Índice

    Índice

Frio, às vezes podem ocorrer aguaceiros ou mesmo chuva forte, com algumas rajadas de vento. Há probabilidade de neve nas terras altas, o que não é de desvalorizar. Não, não são as condições mais favoráveis para a prática de uma campanha eleitoral. Mas só mesmo em 1976 é que as presidenciais não aconteceram por esta altura do ano. Por isso, não há volta a dar, ou melhor, há. Ao país.

São 12 dias que quem por lá já passou (sem vencer as eleições) descreve como “demasiado violentos”. O Observador falou com cinco antigos candidatos presidenciais (da esquerda à direita) sobre as suas experiências e sobre os conselhos que deixam a quem está a dias de partir para a longa estrada eleitoral rumo a Belém. Quer saber o que Manuel Alegre, Fernando Nobre, Joaquim Ferreira do Amaral, Francisco Louçã e Carlos Carvalhas têm a dizer?

separador_saude

1. Muitos contactos, mas cuidado com a saúde

Numa manhã de janeiro de 2006, a caravana socialista amanhecia num Porto frio, com planos para ir almoçar a Bragança (que fazia da Invicta uma cidade de temperatura amena). A neve que caiu durante a noite obrigou a mudar a rota de Mário Soares, sempre encasacado, cachecol bordeaux aconchegado no pescoço e, muitas vezes nas arruadas ao final do dia, boina na cabeça.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Uma campanha em setembro é uma coisa, em janeiro é outra”, diz Francisco Louçã que desse mesmo ano, em que também se candidatou à Presidência da República, se recorda de ter feito “toda a campanha com 38, 39 graus de febre”. O primeiro conselho de Louçã vai, por isso mesmo, para “os cuidados de saúde. Está frio e contactam-se muitas pessoas”, “é preciso ter muito cuidado, sobretudo com a voz”, diz o ex-líder do BE.

Até porque o contacto com as pessoas (e no maior número possível) não é coisa que um candidato possa dispensar nesta reta final. Fernando Nobre diz que é preciso que os candidatos “tenham coragem para o contacto direto com as pessoas. É preciso convencê-las em grandes ajuntamentos e comícios, diz o antigo candidato presidencial. “Há dez sítios no país, sobretudo na zona litoral, onde estão concentrados 80% dos votos. Nestes 15 dias de campanha é fundamental que se concentrem aqui”, aconselha.

Manuel Alegre tem aconselhado Maria de Belém Roseira, a candidata que apoia. Já com duas candidaturas presidenciais no currículo, o histórico socialista avisa que é preciso “ir para a rua, contactar com as pessoas”. Sobre a sua candidata nestas eleições, Alegre considera que “tem de fazer algumas sessões públicas, em alguns pontos estratégicos onde estão alguns dos seus principais apoiantes”, lembrando que Belém tem a apoiá-la “grandes referências históricas do PS”.

Louçã também acredita que apesar de hoje em dia “ser muito difícil fazer coisas para grandes multidões”, a fórmula de sucesso não mudou grande coisa: “Para aumentar a força de uma candidatura, é indispensável fazer muitos contactos com as pessoas, em visitas a instituições, na rua, em pontos de encontro”. E também Carlos Carvalhas acredita que “é preciso procurar estar junto do povo e das suas preocupações”.

“O cansaço será muito, mas é preciso que se vá para a rua explicar cara a cara. Mesmo que não vençam as eleições nunca mais vão esquecer aqueles contactos. A mim, a campanha ensinou-me a ver o meu país”, confessa Fernando Nobre. Os ex-candidatos, porém, não são unânimes. Para Joaquim Ferreira do Amaral, o “contacto porta a porta está hoje muito prejudicado. Tem de se usar mais a comunicação social e as redes sociais, procurar mais os meios de massas e não tanto o contacto porta a porta que, sendo importante, tem um má relação custo/benefício”. O antigo candidato presidencial defende “uma coisa simplificada, com sessões de esclarecimento de vez em quando, mais repousadas e para ser mais comunicativo”. Até porque o candidato é só um, o que nos leva ao conselho seguinte…

separador_boca_tapada

2. “Não devia ter dito aquilo”

