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Já se sabe que Governo e PS têm dificuldades em chegar a acordo sobre o conteúdo do Orçamento do Estado, mas nas últimas semanas o problema maior foi mesmo de forma e não de conteúdo. A coreografia de um encontro ao mais alto nível, que sente à mesma mesa primeiro-ministro e líder do maior partido da oposição, desembocou em 78 minutos frenéticos de troca de comunicados entre ambos que, pelo meio de muitas acusações, aceitaram finalmente reunir-se na próxima sexta-feira. Parecia ultrapassado o problema. Até que, esta segunda-feira, um novo caso veio abalar a confiança entre Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos.
Sem que tivesse sido anunciado publicamente, Rui Rocha e André Ventura foram recebidos em São Bento pelo primeiro-ministro. A forma como se soube — quando ainda decorria o encontro com o líder do Chega —, e as posteriores justificações do Governo — não eram reuniões secretas, antes discretas —, levaram Pedro Nuno Santos a levantar publicamente suspeitas sobre as verdadeiras intenções de Luís Montenegro. O próprio líder do PS veio dizer estar “surpreendido” com estes encontros.
Objetivamente, o Executivo tentou manter os encontros longe do radar da comunicação social e demorou largas horas até confirmar oficialmente e com algum embaraço a existência dos mesmos. Apesar de tudo, no Executivo da AD insiste-se que é uma não questão. O mesmo diria mais tarde o próprio Luís Montenegro, explicando que esteve, na qualidade de líder da oposição, muitas vezes reunido com António Costa sem que tal fosse tornado público. O que Montenegro não negou foi que o Orçamento do Estado foi obviamente tema de conversa — até porque fontes da IL e do Chega o confirmariam isso mesmo horas depois, formal e informalmente.
Segundo apurou o Observador, de resto, os convites a Rui Rocha e a André Ventura foram feitos na sexta-feira, no mesmo dia em que Luís Montenegro tentou fechar uma data com Pedro Nuno Santos, algo que acabou por não acontecer. O Governo terá chegado a propor que a reunião com o líder do PS acontecesse igualmente hoje, segunda-feira, às 17h30, mas nunca disse que antes do socialista estaria com os líderes da IL e do Chega.
E este não é um pormenor de somenos. Uma das exigências do PS era que qualquer reunião entre Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos fosse anunciada publicamente. Num primeiro momento, no período mais crítico dos incêndios, essa exigência de publicitação terá sido determinante para inviabilizar um encontro a dois. Desta vez, o Governo até terá aceitado anunciar publicamente a existência da reunião com Pedro Nuno Santos, mas só a partir das 15h30 — ou seja, depois de receber Rui Rocha e André Ventura e depois de iniciar o encontro dedicado à criação da equipa multidisciplinar para os incêndios. O Observador procurou confirmar este dado com o Governo, mas não obteve qualquer resposta até à publicação deste artigo.
Este foi apenas o último episódio de um filme que se vai arrastando desde 4 de setembro. Houve pelo três tentativas de marcar uma reunião entre Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos, todas por iniciativa do primeiro-ministro. Em todas elas houve problemas e troca de acusações. A primeira tentativa foi ainda no início de setembro, antes da segunda ronda de encontros com todos os partidos, que Pedro Nuno recusou enquanto não tivesse todos os dados orçamentais exigidos.
A segunda coincidiu com a semana dos incêndios que afetaram as regiões Norte e Centro do país. As duas partes ainda concordaram em manter o encontro, mas o Governo queria que fosse privado — para evitar contaminar a sua própria narrativa de estar 100% focado no combate aos fogos, suspeita o PS. Pedro Nuno Santos recusou esse modelo. A partir daí, tudo se precipitou até à estranha troca de comunicados do último domingo, que acelerou, em definitivo, a marcação da reunião para sexta-feira.
