Está há um ano na liderança da bancada parlamentar do PSD e continua a falar com Rui Rio “todos os dias”, inclusive ao fim de semana e nas férias. Cada vez mais, porque o trabalho “tem-se acentuado”. Fernando Negrão falou com o Observador na véspera do arranque de mais umas jornadas parlamentares do PSD, que decorrem no Porto, e anunciou que os deputados vão reunir-se na quinta-feira à tarde para aprovar as prometidas alterações ao regulamento interno do PSD de forma a apertar o escrutínio e alargar as sanções aos deputados que registem falsas-presenças no plenário. Depois daquele que, admite, foi o momento mais difícil do seu mandato, Negrão aplaude o facto de esses casos terem sido “denunciados” para que este tipo de comportamento que se foi “normalizando” deixe de ser visto como “bom”.
Defensor do discurso de Rui Rio do “diálogo” e dos “consensos com todos os partidos”, Fernando Negrão não rejeita que no day after das eleições a direita se una, podendo incluir aqui o Aliança de Pedro Santana Lopes (se tiver expressão nas urnas). Mas a prioridade é não “radicalizar a vida política em Portugal”, logo, não hostilizar o PS, mesmo que, admite, o governo não esteja a cumprir os acordos feitos com o PSD, nomeadamente quanto ao quadro financeiro plurianual da UE. “O PSD não quer divisões irreversíveis em Portugal”, diz.
Sobre a moção de censura ao governo que o CDS apresentou na semana passada, obrigando o PSD a votar a favor mesmo contra a sua vontade, Fernando Negrão explica por que razão o PSD não gastou o tempo todo que tinha disponível no debate nem pôs o líder parlamentar a intervir: “Sabíamos que a iniciativa não ia ter êxito, iria ser chumbada. E como estes temas já tinham sido todos debatidos, achámos que não valia a pena estarmos a fazer um investimento substancial nesta moção de censura”. Mais: neste momento, “nada” que o governo fizesse justificava, no seu entender, uma moção de censura. “Os mandatos são para cumprir até ao fim”.
O tema das jornadas desta quinta e sexta-feira é tão genérico quanto “o Portugal que temos e o Portugal que queremos”. Correndo o risco de começar com uma pergunta que podia dar para a entrevista inteira, qual é o Portugal que o PSD quer?
O Portugal que o PSD quer é um Portugal que cresça. Sem crescimento da economia não podemos dar melhores condições aos portugueses. Sem o crescimento da produtividade do país, sem medidas para impulsionar a produtividade, não podemos dar melhores salários aos portugueses.
E como é que se consegue que a economia cresça mais do que está a crescer?
Não é preciso inventar nada. Basta olharmos para aquilo que é a produtividade hoje em Espanha, já para não falar de países como a Holanda, que tem não só níveis de produtividade muito elevados como tem níveis de conciliação da vida profissional e pessoal como mais nenhum outro. É para estes exemplos que temos de olhar e aplicá-los à nossa realidade. As prioridades do governo estão completamente erradas. Ou melhor, são inexistentes: governa à vista, para satisfazer as necessidades daqueles que mais barulho fazem. E acabou com a paz social prometida, porque nunca tivemos tantas greves como agora.
“Não fazemos oposição em competição com ninguém”
Estas jornadas vão incidir particularmente no tema da saúde, incluindo visitas à ala pediátrica do hospital de São João, ou ao IPO. O CDS na semana passada apresentou uma moção de censura ao governo alegando precisamente que o governo estava esgotado pelo estado em que estavam os serviços públicos de saúde. O PSD ficou para trás?
O PSD não ficou para trás. O trabalho parlamentar e a oposição ao governo não se resume a moções de censura. Há um conjunto de iniciativas, de debates, plenários, em comissão, onde é feito todos os dias esse trabalho. O PSD nunca deixou de denunciar os casos flagrantes de injustiça no que diz respeito ao tratamento das pessoas e à sua relação com o SNS, por isso sentiu-se à vontade na moção de censura para criticar o governo sobre essas questões.
Na sua opinião, justificava-se uma moção de censura nesta fase, quando há eleições à porta?
Conhecendo como conheço os instrumentos existentes na Assembleia da República para os partidos fazerem oposição, e estando nós a cerca de sete meses das legislativas, não encontro justificação para uma moção de censura.
Nem os serviços de saúde estarem a rebentar pelas costuras?
Estamos a sete meses das eleições, por isso eu diria que nada justificava esta moção de censura. E o facto de os serviços de saúde estarem tão mal é uma questão que nós denunciamos há meses. Além de que já sabíamos que o PCP e o BE quando chegam a estes momentos aliam-se automaticamente ao PS. A moção de censura foi apenas um momento interessante de debate e de oposição ao governo, mas não era determinante.
Mas a política é também feita de perceções, e a que ficou foi que o CDS estava um passo à frente. É com o CDS que o PSD deve competir para ver quem é melhor oposição?
Isso não faz sentido. Não fazemos oposição em competição com ninguém, fazemos oposição contra aqueles que governam e que governam mal.
O facto de não ter discursado no debate da moção de censura e de o PSD nem sequer ter gasto o tempo todo que tinha para intervir fez parte de uma estratégia de desvalorização da iniciativa do CDS?
