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KIMMY SIMÕES/OBSERVADOR

KIMMY SIMÕES/OBSERVADOR

Fechar e abrir outra ao lado? Itália fez o que Portugal afastou na TAP por ter "custos descontrolados"

Alitalia fecha a 15 de outubro e arranca a operação da nova ITA com ativos da velha companhia. Há diferenças, mas Itália vai fazer o que Portugal afastou para a TAP. Falta aprovação final de Bruxelas.

Deixar cair a TAP e abrir uma nova empresa ao lado, sem os vícios e heranças financeiras pesadas. Era um cenário defendido por alguns em alternativa à reestruturação da velha TAP, mas que o Governo prontamente afastou. Argumentou que teria custos “descontrolados e imprevisíveis”, suportado numa avaliação que terá sido feita logo em 2020, antes da primeira ajuda pública de 1.200 milhões de euros — mas que nunca foi divulgada.

Governo estudou insolvência da TAP e concluiu que teria “custos descontrolados e imprevisíveis”. Os pontos essenciais do plano

O primeiro cheque para a TAP, sob a forma de empréstimo, foi concedido há mais de um ano ao abrigo do regime mais exigente do quadro europeu em matéria de apoios de Estado e, já depois de o dinheiro ter sido todo consumido, teve de ser reaprovado em julho. Só assim a Comissão Europeia conseguiu ultrapassar o efeito da anulação resultante da queixa da Ryanair no Tribunal Europeu de Justiça. Ao mesmo tempo, Bruxelas abriu uma investigação aprofundada ao plano apresentado para a TAP com muitas dúvidas sobre a viabilidade do mesmo, e mantendo a incerteza sobre a luz verde para o pacote de 3,2 mil milhões de euros de fundos públicos que Portugal apresentou em dezembro.

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Foi também em julho que Itália anunciou um acordo em Bruxelas que lhe permite avançar com o fecho da Alitalia e promover o renascimento da parte saudável numa nova companhia, a ITA, que deve começar a voar a 15 de outubro. O processo pode ser mais rápido que o da TAP e contou com o empenho do primeiro-ministro italiano. Mario Draghi, citado pelo jornal Politico, afirmou que para os italianos a “Alitalia é como se fizesse parte da família, mesmo sendo um bocado cara”.

A reestruturação da Alitalia tem sido um tema quente por causa da oposição dos trabalhadores

NurPhoto via Getty Images

Bruxelas avisa que não há ainda decisão formal sobre a nova companhia italiana

Fonte oficial da DG Comp (a direção europeia da concorrência) adianta ao Observador ter tido conhecimento do anúncio italiano que se segue a “uma reunião construtiva a 26 de maio entre a vice-presidente da Comissão, Vestager (que tem o dossiê da Concorrência) e o ministro italiano Giorgetti and Franco (com as pastas da Economia e Finanças) na qual a Comissão e as autoridades italianas chegaram a um entendimento comum sobre os parâmetros chave para assegurar a descontinuidade económica entre a ITA e Alitalia”.

No entanto, o porta-voz realça que “nenhuma decisão formal foi ainda tomada nesta fase”: “O principal objetivo é tomar decisões legalmente sólidas, o mais depressa possível, ao mesmo tempo que se garante que os direitos dos passageiros vão ser protegidos. A Itália reafirmou que, com o fim da Alitalia (apontado também para 15 de outubro), os direitos dos passageiros serão protegidos”. A companhia italiana, que ao longo do último ano foi autorizada por Bruxelas a receber auxílios públicos de pequena dimensão para manter a operação, já anunciou que deixará de emitir bilhetes a partir dessa data.

A nova empresa, a ITA, vai nascer com uma injeção de dinheiro público, para já 700 milhões de euros que serão usados para comprar ativos da Alitalia. A marca histórica “Alitalia” será adquirida em concurso público, uma condição que terá sido imposta por Bruxelas, segundo a imprensa internacional. Manter essa marca é apontado como um fator essencial para executar o plano industrial da nova empresa.

Manifestantes anti plano para a Alitalia usam um boneco em forma de dragão alusivo ao apelido do primeiro-ministro italiano

NurPhoto via Getty Images

A Comissão Europeia, acrescenta ao Observador um porta-voz da DG Comp, “mantém-se em contactos estreitos com as autoridades italianas para assegurar que o lançamento da ITA como um operador novo e viável está em linha com as regras europeias de ajuda de Estado”. E, ao mesmo tempo, prossegue as investigações sobre o cumprimento dessas mesmas regras por parte da Itália na concessão de ajudas de 1,3 mil milhões de euros à Alitalia antes da pandemia. Já esta sexta-feira, a DG Comp considerou ilegais 900 milhões de auxílio dado pelo Estado italiano à companhia em 2017.

Bruxelas obriga Itália a recuperar 900 milhões de ajuda ilegal à Alitalia que será substituída por nova empresa

Segundo dados da imprensa internacional, a Alitalia recebeu mais de 8 mil milhões de euros em apoios públicos ao longo de mais de uma década e o plano de renascer com um novo nome poderá custar um total de 3.000 milhões de euros em injeções do Estado. No que diz respeito “ao cumprimento das regras de mercado da injeção de capital na ITA e ao tema da descontinuidade económica (entre as duas empresas), a Comissão está em contacto com as autoridades italianas.”