Ferreira do Amaral candidatou-se há 15 anos à Presidência da República, e há uma coisa que não esquece: “Nos últimos dias dei por mim sem saber em que cidade estava”. “Fiz muitas campanhas, mas a presidencial foi a mais desgastante que tive porque o candidato está muito sozinho e tem de percorrer o país, não há candidatos locais para partilhar a tarefa”. O candidato preferido pela direita, nas eleições que reelegeram Jorge Sampaio com 55,5% dos votos contra os seus 34,6%, aconselha, assim, que “os candidatos se salvaguardem, não tentem ir a todas. Não acrescenta nada à mensagem e perturba as suas capacidades”. “Compreendo bem as gafes que se cometem durante a campanha…”, confessa.

E já que se falam delas, é impossível passar ao lado daquilo que Fernando Nobre admite hoje que “não devia ter dito” na campanha de 2011. Estava num comício em Coimbra e, entre o entusiasmo do discurso e as reações da sala, tentou pôr fim às especulações sobre uma desistência declarando haver “só uma maneira” de o demover: “Deem-me um tiro na cabeça porque sem um tiro na cabeça eu vou para Belém”. “Fui ridicularizado”, diz hoje o presidente da AMI: “Fui espontâneo, demasiado genuíno e nem sempre se pode ser tão autêntico”. Sobretudo quando os holofotes estão todos a apontar para o palco onde está o protagonista de uma candidatura que é, ainda por cima, pessoal.

Tanto que Manuel Alegre avisa (com Sampaio da Nóvoa na cabeça) que “isto não é para amadores”, “uma pessoa não pode começar uma carreira política por uma candidatura à Presidência da República. Quer dizer… poder pode, mas depois dá asneira”.

separador_maquina_partidaria

3. A máquina partidária ajuda… e atrapalha

Os independentes sem apoios formais de estruturas partidárias têm-se multiplicado nas últimas campanhas presidenciais, com o grande boom de candidatos do género a acontecer na última campanha, em 2011. Mas Francisco Louçã lembra que “nenhum deles ganhou. Têm de ser genuinamente independentes”, diz ao mesmo tempo que aponta para os candidatos que se perfilam nas eleições atuais: “Os que mais declaram não ter máquina partidária são os que mais a procuram. Veja-se Sampaio da Nóvoa em relação ao PS”, exemplifica. Nas eleições em que se candidatou, em 2006, surgiu uma candidatura fruto de um movimento de cidadãos, a de Manuel Alegre, que ficou a 28 mil votos de conseguir levar Cavaco Silva à segunda volta. A esquerda tinha-se dividido em quatro candidaturas (a de Soares, com o PS, a de Alegre, a de Jerónimo de Sousa pelo PCP e a do BE, com Louçã).

E Alegre teve muitos mais votos sem máquina partidária (em 2006, com mais de um milhão de votos) do que com máquina (2011, com 831 mil votos). Pelo que desvaloriza a sua existência, aliás até lhe atira uma farpa afiada. “A primeira candidatura correspondeu a um apelo dos cidadãos. Na segunda tinha máquina e não tinha… o PS esteve mas sem grandes compromissos, nem dinheiro, só mesmo na parte final se envolveu”. Na candidatura de 2011, com o PS e o BE ao lado, foram várias as queixas e os episódios sobre a falta de empenho dos socialistas na campanha presidencial do histórico do partido. A famosa máquina nem sempre é fundamental e até pode atrapalhar.

Ferreira do Amaral avisa: “Cuidado com as estruturas partidárias que aproveitam as presidenciais para fazerem campanha por eles mesmos…”. O antigo candidato não diz quem, mas tem bem presente na memória ter aparecido numa concelhia para uma ação de campanha “e ser arregimentado para sessões a favor do candidato do partido” às eleições autárquicas seguintes.