Contradições, dúvidas e 78 minutos de guerra por comunicado
Governo e PS aproveitam o histórico de dificuldades de agendamento de uma reunião entre Pedro Nuno e Montenegro para trocar acusações de falta de vontade política para viabilizar o Orçamento do Estado para o próximo ano. A sugestão foi feita por elementos do Governo, tal como noticiou o Observador na altura, logo dentro das reuniões da segunda ronda negocial.
Nessa altura, mais precisamente a 10 de setembro, o Governo lamentou em jeito de desabado a falta de disponibilidade do líder do PS para conversar com o primeiro-ministro. O Governo tentara um encontro a 4 de setembro, mas Pedro Nuno Santos não quis tê-lo enquanto não tivesse todos os dados orçamentais que tinha pedido ao Governo.
No final de julho, o próprio líder tinha escrito ao primeiro-ministro a pedir a previsão da situação orçamental em 2024, o cenário para 2025 em políticas invariantes, já com o saldo das medidas que o Governo já sabia que se iam materializar em 2025, e o quadro plurianual de despesa pública. Os dados nunca chegaram diretamente a Pedro Nuno Santos. Foi aí que nasceu a tal ideia da troca de correspondência secreta entre social-democrata e socialista, alimentada por André Ventura, e desmentida peremptoriamente pelos dois protagonistas.
No entanto, a delegação socialista acabou por aceitar reunir-se com o Governo mesmo continuando a não ter o que queria na mão — dentro do PS, chegou a alimentar-se a hipótese de faltar à reunião com a equipa de negociações do Governo se não fossem enviados os dados que os socialistas diziam estar em falta. As posições acabaram por não se extremar a esse ponto e o encontro entre delegações aconteceu com normalidade.
Com objetivo assumido de “acabar com a conversa” da falta de dados, o Governo decidiu entregar o cenário macroeconómico logo na segunda ronda de negociações, um mês antes do que costuma acontecer — tentava assim dar provas de total transparência e disponibilidade na partilha de informação. O PS acabou por manter-se nas negociações e Alexandra Leitão até chegou a dizer, em declarações no Parlamento logo após a reunião, que aguardava contacto do Governo e nos moldes em que o Executivo quisesse — no dia seguinte, o líder do partido viria afinal impor uma condição que já se cozinhava no PS: Montenegro tinha de estar no encontro seguinte para que as negociações pudessem prosseguir.
O socialista sabia que esse encontro a dois já tinha sido tentado por Montenegro a 4 de setembro, mas isso não era público na altura — o Observador revelou essa tentativa infrutífera a 10 de setembro, ainda que nenhum dos envolvidos tenha dado detalhes sobre os termos utilizados. Nestas semanas, os contactos entre os dois foram normalmente feitos através de chefes de gabinete, segundo apurou o Observador, o que não invalida que algumas vezes os dois líderes não tenham falado diretamente. O encontro entre líderes ficou finalmente marcado para o dia 18 de setembro, numa altura em que as regiões Norte e Centro do país ainda não ardiam.
Aqui, recomeçam as contradições ou as meias-verdades de parte a parte. Na terça-feira, dia 17 de setembro, o Observador confirmou junto de fonte do Governo que as negociações para o Orçamento do Estado estavam suspensas em virtude do contexto delicado que o país atravessava. O PS foi confrontado pelo Observador com esta posição e não levantou problemas, mas no Largo do Rato surgiu a dúvida: isso queria dizer que a reunião de quarta-feira entre Montenegro e Pedro Nuno estava de facto suspensa, tal como a restante atividade do primeiro-ministro?
Os socialistas procuram saber isso mesmo junto da equipa de Montenegro. Na resposta, o Governo terá dito que a reunião seria para manter, mas num registo privado, tendo em conta o momento que se vivia no país. Pedro Nuno Santos recusou manter reuniões “secretas” com Montenegro e exigiu que “fosse dado conhecimento público prévio” da reunião, como escreveria mais tarde em comunicado oficial.