Os argumentos contra a insolvência da TAP

Quando foram conhecidos os detalhes do plano de reestruturação da TAP, em dezembro do ano passado, e se tornou conhecido que a dimensão do cheque público poderia chegar aos 3,7 mil milhões de euros, ficando no mínimo nos 3,2 mil milhões de euros, o Governo foi confrontado com a alternativa da insolvência.

Segundo afirmou então o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, essa solução teria um custo imprevisível e descontrolado. Para além das consequências da entrada em incumprimento com os detentores de dívida e obrigacionistas (incluindo os de retalho), o fecho da TAP colocaria em risco os slots atribuídos nos aeroportos portugueses cuja transferência para a nova empresa não estava garantida e obrigaria a uma longa e incerta negociação com a Comissão Europeia. Na altura em que Portugal teve de avançar com o pedido inicial para apoiar a TAP — junho de 2020, após o primeiro impacto da pandemia — ainda os acionistas privados tinham 50% do capital, o que aumentava muito o risco de litigância.

O cenário da insolvência terá sido estudado pela própria TAP, disse o Governo então, mas não revelou o custo estimado para esta solução. Segundo informação recolhida pelo Observador, a solução terá sido estudada pela Parpública, a empresa do Estado que era acionista da companhia, e com o apoio jurídico da sociedade de advogados VdA – Vieira de Almeida & Associados. E teve como termo de comparação o fecho na viragem do século das companhias suíça e belga — a Swissair deu origem à Swiss e a Sabena deu origem à Brussels Airlines — numa altura em que as regras da Comissão Europeia eram menos exigentes para este setor.

Este estudo foi pedido ao Governo pelo grupo parlamentar do CDS, mas nunca foi entregue ao Parlamento. Questionados pelo Observador, os ministérios das Finanças e das Infraestruturas não responderam até à publicação deste artigo.

O que distingue a TAP da Alitalia

Ainda antes de rebentar a pandemia, a DG Comp tinha aberto processos de investigação a ajudas de 1,3 mil milhões de euros dadas por Itália à Alitalia e que, à luz das regras europeias, podem vir a ser consideradas ilegais, o que obrigaria a empresa a devolvê-las. Apesar de prejuízos acumulados em quase todos os anos, a companhia portuguesa não recebeu qualquer dinheiro público em duas décadas.  Só depois da pandemia teve de recorrer a ajudas do Estado e o dinheiro que até agora entrou na TAP (1.662 milhões de euros) foi sempre previamente validado por Bruxelas (ao contrário da açoriana SATA, que também é alvo de uma investigação europeia).

Se essa é uma diferença importante entre as duas empresas, há também o facto de a Alitalia ter entrado em  processo de falência em 2017 depois de os trabalhadores terem rejeitado os cortes propostos pelo acionista privado, a Eithad Airways. O Governo italiano recusou então um novo resgate — na década anterior foram injetados cerca de 7 mil milhões de euros — e entrou uma administração nomeada pelo tribunal que tinha como missão promover a reestruturação e a venda da companhia.

Surgiram vários interessados, incluindo grandes companhias europeias como a Lufthansa — que, segundo o Governo, estaria a negociar com o acionista privado David Neeleman a compra da sua participação na TAP.  Mas as negociações não funcionaram e em março de 2020, no início da pandemia, a Itália nacionalizou a Alitalia. Agora a companhia alemã, como todas as empresas do setor ajudadas, está impedida de fazer aquisições.

epa09050635 (FILE) Lufthansa passenger planes parked at Frankfurt airport's northern runway in Frankfurt, Germany, 25 March 2020 (reissued 04 March 2021). Lufthansa Group in a statement on 04 March 2021 reported a 5.5 billion euro operating loss in 2020, mostly due to the ongoing coronavirus Covid-19 pandemic.  EPA/MAURITZ ANTIN *** Local Caption *** 56475375

Antes da pandemia foi noticiado o interesse da Lufhtansa na TAP na mesma altura em que a companhia alemã estaria a negociar a Alitalia

MAURITZ ANTIN/EPA

Apesar de estar em falência técnica desde o tempo em que era uma empresa pública, muito por causa do travão europeu à capitalização pelo Estado, a TAP nunca entrou em incumprimento. E conseguiu sempre financiar-se em mercado sem uma ajuda direta do Estado. Depois da privatização de 2015 e com um balão financeiro de mais de cerca de 300 milhões de euros dos novos acionistas, a TAP conseguiu atrair investidores para duas emissões obrigacionistas de mais de 500 milhões de euros.

O Estado só assumiu o controlo da companhia no verão de 2020, comprando a parte de David Neeleman, não sem antes ter ameaçado nacionalizar a empresa. E justificou a iniciativa com a necessidade de avançar com um financiamento urgente à companhia em termos que este acionista privado não aceitou. O outro parceiro privado, Humberto Pedrosa, manteve-se no capital da transportadora.

