786kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

i

Justin Sullivan/Getty Images

Justin Sullivan/Getty Images

Harris vs. Pence. Desta vez o debate não teve gritos nem insultos, mas também não teve respostas

O debate entre "vices" não teve insultos, apenas um nível saudável de interrupções, mas os dois fugiram de respostas a temas importantes, da justiça à Covid. Ninguém ganhou, porque ninguém foi a jogo.

Já é a mosca mais famosa da política norte-americana e não é só porque conseguiu a proeza de ficar 2 minutos e 3 segundos pousada na cabeça de Mike Pence durante o debate entre candidatos a vice-Presidente do Estados Unidos. É também por aquilo que isso diz de como correu o encontro desta madrugada entre o republicano e Kamala Harris — sobretudo tendo em conta o que aconteceu na semana passada, no debate entre Donald Trump e Joe Biden.

E bem podia ter sido diferente — porque o tema que estava a ser abordado naquele momento era precisamente dos mais acesos nos EUA. Enquanto a mosca pousava na cabeça de Mike Pence, este falava sobre as tensões raciais nos EUA e respondia ao que entendia serem ataques às autoridades do lado democrata. Nenhum outro tema — nem sequer a pandemia — causou convulsões sociais tão visíveis como este, que levou centenas de milhares de manifestantes às ruas de várias cidades e vilas dos EUA nos últimos meses. Dessas manifestações, sobram como piores exemplos aquelas que redundaram em motins, saques, destruição de propriedade privada e também bens públicos. Mais grave de tudo, a morte de manifestantes, como em Kenosha ou em Portland.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

No entanto, Mike Pence falou desse tema com calma, sem gritos nem exaltações ou gestos bruscos. E a mosca não se deixou incomodar.

Mike Pence And Kamala Harris Take Part In Vice Presidential Debate

Morry Gash-Pool/Getty Images

Essa falta de incómodo, que é o mesmo que dizer “calma”, poderá muito bem ter sido a reação de muitos os que assistiram ao segundo debate desta campanha e o único em que os dois candidatos à vice-presidência se vão enfrentar ao longo desta campanha. Durante 90 minutos, o republicano Mike Pence e a democrata Kamala Harris debateram alguns dos temas mais complexos e também controversos em torno desta campanha, fazendo-o num tom de relativa cordialidade e sem a animosidade aberta e declarada com que Donald Trump e Joe Biden o fizeram no primeiro debate, de 29 de setembro.

Numa espécie de reação causada por stress pós-traumático do primeiro encontro Trump-Biden, o debate entre os dois candidatos a vice-Presidente começou e acabou precisamente com um apelo a um tom cordial. “Queremos um debate que seja vivo, mas os americanos também merecem uma discussão que seja civilizada”, avisou logo ao início a moderadora, Susan Page, chefe de redação do USA Today, que teve muito menos trabalho do que o seu homólogo de há nove dias. E, a fechar, cada candidato respondeu a uma pergunta de Brecklynn Brown, uma estudante do 8º ano de uma escola do Utah, o estado onde decorreu este debate: “Quando assisto às notícias, só vejo os dois candidatos a mandarem-se um ao outro abaixo. Se os nossos líderes não se conseguem entender, como é possível que os cidadãos o façam?”.

“Queremos um debate que seja vivo, mas os americanos também merecem uma discussão que seja civilizada.”
Susan Page, chefe de redação do USA Today e moderadora do debate

No entanto, apesar de este ter sido um debate cordial no tom, foi também fugidio no conteúdo. Entalados numa posição nem sempre fácil, que é a de procurar falar em nome próprio ao mesmo tempo que procuram, acima de tudo, enaltecer a figura do respetivo número 1, tanto Mike Pence como Kamala Harris fugiram a dar respostas a perguntas que preocupam o eleitorado norte-americano. E, desta vez, não foi por falta de oportunidade para falarem que não deram essas respostas.

Em vez disso, o que ambos os candidatos escolheram fazer é aquilo que, em Portugal, nação amante de futebol, se chama de “chutar para canto”. Nos EUA, nação amante do outro futebol, o americano, fala-se antes de um punt— que consiste no momento em que, quando uma equipa está encurralada contra o seu lado do campo, chuta a bola para longe e de maneira a que saia para os lados. Dessa forma, quando o adversário retomar o jogo com a bola em sua posse, estará mais longe da zona de touchdown. Tanto num desporto como no outro, estas são manobras que ajudam a não perder. Para marcar, é preciso fazer mais — e foram raros os momentos em que os dois candidatos o fizeram inequivocamente.

