Numa palavra: encurralados. Nos últimos meses, Christine Lagarde e o BCE têm assistido, impotentes, à derrocada do valor da moeda única nos mercados cambiais. E nesta terça-feira, por momentos, o euro foi negociado a um valor inferior ao do dólar – com a divisa norte-americana impulsionada (face ao euro mas não só) pelo refúgio dos investidores face aos riscos de recessão globais. Os analistas dizem que a tendência do euro é para continuar a cair, o que irá agravar os custos das empresas e penalizar (ainda mais) as famílias.
Que a moeda única atingisse a paridade face ao dólar, mais tarde ou mais cedo, já era um cenário admitido pela generalidade dos especialistas do mercado cambial, nos últimos meses. Esta trajetória acentuou-se no verão de 2021, desde logo, porque a Reserva Federal dos EUA reconheceu, muito antes do BCE, que a inflação não era apenas um fenómeno “transitório” – e que era necessário avançar rapidamente para um aperto da política monetária (com subida das taxas de juro).
Nos EUA, a autoridade monetária reconheceu essa necessidade, de forma gradualmente mais clara, logo a partir de junho de 2021. Em contraste, pelo menos publicamente, só alguns nove meses mais tarde o BCE reconheceu que também na zona euro a inflação estava a enraizar-se e a tornar-se mais generalizada – isso só foi admitido depois de ter começado uma guerra na Ucrânia, pelo meio, que exacerbou as pressões inflacionistas que já estavam a fermentar havia longos meses.
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Mas o desfasamento de timings no início da subida dos juros não explica tudo. A razão por que se diz que o BCE está encurralado é que “nos mercados existem receios cada vez maiores de que os bancos centrais vão ver-se obrigados a avançar com o aperto da política monetária mesmo sabendo que as economias estão a abrandar e em risco de recessão“, assinala Chris Turner, especialista em mercado cambial pelo banco holandês ING, em nota partilhada com os clientes.
A margem de manobra do BCE é ainda menor do que a Reserva Federal, já que a Europa está mais dependente da energia russa e, por isso, “os EUA estão perante um risco bem menor de cair em recessão“, complementa Jack-Allen Reynolds, da consultora londrina Capital Economics. “Caso exista um corte mais profundo ou mais persistente do gás natural da Rússia à Europa, então há potencial para que o euro caia ainda mais“, acrescenta o economista.
Se em outras ocasiões, nos últimos anos, existia a perceção de que o BCE poderia intensificar os estímulos monetários para conter eventuais riscos para a economia, isso agora não parece ser uma opção em cima da mesa. E a culpa é da inflação, que já está quatro vezes acima do objetivo e não deixa, por isso, margem de manobra para o banco central, cujo único mandato é, precisamente, controlar a velocidade da subida dos preços.
O grande desafio para o BCE, neste contexto, é que quanto mais o euro perde valor face ao dólar mais se agravam os riscos para a inflação. “Independentemente de o euro cair ainda mais, o declínio que se tem observado na cotação do euro, nos últimos 18 meses, já irá contribuir para acelerar as pressões sobre os preços“, afirma Jack-Allen Reynolds.
Se a subida dos preços dos bens energéticos foi o primeiro impulsionador da inflação, a fraqueza do euro torna cada vez mais caras as importações de produtos como o petróleo e os seus derivados – “os preços das importações subiram em flecha” e isso agrava os riscos de que “possa haver um contágio aos preços na economia interna”, acrescenta o economista da Capital Economics.
Como os preços desses bens energéticos são denominados em dólares, mesmo que o seu valor não se altere podem tornar-se mais caros se for necessário converter euros em dólares para os comprar. E, num contexto de taxas de desemprego em níveis historicamente baixos, Jack-Allen Reynolds afirma que existe um risco maior de que “a subida dos preços leve os trabalhadores a exigirem – por vezes, com sucesso – aumentos salariais que superam o crescimento da produtividade, e isso tenderá a aumentar os custos das empresas com ordenados – custos que, por sua vez, as empresas irão tentar repercutir nos preços dos produtos e dos serviços“.
“Riscos pendem para que o euro continue sob pressão”
A descida do euro para a paridade face ao dólar coincidiu com o dia em que foi confirmado que a Croácia irá juntar-se à união monetária já a partir do início do próximo ano. Se essa pode ser tida como uma boa notícia, do ponto de vista da sustentabilidade da união monetária a prazo, a cotação do euro, negociada ao segundo, foi mais influenciada por notícias que fazem adivinhar tempos mais difíceis na economia europeia.
Em Espanha, o primeiro-ministro Pedro Sánchez admitiu que o crescimento em Espanha este ano será menor do que tinha sido previsto. E, na Alemanha, o prestigiado instituto ZEW apontou para uma forte quebra dos indicadores de confiança na maior economia europeia em julho – não só houve uma descida do índice (de -28 pontos em junho para -53,8 pontos em julho) como a dimensão do recuo foi muito mais grave do que os economistas anteviam (-41 pontos, em média).
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“Acreditamos que os riscos pendem no sentido de o euro continuar sob pressão“, afirma a Capital Economics, acrescentando que “é possível que fiquemos dececionados” com os contornos exatos do programa que o BCE irá apresentar para combater o aumento dos juros da dívida pública, sobretudo a dívida dos chamados países da periferia, incluindo Portugal.
As últimas informações, da semana passada, apontam para algum atraso na preparação desse programa – possivelmente ao ponto de inviabilizar que seja apresentado já no próximo dia 21 de julho, como é expectativa dos investidores.
Já haverá um nome preliminar para o programa – Mecanismo de Proteção da Transmissão – mas um dos fatores que tem penalizado a cotação do euro é o receio de que Christine Lagarde não consiga formar consensos suficientes, no seio do Conselho do BCE, para apresentar um programa credível e potente.
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A confirmar-se essa deceção, o efeito mais imediato será a subida das taxas de juro dos países mais vulneráveis – e “esses momentos de maior pressão sobre os países periféricos estão associados a momentos de maior pressão sobre a cotação do euro”, assinala o Capital Economics.
Neste contexto, sendo “improvável” que o BCE intervenha diretamente nos mercados cambiais para sustentar a cotação do euro, a dúvida é até que níveis a moeda única pode cair nas próximas semanas.
Durante a tarde desta terça-feira, depois de descer (por segundos) abaixo da paridade, a cotação do euro-dólar recuperou ligeiramente – mas o pior cenário previsto pelo holandês ING é que ainda há espaço para cair mais, potencialmente até aos 0,95 dólares, uma tendência que pode agravar-se caso o par cambial volte a descer abaixo do nível psicológico da paridade.
Para o ING, a única coisa que faria inverter, de forma sustentada, a trajetória negativa do euro, face ao dólar, seria “haver sinais, por parte da Reserva Federal, de que os riscos de recessão nos EUA poderiam justificar uma mudança no pendor atual da política monetária norte-americana”. “Mas isso não aconteceu, pelo menos para já“, afirma Chris Turner.