Índice

    Índice

“Bom dia minha menina!”. No mercado de Olhão, uma freguesa vê Assunção Cristas e trata-a como se a conhecesse de facto. Beijinhos e abraços, “não se esqueça de votar, é já de domingo a oito”. “Ah, e tome lá uma canetinha”. A regra é Assunção Cristas aparecer na caravana eleitoral do CDS pelo menos uma vez por dia, e esta sexta-feira vai estar duas vezes: de manhã e à noite. O objetivo parece cumprir-se no terreno: dar visibilidade e “boost” à campanha que, sendo para europeias, não tem por norma tanta adesão como se de legislativas se tratasse. Esta sexta-feira, dia 17, faz precisamente cinco anos desde que a troika saiu de Portugal — Nuno Melo lembra-se desse dia, estava na Trofa, em campanha, e abriu uma garrafa de champanhe. Agora, diz, é preciso sancionar no dia das eleições Europeias, o Governo que chamou a troika.

É a própria Assunção Cristas que começa por assumi-lo, sem pudor, na conversa com os populares junto a uma banca de peixe. “As pessoas dizem-nos às vezes que, por ser Europa, não conhecem ou não sabem tão bem do que se trata, e é por isso que nós dizemos para então irem votar por razões nacionais, porque o país não está bem à esquerda, é preciso recentrar”. É aí que o CDS faz uso do trunfo Cristas — com mais visibilidade junto dos populares do que os candidatos às Europeias, a líder do partido toma a dianteira no mercado de Olhão e apela ao voto. Seja nestas eleições Europeias, seja nas próximas. Para o caso, pouco interessa.

O que interessa é “penalizar as esquerdas unidas e mostrar que há uma alternativa no centro-direita. Ou seja, o que interessa é “equilibrar o mercado eleitoral”. “O mercado eleitoral está animado e concorrido, da nossa parte queremos é crescer muito e conseguir mais peso para o centro-direita. É preciso equilibrar este mercado”, disse aos jornalistas enquanto distribuía beijinhos e folhetos num mercado algarvio não muito cheio às 9h30 da manhã.

Aquele, juntamente com o mercado de Faro, onde foram a seguir, era, segundo Nuno Melo, “o mercado mais difícil” para o CDS ao nível de aceitação (a câmara é PS), mas nem por isso os centristas viraram a cara ao desafio. A verdade é que ouviram comentários desagradáveis, como um senhor que passou para dizer que Cristas era “a mais fascista que há”, ou como alguns populares que recusaram a brochura e viraram a cara. No mercado de Faro, outro houve que acusou Melo e companhia de serem “ladrões” e “não fazerem nenhum”. O costume.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Mas também houve o inverso, incluindo o testemunho de um senhor, Victor Germano, de 68 anos, que espera há dois anos pela reforma e que até já se queixou do atraso à provedora de Justiça. Foi o exemplo perfeito para ilustrar um dos problemas para os quais o CDS tem alertado e sobre o qual tem questionado o Governo. Cristas e Melo anotaram o nome e o contacto telefónico. De qualquer forma, dali já têm pelo menos um voto garantido. “Obrigado, têm o meu voto”, disse Victor Germano. “Então traga mais dois ou três”, pediria ainda Assunção Cristas. “Levo a minha mulher e os meus filhos”. Já são mais quatro, pelo menos. Ou mais um quantos: na banca do peixe, a jovem que amanhava os peixes naquela manhã também garantiu que o CDS tinha o seu voto e que levava “a malta toda do peixe”.

Mais adiante, outra freguesa parava para falar à líder do CDS: “Bom dia minha menina. Gosto muito de si”. “Bom dia! Então se gosta dê-nos uma ajuda no domingo e vá votar, de domingo a oito” — Cristas não perde tempo.

Cinco anos desde saída da troika. Primeiro houve champanhe, agora Melo pede chumbo ao Governo

Nem Melo nem Cristas esqueceram o dia 17 de maio — faz hoje cinco anos que a troika saiu oficialmente de Portugal. E Nuno Melo lembra-se bem de onde estava nesse dia: na Trofa, ao lado de Paulo Rangel, num comício com Jean-Claude Juncker, precisamente no âmbito da campanha para as Europeias, onde foi aberta uma garrafa de champanhe para assinalar a ocasião. Até da marca do champanhe Nuno Melo se lembra.