Aquilo a que Mike Pence não quis responder…

A primeira finta de Mike Pence foi quando a moderadora perguntou ao vice-Presidente se tinha “conversado ou chegado a um acordo com o Presidente no sentido de salvaguardar os procedimentos em caso de incapacidade do Presidente”. Nesse momento, Mike Pence respondeu: “Bom, Susan, obrigado, mas gostava de voltar atrás…”. Este “voltar atrás” era para responder a Kamala Harris e à sua afirmação — a primeira com força de todo o debate — de que não tomaria uma vacina se esta fosse apenas recomendada por Donald Trump.

“Acho que temos de avançar…”, respondeu a moderadora. Mike Pence repetiu: “Bom, obrigado, mas gostava de voltar atrás”. E voltou, passando ao lado daquela pergunta e acabando a falar da epidemia de H1N1, também conhecida como gripe suína, de 2009.

Pouco depois, Pence voltou a fugir à pergunta quando a moderadora referiu que nem Donald Trump nem Joe Biden divulgaram “informações médicas detalhadas” nesta campanha. Susan Page depois focou-se em Mike Pence, referindo que “nos últimos dias os médicos do Presidente Trump deram respostas enganadoras e recusaram responder a perguntas básicas sobre a sua saúde”. A pergunta surgiu logo a seguir: “Isto é a informação que os eleitores merecem ter?”.

"Quando se fala de aceitar o resultado das eleições, eu tenho de dizer-lhe, senadora, que o seu partido tem passado os últimos três anos e meio a tentar revogar os resultados das últimas eleições. É incrível.”
Mike Pence, em resposta à possibilidade de os republicanos não aceitarem derrota

Mike Pence também não chegou a responder — acabando por ocupar os seus dois minutos com uma palavra de agradecimento “em nome do Presidente e da primeira-dama” por todos os desejos de rápidas melhoras que ambos têm recebido desde que tiveram o diagnóstico positivo para Covid-19. “Estou extremamente agradecido e emocionado pelo apoio de ambos os partidos”, disse Pence, que de seguida agradeceu a Kamala Harris e a Joe Biden por terem desejado as melhoras ao Presidente. E, aproveitando esse momento de cortesia, saudou-a pela sua candidatura — isto apesar de o debate já levar à altura 22 minutos.

Mike Pence And Kamala Harris Take Part In Vice Presidential Debate

Justin Sullivan/Getty Images

Noutro momento, Mike Pence recusou também dizer de forma definitiva aquilo que Donald Trump também tem recusado garantir: a transferência de poder e aceitação de derrota, caso Joe Biden seja declarado vencedor no dia 3 de novembro. “Acho que vamos ganhar”, disse mais do que uma vez o republicano, que rapidamente transferiu o ónus para a sua adversária e para o Partido Democrata: “Quando se fala de aceitar o resultado das eleições, eu tenho de dizer-lhe, senadora, que o seu partido tem passado os últimos três anos e meio a tentar revogar os resultados das últimas eleições. É incrível”.

Mais à frente, nova finta de Pence. Quando a moderadora levantou o tema do Affordable Care Act, a política de saúde aplicada pela administração de Barack Obama e que Donald Trump quis repelir, mas para a qual nunca aplicou ou apresentou uma alternativa abrangente. Uma das garantias do Affordable Care Act, também conhecido como Obamacare, é a de que doentes com doenças pré-existentes não sejam rejeitados pelas companhias de seguro. Trump tem assegurado que ele próprio garantirá que assim continue a ser — mas não explicou como pretende incorporar essa segurança no seu plano, como também referiu a moderadora na sua pergunta.

O que fez Mike Pence? Aproveitou que a pergunta sobre o Affordable Care Act surgiu no segmento em que se falava sobre o Supremo Tribunal e preferiu falar antes sobre o aborto — “não podia estar mais orgulhoso por estar ao lado de um Presidente que, sem pedir desculpas, defende a santidade a vida humana” — e mal terminou esse tema virou a questão para a possibilidade de os democratas mudarem o funcionamento das nomeações para o Supremo Tribunal, atirando essa questão para Kamala Harris — que, já lá vamos, se esquivou de dar aqui uma resposta. E muitas outras.

… e o que Kamala Harris quis evitar

Kamala Harris não foi muito diferente de Mike Pence. Foi, aliás, a senadora californiana a primeira a evitar responder a duas perguntas que lhe foram colocadas sobre a pandemia. Primeiro, se uma administração de Joe Biden decretaria uma nova ordem de confinamento. Segundo, se a mesma estava disposta a decretar o uso obrigatório de máscara em todo o país.

Seriam respostas de “sim” ou “não”, mas Harris não chegou a proferir tais palavras. Preferiu outras, de ataque à administração de Donald Trump, logo a abrir o debate: “O povo americano testemunhou o que é o maior falhanço de qualquer administração presidencial na História do nosso país”.

