Índice
Índice
O que se segue é um olhar atento sobre uma espécie de passadeira vermelha, mas sem a dita. Entre as várias análises que costumam marcar presença nos dias de eleições, a que olha para a apresentação das principais figuras do dia quando desempenham o respetivo direito cívico nunca tinha acontecido. Nunca, até agora. Começamos com o Presidente da República, porque é preciso respeitar os códigos e a boa educação. E, dos principais candidatos, aqui não figura Rui Tavares porque foi à secção de voto que lhe compete há uma semana, quando votou em antecipação. Os restantes, estão nestes parágrafos de muito média costura.
Marcelo Rebelo de Sousa
O anfitrião destas eleições, votou, como é habitual, na Junta de Freguesia de Molares, em Celorico de Basto. Tal como o notaram entusiasticamente os muitos jornalistas presentes, vinha ao volante do seu próprio carro. Depois de escolher o seu próprio lugar de estacionamento, manobrou as suas próprias rodas com a ajuda do seu próprio volante, puxou o seu próprio travão de mão, tirou a sua própria chave da sua própria ignição, abriu a sua própria porta, tirou o seu próprio rabo do assento e, com a ajuda das suas próprias pernas, pôs-se a ele próprio de pé.
Veio de fato completo — uma raridade neste dia — no caso azul-escuro, de dois botões, de bom tecido e de bom corte. A camisa era branca e estava bem engomada, e a gravata de seda era lilás com motivos de fantasia. Passou alguns metros com o casaco aberto puxado para trás pelas mãos nos bolsos. Depois, lembrando-se que lá por estar em Celorico de Basto não deixava de ser o Presidente da República, fechou o casaco e seguiu chocando mãos com populares. Trouxe máscara cirúrgica em tons azuis claros, que não tirou nunca enquanto falava com os jornalistas: nem quando fez o apelo ao voto dos portugueses, nem quando disse as suas habituais e simpáticas platitudes sobre o tempo, o almoço, ou o pão-de-ló de Celorico. Apesar de bastante composto, não trazia joias nem vinha pintado.
António Costa
O líder do PS apareceu na Escola Básica Silva Porto, em Lisboa, mas só para acompanhar a mulher, uma vez que ele próprio já tinha votado há uma semana. Muito provavelmente nele mesmo, como costumam fazer os vários candidatos. Não vá o diabo tecê-las. Para este dia eleitoral, escolheu vir também com duas cadelas à trela, que depois o iam mandando ao chão, fugindo para perto da dona quando a viram voltar da secção de voto. Se considerou isto um mau presságio, pelo menos disfarçou.
O ainda primeiro-ministro trouxe máscara descartável azul-elétrico, um quase roxo, que tirou para falar com a comunicação social, assim que ficou resolvida a debacle das cadelas. O casaco de inverno, de ar mais económico, era cinzento escuro, entre o anorak e a parka, fechado quase até cima, de golas levantadas, sobre camisa desportiva de ganga, sem gravata. As calças eram escuras, de fato, mas sem vinco. Com, pelo menos, vinte centímetros de tecido a mais, que se enrolava depois juntos aos sapatos, como é moda nos políticos mais gauche. Vinha com o cabelo ainda molhado, de óculos, mas sem outra bijuteria ou maquilhagem.
Rui Rio
O candidato do PSD, votou, como se imaginava, no Porto, mais concretamente na Escola do Bom Sucesso, freguesia de Massarelos e Lordelo do Ouro, que dantes eram duas freguesias e agora são só uma. Assim é a vida. Há coligações piores, seguramente. O líder social-democrata vinha de camisa branca de colarinho curto e sem botões, sem gravata, pullover de lã azul-escuro, com bom ar e sem borbotos, de decote em bico. Arriscou uns jeans também em azul-escuro. O casaco de inverno, ligeiramente abaixo da cintura, era verde escuro — um faux casaco de encerar, que sempre são mais caros — de forro preto em nylon, que usou com as bandas à vista. A máscara era FPP2, de elásticos ainda tesos, sinal de que era nova, e não bambos como acontece quando se usam durante mais de uma semana. O cabelo vinha lavado mas seco, impecavelmente penteado para trás. Porém, nem um risquinho nos olhos, nem um vago pó-de-arroz.
Catarina Martins
A coordenadora do Bloco de Esquerda cumpriu o seu dever em Vila Nova de Gaia. Com o look mais despretensioso do dia eleitoral, trazia jeans e uma camisa preta sem colarinhos, aberta até ao terceiro botão, também sem gravata. Completou com grosso cordão de prata escurecida de uma volta, nem curto, nem comprido. Por cima, deitou-lhe um casaco do género siberiano, verde por fora e cardado em pérola por dentro, que trazia escancarado. Nada disto parecendo ter custado propriamente uma fortuna. A nota mais positiva vai para o cabelo, bem penteado, do tamanho certo e com madeixas mais claras que o habitual. A máscara era cirúrgica. Trazia o ar luminoso de quem não lê sondagens, mas não trazia carteira, pelo menos à vista. É verdade que vinha pintada, mas sem grande história. Apenas o contorno dos olhos e um discretíssimo baton nude.
