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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Ex-CEO da TAP (afinal) escapou a corte de 30% no salário porque foi ganhar menos que Antonoaldo Neves

Christine Widener foi o único membro do conselho da TAP a não sofrer corte de 30%. Salário negociado com Estado foi validado por comissão de vencimentos porque era inferior ao pago a Antonoaldo Neves.

A ex-presidente executiva da TAP, Christine-Ourmières-Widener, escapou ao corte de 30% na sua remuneração fixa que foi aplicado a outros membros da comissão executiva da qual fez parte. Estes cortes nos vencimentos da administração vigoram enquanto o plano de reestruturação estiver a ser executado, e acompanham as reduções salariais impostas pela empresa a outros trabalhadores que só foram revertidas parcialmente. Mas no caso da ex-CEO francesa, a comissão de vencimentos validou o salário que tinha sido negociado previamente e diretamente com o Estado, no quadro do processo de contratação internacional liderado por uma empresa de headhunter.

Isso mesmo é percetível na consulta ao último relatório e contas da transportadora, no qual a remuneração bruta atribuída à ex-presidente executiva não integra qualquer corte, ao contrário do que sucede com os restantes membros do conselho de administração, cujas reduções salariais aplicadas no ano passado totalizam quase meio milhão de euros.

vencimentos tap

Remunerações anuais da administração em 2022

A remuneração atribuída a Christine Widener foi aprovada pela comissão de vencimentos da TAP, então liderada por Tiago Aires Mateus, em agosto de 2021, dois meses depois da nomeação da nova equipa liderada pela gestora francesa. A ata da reunião do órgão, a que o Observador teve acesso, indica que foi “deliberado por unanimidade que a componente fixa dos membros do conselho de administração, apesar de manter como referencial o nível remuneratório vigente na sociedade em contexto de normalidade (isto é, previamente à crise provocada pela pandemia da Covid-19), deveria estar sujeita a um corte de 30%, atendendo à situação económica-financeira da sociedade e às medidas de corte de gastos que se encontram em curso”.

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Para os outros administradores executivos do mandato iniciado em 2021 — Silvia Mosquera González, Ramiro Sequeira, João Weber Gameiro (que renunciou em setembro desse ano) e Alexandra Reis — foram validados os cortes de 30% sobre a remuneração base que já estavam a ser aplicados na anterior comissão executiva. Igual redução foi aplicada aos membros não executivos como Manuel Beja.

No caso da presidente executiva, a comissão de vencimentos decidiu “validar” a remuneração base anual de 504.000 euros constante do contrato que tinha sido assinado entre a TAP e Christine, com base nas condições previamente negociadas pela Korn Ferry, empresa contratada pela Parpública para encontrar um CEO do setor da aviação para a TAP.

“A comissão entende ser de validar esta remuneração, considerando que corresponde a um corte permanente (e durante a vigência do contrato) e não relacionado com o período de execução do plano de reestruturação”. Ou seja, ao contrário dos outros administradores da TAP, cujos cortes de 30% são em tese temporários (e revertíveis após concluído o plano de reestruturação), o corte do vencimento da então CEO seria permanente e fixado à cabeça pelo próprio Estado.

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A ata da comissão de vencimentos não especifica qual é esse corte permanente na remuneração fixa da então CEO da TAP, mas foi público que Christine Ourmières-Widener iria ganhar menos do que o anterior CEO proposto pelos acionistas privados, em linha como uma promessa feita pelo então ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos.

Antonoaldo Neves foi contratado em 2018 pela gestão privada com uma remuneração base anual de 630 mil euros, mais despesas de alojamento e direito a prémios de desempenho. A gestora francesa entrou com uma remuneração bruta anual de 504 mil euros, mas considerando o subsídio de residência de cada um e o subsídio de frequência escolar pago aos filhos (três) do gestor brasileiro, Antonoaldo Neves saía bastante mais caro à TAP. Isto não obstante, o montante total auferido no último ano em que esteve à frente da TAP ter sido praticamente o mesmo do atribuído a Christine, 505 mil euros.

Uma parte deste vencimento resultou do corte de 30% que começou a ser aplicado nos primeiros meses da pandemia aos membros da administração da TAP, ainda antes de aprovado o plano e implementados os cortes salariais aos restantes trabalhadores, a partir de 2021. O gestor brasileiro ainda recebeu nos cinco primeiros meses de 2020, o vencimento sem cortes.

Na reunião de 8 de agosto de 2021, várias vezes referida na comissão parlamentar de inquérito à gestão pública da TAP, a comissão de vencimentos decidiu que não estavam ainda reunidas as condições para deliberar sobre a componente variável das remunerações, por estar ainda pendente a aprovação do plano de reestruturação, a partir do qual poderiam ser fixadas as métricas e os objetivos a alcançar pela gestão executiva.

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Ex-presidente da comissão de vencimentos confirma divergência no salário de Luís Rodrigues, mas garante não ter sido pressionado

Mas se com Christine Ourmières-Widener, a comissão de vencimentos teve em consideração o processo de executive search no mercado internacional e aceitou as condições previamente negociadas com o Estado, o sucessor no cargo não viu validado o salário proposto pelo ministro das Infraestruturas. Quando convidou o então presidente da SATA a trocar a companhia açoriana pela TAP, João Galamba ofereceu o mesmo salário pago à ex-CEO. A comissão de vencimentos contrapôs uma remuneração bruta anual de 420 mil euros.

