A primeira abordagem pública foi feita pelo Livre, que entrou na reunião com os comunistas com o desafio de junção de forças de esquerda em Lisboa, nas próximas autárquicas, mas saiu com uma conversa pouco animadora. Numa altura onde não se mostram grandes entraves aos nomes que se alinham no lado socialista para liderar essa lista na capital, PS, BE e Livre ainda têm a metodologia para acertar, mas sem deixarem cair a ambição de ter os comunistas no mesmo barco.

A primeira vez que em Lisboa resultou uma coligação pré-eleitoral à esquerda foi em 1989, com Jorge Sampaio como candidato — que tinha um passado com os comunistas –,  juntando PS, PCP, MDP/CDE e PEV. Em 2001, PS, PCP, PPM e Partido da Terra tentaram nova investida, com João Soares à frente, mas já não saiu vitoriosa. Depois disso houve acordos pós-eleitorais (como o de António Costa com o BE e Sá Fernandes, que acabou mal) e pré-eleitorais (como o de Fernando Medina que incluiu o Livre em 2021), mas há mais de 30 anos que uma frente de esquerda não consegue resultados eleitorais positivos em Lisboa.

O caminho é espinhoso e a primeira abordagem de Rui Tavares ao PCP teve um resultado pouco animador para o objetivo de uma coligação alargada. “Não há projeto que se aproxime do projeto autárquico da CDU. É esse o projeto que queremos implementar”, disse na altura Paulo Raimundo no final da reunião com a comitiva liderada por Rui Tavares onde vincou que já existe uma coligação à esquerda, que junta PCP e Verdes. O líder comunista apontou em concreto as muitas diferenças — mais que os dedos de uma mão — face ao PS e disse que “dificilmente” os socialistas trarão respostas ao nível autárquico.

A porta pareceu fechada ao objetivo mais alargado de ter várias coligações ao nível nacional — até porque, em algumas localidades, o PS é o principal rival dos comunistas, como no caso de Almada, Setúbal ou do Seixal, por exemplo. Mas entre a esquerda que já mostrou disponibilidade para procurar trabalhar em conjunto em Lisboa o entendimento com o PCP “não é dado por perdido”.

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No PS, que liderará naturalmente essa frente de esquerda, há mesmo quem acredite que os comunistas podem acabar por ceder. “Se houver um acordo que inclua PS, Livre e BE, o PCP elege alguém?”, questiona um socialista, que faz fé na pressão que os comunistas podem acabar por sentir. “Também vão ter de avaliar se os eleitores de esquerda verão com bons olhos os comunistas ficarem fora de um entendimento de esquerda”, regista outra fonte.

As negociações com o PCP têm uma tradição de discrição absoluta que o PS já conhece bem e, nesta fase, no Largo do Rato, evita-se falar sobre o assunto. “O acordo vai fazer-se mas vai ter de fazer-se baixinho“, nota ao Observador uma fonte do partido. Mas a verdade é que os comunistas em Lisboa não se têm deixado impressionar com a existência ou inexistência de outras coligações à esquerda. Em 2013, a CDU teve 22.519 votos; quatro anos depois, passou para os 24.110; e nas últimas autárquicas, em 2021, com o Livre em coligação pré-eleitoral com o PS, o PCP conseguiu 25.520 votos. São números relevantes para o universo da cidade de Lisboa e seria uma massa eleitoral decisiva para as aspirações da esquerda em derrotar Carlos Moedas.

Em entrevista ao Observador, no programa Vichyssoise, Davide Amado, líder da concelhia do PS/Lisboa, sugeriu isso mesmo: o PS ainda acredita que será possível convencer o PCP. “[É bem-vindo] quem com o PS quiser criar um programa e uma estratégia que transforme a cidade e que volte a devolver a cidade aos lisboetas e a cuidar da cidade. Agora, cada um sabe de si, cada um sabe da sua casa. O PCP já veio publicamente dizer que não pretende [fazer parte]. Mas ainda estamos a bastante tempo. Não sei se irá alterar ou não a sua posição.”