"O povo americano testemunhou o que é o maior falhanço de qualquer administração presidencial na História do nosso país.”
Kamala Harris, quando lhe foi perguntado se Biden decretará confinamento e uso obrigatório de máscara

Já no minuto 18′, quando a moderadora lhe perguntou se tinha conversado com Joe Biden sobre a possibilidade de este ter de, eventualmente, lhe transferir o poder por estar incapacitado para desempenhar o cargo de Presidente dos EUA, a senadora da Califórnia respondeu com a chamada por Zoom em que o ex-vice-Presidente a convidou para ser sua número dois.

Para evitar responder àquela pergunta, Kamala Harris referiu que o dia em que recebeu aquela chamada foi um dos dias “mais memoráveis” da sua vida; falou da mãe, “que veio para os EUA aos 19 anos”; disse o nome hospital em que nasceu; falou dos “valores” que estiveram presentes na educação tanto de Joe Biden como dela própria; e percorreu numa penada o seu currículo.

Quanto à possível transferência de poder em caso de incapacidade de Biden caso ele venha a ser Presidente — uma questão premente perante o facto de Joe Biden ter 77 anos —, Harris guardou silêncio. Ou, melhor, falou de tudo para não dizer nada sobre o que lhe foi perguntado.

Mike Pence And Kamala Harris Take Part In Vice Presidential Debate

Justin Sullivan/Getty Images

Foi assim com as perguntas da moderadora, mas foi também assim com as perguntas de Mike Pence, naquilo que foi uma versão descafeinada de um dos momentos mais tensos do debate entre Donald Trump e Joe Biden de 29 de setembro. Já há nove dias, o Presidente insistiu junto do adversário democrata sobre se estaria disposto a fazer court packing — uma medida que passa pelo aumento de juízes, criando assim artificialmente vagas que seriam preenchidas no Supremo Tribunal pelo próximo Presidente. Se o fizer, Biden pode, com ajuda de uma possível maioria democrata no Senado, criar uma nova maioria liberal onde, por agora, ela é conservadora.

A 29 de setembro, Trump perguntou em loop a Joe Biden “vai encher o tribunal?”, o que mereceu do democrata a tirada do “pode estar calado, homem?”. Agora, no debate desta quarta-feira, Mike Pence aproveitou que ele próprio tinha acabado de fugir a uma pergunta que lhe foi feita (sobre os direitos de quem tem doenças pré-existentes na obtenção de um seguro de saúde) e quando já estava em terreno firme perguntou à adversária se queria ou não fazer court-packing.

Desta vez, Kamala Harris recuou tantos anos para responder a uma pergunta de 2020 que ela própria se riu — talvez, da extensão do salto lógico que ali ensaiou. “Em 1864…”, começou, para ser interrompida por Mike Pence: “Eu gostava que respondesse à pergunta”. Kamala Harris reagiu com um “senhor vice-Presidente, eu estou a falar, eu estou a falar” — reação que utilizou sempre que foi interrompida — e depois regressou àquela data de há 156 anos para falar de Abraham Lincoln e usá-lo como exemplo para defender que a atual vaga do Supremo Tribunal deve ser preenchida pela escolha de quem ganhar a 3 de novembro e não por Donald Trump no final do seu primeiro mandato.

Pence insistiu. “As pessoas que estão a votar querem saber se você e Joe Biden vão encher o Supremo Tribunal se não levarem a vossa avante nesta nomeação”, disse, referindo-se à juíza Amy Coney Barrett. “O povo americano merece uma resposta honesta.”

Por momentos, Kamala Harris pareceu decidida em fazer a vontade a Mike Pence. “Vamos lá falar de court-packing, então”, disse. Mas era fogo de vista. “Sabem que, das 50 pessoas que Donald Trump nomeou para os tribunais da relação, que são cargos vitalícios, nenhuma é negra?”.

Aí, como noutras ocasiões, a moderadora fez o debate avançar e seguiu para outro tema. Susan Page parecia decidida a impor ritmo ao debate, ao mesmo tempo que se mantinha discreta. Porém, lá mais perto do fim, perante novas não-respostas de Mike Pence e de Kamala Harris, perguntou: “Os eleitores não merecem este tipo de informação?”. A pergunta era retórica e, por isso, não teve resposta — mas, se quisesse uma, o mais certo era não tê-la.

Assine por 19,74€

Não é só para chegar ao fim deste artigo:

  • Leitura sem limites, em qualquer dispositivo
  • Menos publicidade
  • Desconto na Academia Observador
  • Desconto na revista best-of
  • Newsletter exclusiva
  • Conversas com jornalistas exclusivas
  • Oferta de artigos
  • Participação nos comentários

Apoie agora o jornalismo independente

Ver planos

Oferta limitada

Apoio ao cliente | Já é assinante? Faça logout e inicie sessão na conta com a qual tem uma assinatura

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.

Assine por 19,74€

Apoie o jornalismo independente

Assinar agora