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O padre que teve uma filha com uma antiga catequista, cuja relação começou quando ela era ainda menor, pediu em tribunal uma alteração da responsabilidade parental para poder passar mais tempo com a criança — já depois de ter abandonado o sacerdócio na sequência de um processo canónico de que foi alvo. A mãe da criança, porém, contrapôs, requerendo judicialmente uma medida cautelar que iniba as responsabilidades parentais de Heitor Antunes e uma perícia psicológica e psiquiátrica à sua personalidade. Ao mesmo tempo, pondera avançar com uma queixa crime por abuso sexual, mesmo que este já tenha prescrito.
Heitor Antunes foi alvo de um processo canónico quando o Observador noticiou em 2019 — na sequência da grande investigação sobre abusos na Igreja Católica portuguesa — que tinha sido investigado por abuso sexual, e ter tido uma relação com uma mulher que começou quando ela tinha 14 anos. Mas, antes da resolução do processo canónico, abandonou o sacerdócio com autorização do Papa Francisco.
A história entre Heitor Antunes e “Mariana”, como lhe chamamos, começou quando ela tinha apenas 12 anos e ele era o padre da paróquia de Nogueira, em Vila Real. Depois a relação entre ambos desenvolveu-se tinha ela 14 anos, era ainda menor: os encontros entre ambos tornaram-se cada vez mais frequentes e íntimos. Como então o Observador noticiou, ela desconhecia estar a ser vítima de um crime de abuso sexual e sentia-se mesmo “apaixonada”. Apesar de uma interrupção na relação, “Mariana” acabaria por engravidar aos 23 anos. A filha tem agora sete anos.
Assumiu paternidade, mas visitaria criança às escondidas
Nessa altura, segundo documentos que constam no processo que corre no Tribunal de Família e Menores e aos quais o Observador teve acesso, Heitor Antunes assumiu a paternidade, mas como continuava a ser padre as visitas à criança eram cuidadosas. “Optou por visitar a menor em locais públicos, mas na maioria das vezes escondidos, nomeadamente no monte na Senhora da Pena e por baixo dos pilares da ponte na Régua, ao anoitecer”, lê-se no requerimento entregue pela mãe da criança ao tribunal em que pede que a justiça o iniba das suas responsabilidades e que avalie as suas capacidades psicológicas e psiquiátricas. Mesmo quando os encontros foram em parques infantis, o então ainda padre ia ver a criança “com boné, óculos de sol e roupas largas e desviava a cara quando suspeitava que passava alguém conhecido”, descreve “Mariana”.
O primeiro acordo feito entre ambos em tribunal, em 2015, quando a criança tinha dois anos, dava liberdade a Heitor Antunes para visitar a filha quando quisesse, desde que avisasse a mãe 24 horas antes. No entanto, nesse ano Heitor Antunes foi subitamente transferido para o Canadá, numa altura em que estava a ser investigado pelo Ministério Público precisamente por abuso sexual de menor e em que se descobriu que tinha esta filha.
Segundo Heitor Antunes comunicou ao tribunal, porém, a mãe “nunca permitiu que a menor estivesse sozinha” com o pai sem qualquer familiar e as visitas foram sendo sempre acompanhadas por ela ou por familiares dele. A última terá acontecido em 2019, precisamente quando Heitor Antunes foi obrigado a regressar a Portugal e foi alvo do tal processo canónico na sequência da notícia do Observador.
Criança terá reagido mal ao encontro com o pai
Heitor Antunes acabou por se demitir das funções sacerdotais em 2021, ainda antes de ser conhecido o resultado desse processo canónico. Agora que trabalha como diretor técnico do lar “Associação Paz e Amizade” pediu para partilhar com “Mariana” a guarda da filha num processo que teve já a sua primeira decisão provisória. Mas que não correu bem.
Na primeira audiência, a 13 de setembro, a juíza estabeleceu que o pai poderia ir visitar a filha aos domingos na companhia de um familiar seu. Mas, nesse dia, a criança, agora com sete anos, reagiu mal. A mãe acabou por ter que estar sempre presente e, segundo conta, perante os ataques de ansiedade da criança teve mesmo que a levar a um psicólogo e pedir ao tribunal que suspendesse as visitas.
Mas, para Heitor Antunes, foi a mãe que não o permitiu e é ela que continua a “obstaculizar os contactos da filha com o pai”.
Para os advogados de “Mariana”, Albano Cunha, apesar de Heitor Antunes nunca ter sido julgado pelos tribunais pelo crime de abuso sexual continuado cometido contra ela, deverá ser sujeito a uma perícia psicológica e psiquiátrica para se perceber se interiorizou o que fez com ela e se pode estar com uma criança. A defesa pondera mesmo avançar com uma queixa crime por abusos sexuais. O advogado pede ainda ao tribunal que, no limite, pondere afastar o antigo padre de todas as responsabilidade parentais. Pede ainda que o tribunal notifique o bispo de Vila Real, António de Azevedo, para disponibilizar no processo canónico movido contra o então sacerdote.
A investigação ao padre Heitor
A diocese de Vila Real abriu uma investigação interna ao padre Heitor Antunes, à data em serviço a uma comunidade de emigrantes portugueses no Canadá, na sequência da notícia publicada a 28 de fevereiro de 2019 pelo Observador. Heitor era o padre da paróquia de Nogueira, em Vila Real, e começou a trocar mensagens com “Mariana” quando ela tinha 12 anos. Aos 14, tinha ele 34, começou a encontrar-se com ela e a relação pessoal entre ambos permaneceu até à maioridade dela. Ela engravidou aos 23 anos e tiveram uma filha.
Padre de Vila Real teve um filho de uma catequista. Ela era menor quando a relação começou
Segundo o Código Penal, quem praticar ato sexual de relevo com ou em menor de 14 anos é punido com pena de prisão de um a oito anos. É considerado ato sexual com adolescente quem, sendo maior, praticar ato sexual de relevo com menor que tenha entre 14 e 16 anos, ou levar a que ele seja praticado por este com outrem, abusando da sua inexperiência — punível com pena de prisão até 2 anos.
Heitor já tinha sido investigado em 2015
O então padre Heitor chegou a ser investigado em 2015 na sequência de uma queixa anónima que referia que se comentava em Vila Real que ele tinha filhos de mulheres com quem manteve relacionamentos amorosos e que, à data, uma rapariga menor de idade estava grávida dele. Nesta altura a filha que tinha com “Mariana” tinha já um ano, pelo que se suspeitou haver outro caso.
À PJ, o sacerdote disse à data que estava em funções em paróquias de dois concelhos (Vila Real e Peso da Régua) desde 2001 e que, naquele momento, estava previsto sair por decisão do bispo. Uma decisão que garantiu ser de comum acordo.
Quando foi inquirido no processo negou sempre ter mantido um relacionamento com uma menor, que à data do caso estaria grávida. Afirmou que nunca se tinha envolvido com nenhuma rapariga menor e que iria ser colocado numa paróquia no estrangeiro, talvez em Inglaterra, “por causa de uma situação pessoal”. Nunca falou de “Mariana” ou da filha. O padre negou quaisquer comportamentos impróprios, de cariz sexual, com qualquer menor e garantiu que, na Igreja, as atividades ocorriam sempre em grupo e eram supervisionadas por jovens adultos.
Ninguém lhe perguntou se assumira a paternidade de alguma criança — e ele também não o revelou, segundo leu o Observador nos autos.
Ouça aqui o episódio do podcast a “História do Dia” sobre o trabalho da Comissão Independente.