Vieira da Silva “não é hostil” para esquerda

O que a direção não consegue travar é o corrupio de nomes para Lisboa, com dois a ganharem preponderância entre os dirigentes locais nesta altura do campeonato: o de Alexandra Leitão e o de Mariana Vieira da Silva. A ex-ministra da Presidência já assumiu que não descarta por completo o desafio. No PS/Lisboa, as duas são apontadas como “excelentes candidatas”, embora Vieira da Silva vá ganhando maior destaque e aparente vantagem na corrida.

Essencialmente, por duas razões: está mais livre do que Alexandra Leitão, que é líder parlamentar num contexto em que a Assembleia da República é o centro da política, e, sobretudo, tem “mais notoriedade“. “Não é a Marta Temido, mas são oito anos de conferências de imprensa pelo primeiro-ministro. Ela está associada à imagem de competência“, nota um dirigente local. Outro ainda aponta a “tarefa importante” de Leitão nesta altura, apontando “mais vontade” a Mariana Vieira da da Silva.

Nos eventuais parceiros à esquerda, o nome de Vieira da Silva não parece levantar problemas.  “Não é hostil”, comenta com o Observador fonte do Bloco de Esquerda, mesmo atirando essa questão mais para a frente. O Bloco está “a fazer debate interno sobre o tema” e vê “com bons olhos aproximações em Lisboa”, sintetiza a mesma fonte; os protagonistas só serão discutidos mais tarde. No Livre, também é apontado como “prematura” a discussão de nomes, embora também se sinalize que um nome como o de Vieira da Silva é bem visto.

O dossiê só vai ser tratado depois de os partidos se reorganizarem internamente, o que no caso do PS quer dizer que vai ser preciso esperar pelas eleições para as federações distritais do partido, em setembro. “Primeiro temos de estabilizar e depois definiremos metodologia com os partidos que possam estar interessados” em entender-se, diz ao Observador uma fonte da direção do partido.

O Bloco de Esquerda tem também a intenção de fazer uma Conferência Nacional para discutir o papel do partido e da esquerda no geral neste ciclo político onde a direita ganhou a dianteira e terá como ponto principal a questão da convergência nas autárquicas, nomeadamente nos municípios-chave, como é o caso de Lisboa.

Nas conversas que já se fizeram nas sedes dos partidos da esquerda com o Livre, a questão dos nomes a candidatar pode não ter ainda estado em cima da mesa, mas a análise do peso que estas autárquicas terão no quadro político nacional foi feita. As eleições são vistas como “muito importantes para virar o ciclo político e reposicionar a esquerda”. Sobretudo porque a nível nacional a situação é de enorme pressão para a esquerda num cenário de crescimento evidente da direita, quer nas últimas legislativas, quer nas europeias.

“É preciso que surjam algumas convergências para dar uma alternativa às pessoas”, analisa-se à esquerda, onde o objetivo é opor a “uma direita cada vez mais radicalizada e conservadora, uma força progressista“. Nem de propósito, à esquerda existe também expectativa para perceber como o Chega vai gerir a candidatura a Lisboa. Uma candidatura forte do partido liderado por André Ventura é vista como uma oportunidade de fragilizar a recandidatura de Carlos Moedas, com o PS a sonhar uma divisão à direita.

Apesar de tudo, há quem recuse antecipar qualquer leitura nacional sobre um eventual desaire nas eleições autárquicas. “Não mexem com a liderança de Pedro Nuno Santos”, afirma um socialista. Mais do que isso, uma vitória em Lisboa pode ser decisiva mas por outro motivo. “É a última oportunidade. Ou o PS ganha aqui ou não consegue travar uma alteração sociológica da cidade”, avisa um dirigente local. Por outras palavras: permitir a continuidade da direita no poder vai mudar o perfil de eleitores e condicionar os resultados eleitorais dos próximos anos. Em Lisboa, joga-se muito mais do que umas eleições.

Mariana Vieira da Silva não descarta corrida autárquica, Ana Abrunhosa pondera Coimbra