Jerónimo de Sousa
O cabeça-de-lista da CDU votou — por motivo de obras na sua habitual Pirescoxe — no pavilhão polidesportivo do Agrupamento de Escolas de Santa Iria da Azóia. Também ninguém esperava, creio, que votasse em Monte Carlo ou em Portofino. O mais ancião dos candidatos a primeiro-ministro escolheu para a manhã das eleições um fato completo, de calças e casaco azul-escuro, de três botões, o único nestas legislativas, onde imperam apenas dois. Três ou dois botões, pouco importaria, pois que o secretário-geral dos comunistas trazia o blazer aberto de par em par. Completou o look com uma camisa azul-Lisnave.
Por dentro da camisa, a fazer as vezes de gravata, o toque de classe —e da luta das mesmas — era dado por cachecol de pashmina às riscas em vários tons de cinzento, dos mais escuros aos mais claros, e umas ligeiríssimas linhas encarnadas. Ou vermelhas, como dizem. Por cima de tudo isto, um sobretudo de feltro azul-escuro a três quartos, que não lhe caía mal, dentro do género sobretudo de feltro azul-escuro a três quartos. A máscara FPP5, branca, mas com uns elásticos que já viram melhores dias, dificultava que se percebesse o que dizia. Mas é quase sempre a mesma coisa. Com simplicidade, não trazia nem brincos nem colares. Apesar do ar francamente cansado, cujos motivos são públicos, nem por isso caiu na tentação de disfarçar com uma base ou sequer um fond de teint.
Francisco Rodrigues dos Santos
O presidente do CDS/PP votou no Lumiar, em Lisboa. Elegeu, ele que também esperava ser eleito, uma camisa azul-claro com os botões abertos até meio do peito, por onde espreitava uma grossa corrente de prata na ponta da qual, imaginamos, estará a figura crucificada que rege a matriz do seu partido. Também poderia ser, mas menos provável, um pequeno corno de marfim, como foi moda entre os seus eleitores nos anos 70 e 80. Ainda há um ou dois resistentes. Refiro-me a pessoas que usam cornos de marfim ao pescoço, não a eleitores do CDS. Isso se verá.
Rodrigues dos Santos não trazia blazer mas um casaco de malha azul escuro e calças do mesmo tom. Por cima, um casaco de caça acolchoado aos losangos, em tons de verde-seco, com gola em velours côtelé, como se diz em francês — ou corduroy, como se diz em inglês, ou bombazine e ainda bombazina, como se diz por cá. A máscara era descartável, de azul-escuro e cordões brancos. Levava o cabelo seco e a barba com, diria, dois dias. Além do cordão ao peito, trazia no pulso um relógio dourado oversized. Apesar de bastante cieiro, não trazia sequer baton.
Inês de Sousa Real
A candidata do PAN, votou no bairro de (ou das, nunca sei) Telheiras, em Lisboa. Chegou embrulhada num casaco acolchoado com capuz, roxo-claro ou lilás, de linhas direitas mas com cinturão do mesmo tecido com enfeite prateado redondo. Preferiu usar o fecho éclair aberto até meio mas, por causa do corte do casaco, não se percebia o que trazia por baixo, apenas que era de cor escura. A carteira vinha à tiracolo e a dar pelos joelhos. Já as calças de veludo azul-petróleo, à boca de sino, vinham a roçar o chão. A máscara era a mais original do dia: de pano castanho, com o símbolo da República, a esfera armilar, rodeada por uma coroa de louros, bordados a linha branca.
Justificou a escolha de não trazer uma máscara descartável, como recomendado, com motivos ambientais. Por falar em causas ambientais, ficamos a pensar quantos polyesters tiveram de matar para fazer este look da presidente do PAN. O cabelo estava solto e penteado para a frente. Nas orelhas, argolas médias douradas. Ao contrário da maioria dos outros cabeça-de-lista, escolheu um ligeiro baton carmim, sexy sem ser vulgar.
André Ventura
O líder do Chega votou na Escola Básica do Parque das Nações, em Lisboa. Chegou de fato completo azul-escuro — calças e casaco — e de corpo bem-feito, sem sobretudo, ou outra coisa que tapasse o fato de mau corte. A máscara era cirúrgica azul-claro, claro, e a gravata bordeaux e branca em entrançados, numa camisa ou pérola ou branca, mas com mais de cem lavagens. Apesar dos botões de punho, todo o look parecia ser, como se costuma popularmente dizer, comprado “naquela etnia”, mas é pouco provável que lho vendessem. Completava o visual com a barba feita que parecia por fazer ou por fazer que parecia feita, e na cabeça um penteado ao gosto seminarista, lembrando a sua muito recentemente descoberta devoção religiosa. Levava a cara lavada, com a exceção talvez apenas um leve corretor de olheiras.
João Cotrim de Figueiredo
A figura principal da Iniciativa Liberal votou na Escola Básica Marquesa de Alorna, em Lisboa. A peça central do seu look era um casaco acolchoado em gomos horizontais, em azul-elétrico, enfeitado por um cachecol cor de tijolo que deixava antever uma camisa azul-claro, sem gravata. Nas pernas, trazia uns jeans escuros. Ou seja, um look que não se percebe bem o que é, mas compromete nada. O que faz sentido. A máscara era cirúrgica em tons de azul-claro. O cabelo, bem penteado, vinha puxado para trás. Não tirou a máscara durante a entrevista, pelo que é impossível saber se estaria pintado, mas os olhos, pelo menos, não.