“É uma data que não se esquece”, diz. Não necessariamente por causa da qualidade do champanhe, mas porque “foi com o CDS no Governo que terminou um ciclo difícil de austeridade, depois do sacrifício de muitas famílias e trabalhadores”. Agora, diz Nuno Melo, cinco anos depois, é “paradoxal” que o Governo seja uma espécie de “austeridade sem troika”. Ou mesmo uma “troika sem troika”.

Porque, diz, apesar da “publicidade enganosa”, temos hoje “a maior carga fiscal de sempre, e sem a troika”; “a dívida maior desde que há registo, e sem a troika”; “um desaproveitamento trágico dos fundos comunitários, um corte de 7% dos fundos de coesão, e tudo isto apesar de a troika já cá não estar.” Ou seja, a austeridade mantém-se, apesar da saída da troika, sintetizou o candidato do CDS depois de uma visita ao mercado de Faro.

E foi aí que Nuno Melo resumiu a ideia que o CDS, com o impulso de Cristas, procurou passar durante toda a manhã neste que é o quinto dia de campanha oficial: “Os portugueses têm no dia 26 de maio a primeira oportunidade para sancionar nas urnas quem trouxe a troika”. Quanto ao CDS, diz, foi o partido que “libertou o país da troika”.

Então e o PSD? Nuno Melo parecia estar a apagar o PSD da fotografia, mas Paulo Rangel também brindou com a mesma garrafa de champanhe. Acontece que “o CDS tem hoje marcas muito distintivas do PSD”, que, “com a nova direção”, está mais ao centro, ou centro-esquerda. Daí que o CDS seja “a única opção para quem é de direita em Portugal”. E é preciso separar as águas.

Melo insiste nos fogos para alertar para “falência” de Estado. “A Europa também é aqui nesta casa ardida”

O ataque centrado na pessoa de António Costa manteve-se ao longo de todo o dia. Numa passagem por Monchique, já sem Assunção Cristas, Nuno Melo e Pedro Mota Soares foram alertar para o facto de, um ano depois do maior fogo de 2018, ainda “nenhuma casa” ter sido reconstruída. Na verdade, era Pedro Marques (agora candidato do PS) que, enquanto ministro, tinha a tutela da gestão dos dinheiros para a reconstrução das casas ardidas nos incêndios, mas não é exatamente Pedro Marques que a campanha centrista quer atingir.

“António Costa tratou de fazer desaparecer Pedro Marques da equação, por isso não podemos falar para quem não está em campanha“, justificou-se a dada altura Nuno Melo, como quem explica o porquê de o CDS só ter olhos para António Costa. E isso não é esquecer o caráter europeu das eleições? Nem por isso. Nuno Melo tem a resposta a isso na ponta da língua: “A ação da Europa traduz-se concretamente na vida das pessoas. Quando temos fundos próprios para reflorestar e para reconstruir casas perdidas nos incêndios e quando esses fundos não são devidamente usados, isso é falar de Europa“.

Ou seja, quando Nuno Melo vai ao terreno, neste caso a Monchique, atentar para o rescaldo da tragédia dos fogos, “não é aproveitamento”, diz. É “falar da Europa que interessa aos portugueses, e não da Europa académica”, disse, sublinhando que a Europa também é “esta casa ardida” que não foi reconstruída com o dinheiro da Europa, como podia ter sido.

“O Estado tem obrigação de acautelar que os dinheiros são bem aplicados, e um Estado que não o faz, e que promete recuperar casas e reflorestar quando as câmaras de televisão estão a ver, mas que depois vira costas e não liga, é um Estado que se aproveita do sofrimento das pessoas”, disse o eurodeputado, dando o exemplo de Francisco Freitas que recebeu uma carta da Autoridade Tributária a cobrar um aumento do IMI da sua casa que, note-se, ficou destruída no incêndio do ano passado.

Resumindo,o CDS está apostado em atacar diretamente António Costa, “denunciando o falhanço absoluto do Estado”. E um Estado que falha desta maneira às pessoas “não merece a confiança dos portugueses, nem agora em maio nem depois em outubro”. O CDS já joga dois em um.