Foi na sequência dessa divergência que Tiago Aires Mateus apresentou a sua demissão da comissão de vencimentos da TAP um dia antes de o ministro João Galamba ter ido responder à comissão parlamentar de inquérito, segundo noticiou e revista Sábado.

Tiago Aires Mateus "não estava disponível para rever uma deliberação já tomada e lavrada em ata". Mas salvaguarda que isso "não quer dizer que tenha sido pressionado para o fazer". Reafirmando que "nunca se sentiu pressionado por qualquer membro do Governo". 
Tiago Aires Mateus, ex-presidente da comissão de vencimentos da TAP

Ao Observador, Tiago Aires Mateus admite a existência de um entendimento diverso por parte do Governo, e que lhe foi transmitido pela TAP, face ao montante do vencimento do CEO indicado. E confirma que tal contribuiu para a decisão de se demitir, porque, “não estava disponível para rever uma deliberação já tomada e lavrada em ata”. Mas salvaguarda que isso “não quer dizer que tenha sido pressionado para o fazer”. Reafirmando que “nunca se sentiu pressionado por qualquer membro do Governo”, Tiago Aires Mateus indica como principal razão para a sua demissão da comissão de vencimentos da TAP, a “vontade de se dedicar exclusivamente à advocacia”. O jurista que já foi administrador da TAP e da Parpública é associate partner (sócio) da RRP Advogados.

Remete ainda para as declarações que prestou na CPI na qual admitiu que com a atual estrutura acionista da TAP (concentrada num acionista que é o Estado) não via vantagem na manutenção de comissão de vencimentos, apontando até potenciais desvantagens em matéria de accountability (responsabilização).

Porque foi proposto um salário mais baixo para Luís Rodrigues

Luís Rodrigues foi convidado pelo Governo para suceder a Christine Ourmières-Widener, horas antes dos ministros das Finanças, Fernando Medina, e das Infraestruturas, João Galamba, anunciarem a demissão da então presidente executiva da TAP, em consequência da auditoria da Inspeção-Geral de Finanças ao caso Alexandra Reis.

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Como referiu João Galamba na CPI, o convite ao então presidente da SATA foi acompanhado de um valor de referência de salário fixo equiparável ao pago à gestora francesa, só que sem direito a remuneração variável. Mas dois meses depois, quando o tema chegou à comissão de vencimentos da TAP, esta remuneração não foi validada, tendo sido fixada uma remuneração anual bruta mais baixa do que a oferecida pelo Governo a Luís Rodrigues.

O montante de 420 mil euros está em linha com o salário pago a Fernando Pinto quando a empresa era detida pelo Estado e antes dos salários dos gestores públicos terem sido cortados por causa da crise de finanças públicas de 2010. Mas está 16% abaixo do pago à ex-CEO francesa, cujo mandato Luís Rodrigues vai concluir. Além de que o gestor agora na liderança da TAP é também presidente do conselho de administração, acumulando o cargo de chairman que era ocupado por Manuel Beja — que ganhava 117,6 mil euros após o corte de 30%.

O órgão liderado por Tiago Aires Mateus justifica esta mudança com uma “profunda análise comparativa” da qual se concluiu “que a componente fixa deveria ser ponderada tendo em conta a atual estrutura acionista da sociedade, atualmente detida integralmente pelo Estado português, através da DGTF”.

A TAP ser totalmente pública, situação que é comparável ao tempo em que Fernando Pinto era presidente, e a interpretação de que a acumulação de funções não implica necessariamente um trabalho acrescido foram dois dos fatores ponderados. Tal como o salário que Luís Rodrigues recebia na SATA. Mas também houve a preocupação de reduzir o grande intervalo entre as remunerações do CEO e dos restantes membros executivos, que, com o corte de 30%, estavam a receber metade do vencimento pago a Christine Ourmières-Widener. Daí a intenção de aproximar os salários de CEO e de outros executivos dentro da grelha salarial aplicada no tempo de Fernando Pinto.

Também pesou a inexistência de um contrato prévio assinado com Luís Rodrigues que vinculasse o Estado (e por essa via a TAP) a um vencimento previamente acordado, como aconteceu com Christine. Ainda que isso não tenha tido a mesma consequência no reconhecimento do direito a remuneração variável, também prevista no contrato e que a comissão de vencimentos não validou.

Durante a inquirição na CPI a 19 de abril, o então presidente da comissão de vencimentos defendeu que a ex-CEO da TAP não teria direito ao pagamento de qualquer bónus (mesmo que estivesse previsto no seu contrato) porque Christine Ourmières-Widener tinha sido destituída e nunca teve um contrato de gestão (como gestora pública) em vigor. Questionado sobre a reivindicação feita em janeiro de 2022 pela então CEO por email aos secretários de Estado de Hugo Mendes (Infraestruturas) e Miguel Cruz (Finanças) a reclamar direito a bónus pelos indicadores de 2021, Tiago Aires Mateus garantiu nunca ter sido confrontado com essa determinação por parte do Estado. E acrescentou que se tal tivesse acontecido teria posto o cargo à disposição.

“A comissão de vencimentos não recebeu nenhuma orientação sobre remuneração variável de 2021. Isso há de fazer parte de um contrato privado e de comunicação política. Se tivesse sido confrontado com uma ingerência nessa natureza, não concordaria. Não concordo com ingerências. Nunca aceitei cargos onde estivesse lá só para fazer de conta”.

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