É aqui que as versões são diferentes. Igualmente no comunicado divulgado este domingo, o Governo diz que o primeiro-ministro reiterou a “disponibilidade para manter a reunião” de 18 de setembro, “não obstante ter cancelado todos os outros compromissos na agenda durante esta semana, devido ao foco necessário para acompanhar a situação dos incêndios”. “No entanto, o secretário-geral do Partido Socialista desmarcou essa reunião”, acusou fonte oficial do gabinete do primeiro-ministro.
A equipa de Pedro Nuno Santos diz o contrário: “O Governo recuou na marcação da reunião quando o PS exigiu que da mesma fosse dada conhecimento público prévio”. Ao que apurou o Observador, o Executivo terá proposto que a reunião só fosse divulgada mais tarde e que, na nota para imprensa, fosse dito que o encontro tinha servido para fazer a avaliação dos incêndios e também do Orçamento do Estado — modelo que Pedro Nuno Santos rejeitou.
No entanto, os dois não voltaram a falar nesse dia, nem na quinta-feira. Na sexta-feira, dia 20 de setembro, ao final do dia, houve um novo contacto a tentar nova reunião. O Governo terá proposto, logo à cabeça, que se realizasse esta segunda-feira às 17h30, em São Bento, propondo também que pudesse ser tornado público mas apenas duas horas antes de acontecer — numa informação que o Executivo não esclarece. A ser verdade, e se não houvesse fugas de informação como veio a existir, Rocha e Ventura só saberiam do encontro entre Pedro Nuno e Montenegro já depois dos encontros da manhã.
Apesar de tudo, o encontro acabaria por não acontecer esta segunda-feira por indisponibilidade de agenda de Pedro Nuno Santos, que já planeara passar o arranque da semana (segunda e terça) a visitar as zonas afetadas pelos incêndios — segundo apurou o Observador, o Governo chegou a propor, em alternativa, que o encontro fosse no domingo, 22 de setembro, mas Pedro Nuno Santos voltou a alegar indisponibilidade de agenda.
O dia de sexta-feira foi proposto por Pedro Nuno Santos, ainda que tenha sido Luís Montenegro a definir a hora, 15h30. Entre esta proposta e a luz verde, a já delicada relação entre Governo e PS deteriorou-se mais um pouco, com uma série de três comunicados, em 78 minutos, com acusações que foram da “indisponibilidade recorrente” e com mais de 20 dias de Pedro Nuno Santos à “infantilidade” do Governo.
Tudo começou com uma declaração do ministro da Presidência, António Leitão Amaro, às 18h05, que lançou publicamente dúvidas sobre a real disponibilidade dos socialistas em avançarem com o processo negocial para tentar a viabilização do Orçamento do Estado, em linha do que já tinha feito na quinta-feira, depois da reunião do Conselho de Ministros. Nesse dia, como no domingo, Leitão Amaro lamentou a falta de disponibilidade de Pedro Nuno Santos para se encontrar com Luís Montenegro.
De qualquer forma, para o PS era a gota de água. Às 19h46, o PS mostrava-se “surpreendido“, através de nota enviada à comunicação social, com as declarações do ministro e garantia que ainda não tinha acontecido uma reunião ao mais alto nível por dificuldade de “agendamento”. Precisamente a essa hora, já o gabinete do primeiro-ministro anunciava que ia responder em comunicado aos socialistas, dizendo estar há 23 dias à espera de Pedro Nuno Santos.
Às 20h55, a mesma fonte oficial do Governo anunciava a hora da reunião de sexta-feira: 15h30. Ligeiramente depois, o PS emita um comunicado a responder a Montenegro. “Não existe por parte do PS qualquer hesitação e o partido tem sempre mantido total discrição, mesmo quando confrontado com várias fugas de informação deturpada para a imprensa que só servem para alimentar especulação e erodir a confiança necessária para que este processo negocial seja levado a bom porto”.
Em clima de troca de acusações, Montenegro e Pedro Nuno marcam reunião para a próxima sexta