O curioso nas presidenciais que estão prestes a realizar-se é que, tirando o BE e o PCP que assumem apoio e participação formal em candidaturas, os dois maiores partidos caminham à parte. O PSD (e o CDS também) declararam apoio a Marcelo Rebelo de Sousa mas mantêm-se à margem da campanha, com o próprio candidato a bater-se por essa distância. No caso do PS, decidiu mesmo não apoiar nenhum candidato, tendo dois saídos da sua área política.

separador_mensagem_clara
4. Mensagem clara e verdadeira

Carlos Carvalhas torce o nariz a ditar conselhos – “não sou o conselheiro Acácio”, diz numa referência à personagem de Eça em “O Primo Basílio” – mas lá acede num ponto, em jeito de crítica à campanha “atípica” que vê hoje: “Não há adversários…”. “Há vários candidatos da área da esquerda e um da direita, mas a travestir-se. Faz de conta que não é apoiado pelo PSD e pelo CDS”. Assim, o seu conselho único vai para o que considera que tem de ser feito nestes dias de campanha: “A única sugestão é que se aproximem o mais possível do povo e procurem olhos nos olhos desmascarar esta atitude do candidato da direita”. Há 25 anos, quando foi candidato e obteve 12,9% dos votos, lembra que “o quadro era totalmente diferente. Havia uma direita assumida, o Mário Soares, a UDP. Os candidatos não estavam disfarçados”, diz ao mesmo tempo que exorta a esquerda a “procurar o confronto, ir para o terreno do confronto”.

Já Fernando Nobre considera que hoje há um “enorme desgaste político partidário, os últimos cinco anos foram muito penosos para a imagem dos políticos e agora há muitos a querer passar-se por independentes, mas nada se sobrepõe à verdade. O povo português não é burro e não vale a pena um ex-presidente partidário, ou alguém que foi deputado a vida toda, vir agora fazer-se de independente”.

“Hoje em dia são importantes mensagens menos publicitárias e mais políticas. O soundbyte publicitário já não tem grande aceitação”, considera Ferreira do Amaral que diz que os eleitores “estão mais conscientes e já desvalorizam alguns estimulantes. A política também se tornou mais séria”, remata o antigo candidato presidencial e ministro dos governos de Cavaco Silva.

“Os candidatos têm de ser muito verdadeiros, o calculismo é prejudicial”, dita Louçã puxando a brasa à sua candidata de eleição. “A Marisa é muito dada e comunicativa, tende a ser um raio de alegria numa campanha tristíssima de candidatos sorumbáticos”, diz o ex-líder do BE que está convicto de que, nas presidenciais, “as pessoas votam em quem tem brilho próprio”. Uma convicção parecida com a de Manuel Alegre, que até diz ser “muito difícil dar conselhos, porque um candidato presidencial ou tem esse sopro dentro de si ou não tem”.

separador_dicas

5. E umas quantas dicas extra

Há um “perigo” sempre presente nestes dias de estrada e o alerta vem também do histórico socialista que assegura ter “aprendido uma coisa” nas duas candidaturas presidenciais que protagonizou. “Quando se fazem visitas a instituições, os jornalistas ficam à porta à espera para fazerem perguntas sobre a atualidade. É preciso muito cuidado. Uma pessoa deve dizer o que tem a dizer e não responder a perguntas que muitas vezes têm apenas o objetivo do espectáculo. É aí que se cometem os grandes erros”, avisa Alegre. “É preciso não responder a provocações, porque uma pessoa irrita-se e diz o que não quer”.

Mas são aqueles grupos de profissionais de comunicação social que acompanham o candidato que permitem que a mensagem tenha uma divulgação mais ampla, coisa que Louçã reconhece. “As televisões têm uma importância grande, ainda que os debates estejam a ter audiências muito fracas”, diz o bloquista. Já sobre meios de propaganda, a convicção é muito unânime: quem precisa são os candidatos com menos protagonismo. “Podem fazer diferença para candidatos com menos visibilidade”, argumenta Louçã. Fernando Nobre também diz que os outdoors são “evidentemente um instrumento importante para quem não tem notoriedade pública”. Em 2011, o presidente da AMI foi o terceiro candidato mais votado (tendo ficado com 14% dos votos) e lembra não ter tido cartazes, “nem uma simples página A4. Podia ter mudado alguma coisa, mas uma campanha de cartazes a nível nacional é extremamente cara”, lamenta: “Se eu tivesse tido outros meios, talvez tivesse tido outros resultados”.

Ilustração e grafismo: Milton Cappelletti