crianças do ensino pré-escolar, mas o caminho tem sido atribulado. Foi no início de julho deste ano que pediu uma consulta onde à época trabalhava, no agrupamento de escolas Moinhos da Arroja, em Lisboa.
“Por parte do diretor não houve recusa imediata, mas pediu esclarecimentos superiores e disseram-lhe que eu tinha de ter acesso à Junta Médica primeiro. Disse-lhe que não era assim e entreguei todas as informações”, acabando a consulta por ser marcada e realizada cerca de um mês depois, conta.
A primeira adversidade estava superada, mas o caso não terminou por ali. Tânia Silva pediu a consulta porque tem “doença poliquística, espondilite anquilosante e doença reumática”, enumera. O seu corpo, explica, “provoca outras doenças e tenta combatê-las”. A doença “só é tratada nos sintomas, não tem cura, e é tudo à base de anti-inflamatórios. Todo o meu corpo inflama e há um desgaste muito grande nos ossos e articulações”. A educadora diz ter “picos de crise” e dores intensas em todo o corpo, que impedem o descanso durante a noite e lhe dificultam os momentos que passa com os seus alunos.
Da consulta de Medicina do Trabalho resultou uma diminuição das “responsabilidades”, conta Tânia Silva: “[O médico] Pôs-me em apoio, em coadjuvação em contexto de sala e sem uma turma; a ajudar colegas”. A Ficha de Aptidão foi depois entregue ao agrupamento de escolas onde ficou colocada após concorrer a mobilidade interna, o agrupamento de escolas Professor Lindley Cintra, em Lisboa, no início de agosto.
DGAE exige documento da Junta Médica que não é necessário
Cerca de um mês depois, quando a educadora de infância se apresentou ao serviço, a direção avançou com a “solicitação da substituição na plataforma dos horários do Ministério da Educação”, recorda. Mas, a 11 de setembro, Tânia Silva é informada de que “o pedido não estava a ser validado pela DGAE”. Na resposta, constava que era necessário “o documento da Junta Médica onde dizia que precisava de ir à consulta de Medicina do Trabalho”, refere a professora, acrescentando que contestou esta indicação, mas não teve sucesso.
Contudo, neste processo surge outro percalço: o pedido de substituição foi mal feito, explica a vice-presidente da AJDF, Sofia Neves. Ao ser submetido o pedido, era suposto ter sido selecionada a opção “substituição por serviços moderados (junta médica/medicina do trabalho)”, mas foi selecionada a opção “substituição por doença”. “Quero acreditar que a resposta seria outra se o pedido na plataforma tivesse sido bem feito. Não iam negar isso e induzir uma pessoa a meter atestado. A direção podia ter corrigido logo o erro, mas os diretores não estão a fazer o processo corretamente porque não querem — ou porque não sabem”, admite Sofia Neves.
Poucos dias depois do pedido de substituição, recebe um email a direção da escola “a dizer que tinha ordem para assegurar um horário [em mono-docência] a partir de dia 16 de setembro até que houvesse deliberação em contrário”, conta ao Observador. “Nesse dia, dirigi-me ao agrupamento e questionei a validade do email. Fiquei num estado tal de nervos que tive de ir ao hospital. Dia 17 fui ao médico e passou-me baixa”, resume a educadora de infância.
Tânia Silva garante que quer “trabalhar com saúde”: “Não precisava de ficar em casa [de baixa], precisava era de que me adequassem a prática profissional. Nunca quis parar, até mesmo em situação de crise nunca parei de trabalhar.” Desde então, a educadora tem enviado emails para o agrupamento e para a DGEstE e já apresentou queixa à ACT, mas o caso continua por resolver.
“DGEstEs do mesmo país fazem as coisas de formas diferentes”
“A educadora Tânia Silva fez a participação do caso à escola com conhecimento da DGEstE Libsoa e ninguém respondeu”, mas não é assim em todo o país, assegura a vice-presidente da AJDF, exemplificando que “a DGEstE Porto está a responder” aos emails.
Segundo Sofia Neves, “DGEstEs do mesmo país fazem as coisas de formas diferentes. Há um caso de uma DGEstE que reconhece que é responsabilidade do diretor assumir as adaptações ao horário da professora. Empurrou a responsabilidade para os diretores, dizendo que ‘a matéria em apreço faz parte da competência dos diretores'”. Uma vez que esta entidade não age da mesma forma, as direções das diferentes escolas acabam também por “proceder de forma diferente”.
“São cada vez mais professores a pôr baixa” sem necessidade, alerta a vice-presidente da associação, sublinhando que a única coisa que as direções escolares ganham em não aplicar as Fichas de Aptidão é “não ter trabalho a mexer nos horários”. “Se um professor colocar baixa, é ir à plataforma e pedir substituição total do horário, não dá trabalho. Quando há uma situação de serviços moderados, é preciso olhar para o horário do professor e retirar parte e, eventualmente, lançar um novo concurso com estas especificidades de horário”, explica.
Há muito que a Associação Jurídica de Direitos Fundamentais tenta ajudar os professores a continuar a trabalhar com as funções e horários que lhes são mais adequados de acordo com a Ficha de Aptidão emitida pela Medicina do Trabalho. Mas cada vez chegam mais relatos de diretores que não cumprem as indicações, motivo pelo qual esta associação pediu, em julho de 2024, uma audiência ao ministro da Educação. Um pedido que, até ao momento, não teve qualquer resposta.
Texto atualizado às 13h de dia 28 de outubro com resposta do MECI ao caso de José Bonifácio