Mario Draghi fez voz grossa a Bruxelas

Há outras diferenças entre a Alitalia e a TAP. Itália (uma das maiores economias da zona euro) não é Portugal e, como se não bastasse Mario Draghi estar à frente do Governo, o primeiro-ministro italiano tem sido — no mínimo — mais vocal na defesa da nova Alitalia do que o português. Ainda em abril, Draghi (cujo apelido em português quer dizer dragão) deu um sinal amarelo a Bruxelas pela demora no processo de aprovação da criação da nova empresa que o Governo italiano queria ter operacional antes do verão, depois de ter falhado o primeiro objetivo temporal de abril.

"Estamos no meio das negociações com a Comissão. Não podemos aceitar assimetrias injustificadas. Se há razões para tratar a Alitalia pior do que a Air France (cujo pacote de apoios tinha sido recentemente aprovado) vamos analisá-las e não aceitaremos discriminações arbitrárias"
Declaração de Mario Draghi em abril depois de ser conhecido o impasse nas negociações com Bruxelas

“Estamos no meio das negociações com a Comissão. Não podemos aceitar assimetrias injustificadas. Se há razões para tratar a Alitalia pior do que a Air France [cujo pacote de apoios tinha sido recentemente aprovado] vamos analisá-las e não aceitaremos discriminações arbitrárias”, avisou.

As declarações surgiram num contexto de impasse negocial que levou a imprensa italiana a questionar o tratamento alegadamente diferente que a Comissão Europeia estaria a dar às duas companhias, apesar de as situações da Alitalia e a Air France, bem como os respetivos planos de capitalização e regime de ajudas, serem completamente distintas.

Em Portugal, a defesa em público da TAP está quase reduzida ao ministro das Infraestruturas — Pedro Nuno Santos — com algumas intervenções do ministro da Economia, Pedro Siza Vieira. E, sobre a intervenção da Comissão, os responsáveis governamentais têm-se limitado a dar prazos indicativos para uma decisão final sobre o plano da TAP, que têm sido constantemente ultrapassados. Em Bruxelas, a delicada negociação com os exigentes serviços técnicos da concorrência europeia é conduzida pelo secretário de Estado do Tesouro, Miguel Cruz, apontado como competente, mas com pouco peso político no palco europeu.

Deste processo tem estado afastada a principal interessada, a TAP. Ainda que do ponto de vista formal as discussões se desenvolvam entre o Governo e a Comissão Europeia, a nova presidente executiva Christine Ormières-Widemer já mostrou ao Governo que tem vontade  de intervir.

O preço de fechar a Alitalia e quem vai pagar

Das discussões entre a Itália e a Comissão Europeia, saiu também a luz verde para a ITA herdar os slots da Alitalia, mas não a sua totalidade. Esta foi outra condicionante da DG Comp — e o aspeto mais sensível do processo negocial — que serviu de argumento para não explorar a mesma solução em Portugal. No entanto, e no quadro da negociação do plano da TAP, até o Governo já admite que a companhia terá de ceder slots, sobretudo no aeroporto de Lisboa, onde a Ryanair tem aumentado a pressão para ficar com intervalos para partidas e chegadas que pertencem à empresa portuguesa.

Cartaz de protesto contra o plano do Governo de Mario Draghi para a Alitalia

NurPhoto via Getty Images

A ITA vai ficar com 85% dos slots da Alitalia no aeroporto de Linate, em Milão, e 43% dos detidos no aeroporto de Fiumicino, em Roma. A companhia vai operar inicialmente com 52 aviões, mas o plano de negócios prevê que a frota seja reforçada para 78 em 2022 com a introdução de novos aviões, até chegar a 105 em 2025. A TAP anunciou a redução da frota de 105 para 88 aviões, mas ainda não tem a autorização de Bruxelas.

Dos 11.000 trabalhadores da Alitalia, apenas 2.800 serão absorvidos pela nova empresa ainda este ano, podendo este número chegar aos 5.750 no ano seguinte. O corte para cerca de metade do número de postos de trabalho tem sido fortemente contestado pelos sindicatos e o governo italiano tem procurado tranquilizar os funcionários, prometendo medidas de apoio social aos que ficarem de fora da nova empresa. Partindo de um universo existente em 2019 — 9.000 na transportadora — a TAP já reduziu mais de 2.000 colaboradores, entre as 1.300 saídas concretizadas por rescisão desde dezembro e os contratos a termo não renovados, estando ainda em curso um despedimento coletivo.

Outro ponto crucial das conversas entre Roma e Bruxelas foi a garantia de que a nova empresa ficaria liberta de eventuais obrigação de reembolsar as ajudas de Estado dadas no passado pelo Estado italiano. Roma conseguiu convencer a direção da concorrência europeia que a Alitalia e a ITA são entidades económicas distintas, para que a nova empresa não seja responsável pela fatura da antiga. O que não se sabe ainda é a dimensão total dos custos que esta solução terá para o Estado italiano.

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