Não é desvalorizar, é uma questão de sabermos que a iniciativa iria ser chumbada. E como estes temas já tinham sido todos debatidos, achámos que não valia a pena estarmos a fazer um investimento substancial nesta moção de censura.
Nem era importante clarificar a posição dos partidos, não só do PSD como até dos partidos da esquerda, como disse Assunção Cristas?
Todos os dias clarificamos a posição do PSD, e principalmente o papel de oposição do PSD. Há aqui alguma ingenuidade julgar-se que era através de uma moção de censura que íamos perceber qual era a posição do BE e do PCP: nos momentos cruciais a posição deles é aliar-se ao PS, nos outros negociar em privado, e em publico, criticar. É isto desde o início desta solução governativa, e vai ser assim até ao fim. Não tenhamos ilusões. Não há momentos de clarificação porque ela não é necessária: ela é muito clara. O PSD foi sempre defensor do cumprimento dos mandatos que os eleitores conferem, por isso é o partido que menos moções de censura apresentou no parlamento, porque é defensor da estabilidade governativa.
Alterações ao regulamento interno do PSD vão ser aprovadas: vai haver sanções para faltosos
Fez esta semana um ano desde que foi eleito líder parlamentar. Disse numa entrevista recente que o momento mais difícil do mandato foi o caso das falsas-presenças dos deputados no plenário. Acha que o episódio serviu para mudar mentalidades nos deputados?
Claro. Estes ajustes são importantes porque chamam a atenção dos maus hábitos, dos maus vícios que se vão formando… Parece que as coisas erradas se tornam normais e, tornando-se normais, parece que se tornam boas, mas não é assim. O facto de isto ter sido denunciado foi bom, e hoje temos um grupo de trabalho a trabalhar para mudar regras, temos a comissão da transparência alerta para essas situações.
E isso é suficiente? Na altura, fez uma reunião da bancada onde disse que era preciso mudar o regulamento interno do PSD por ser obsoleto e que era necessário aumentar o rigor e a exigência dos deputados. Prometeu mudanças em janeiro, mas ainda não se viu nada.
Vai haver. Na próxima reunião do grupo parlamentar, esta quinta-feira, nas jornadas parlamentares, vamos tratar destas questões da assiduidade dos deputados, da transparência, da forma como se registam e do regulamento interno.
Vai haver sanções, nomeadamente de perda de mandato, para os incumpridores?
Já há sanções para determinados comportamentos, agora vamos incluir novos comportamentos que decorrem da denúncia destas situações de falsos registos no plenário.
O funcionamento do Parlamento também devia ser alterado, no seu entender?
Sim, na minha opinião há plenários a mais. Nos plenários muitas vezes discutem-se matérias que são importantes para o país, obviamente, mas que não têm dignidade para uma discussão que reúne todos os 230 deputados. E isso muitas vezes também é objeto de crítica aos deputados, pela falta de profundidade. Os plenários deviam ser usados para discutir questões de fundo, que mobilizem todos os deputados, ou um número significativo. Devia ser preciso escolher bem as matérias a serem levadas a plenário, para que a discussão não fosse num âmbito muito técnico, muito local. As outras questões deveriam ser tratadas nas comissões, que deviam ser mais alargadas. Muitas vezes queremos reunir em comissões, grupos de trabalho, comissões de inquérito, e não podemos porque não há tempo. O trabalho especializado é fundamental para depois termos, de facto, discussões importantes e interessantes em plenário.
“Debates quinzenais deviam ser mais exigentes para quem responde do que para quem pergunta”
Também acha que há debates quinzenais a mais, como o primeiro-ministro?
Acho que este modelo dos debates quinzenais tem virtualidades, mas transformou-se um bocadinho numa necessidade de crítica a qualquer custo, de responder na mesma moeda, e depois quando acaba o debate eu pergunto-me a mim próprio: das perguntas que fiz, no que é que fiquei esclarecido? Em nada, não há respostas claras. Seria interessante arranjarmos uma solução que fosse mais exigente do ponto de vista de quem responde e não do ponto de vista de quem pergunta, porque essa já é a responsabilidade dos deputados, fiscalizar o governo.
Sobre a reforma do sistema político, o PSD já disse que se vai bater por resultados na próxima legislatura. A proposta vai ser no sentido da introdução dos círculos uninominais e redução do número de deputados?
A questão dos círculos uninominais é muito importante, mas corre-se o grande risco de não se conseguir um consenso alargado. Porque os partidos mais pequenos, do CDS ao Bloco de Esquerda, são completamente contra esta fórmula. Temem correr o risco de desaparecerem no espectro partidário representado na Assembleia da República. A redução do número de deputados também está em cima da mesa, e tem o mesmo problema para os partidos mais pequenos, mas acho que temos de dar um sinal nesse sentido.
Ainda assim, essa vai ser mesmo a proposta do PSD no programa eleitoral.
É isso que se adivinha que seja, sim.
E com o intuito de procurar consensos alargados, ou basta um consenso com o PS? Este tipo de reforma só nunca foi para a frente porque o PSD não quis hostilizar o CDS, e o PS não quer hostilizar os partidos da esquerda…
Na procura de consenso alargado, sim.
Portanto, se não houver consenso total admitem que não se faça a reforma do sistema político?
Admitimos essa possibilidade.
Então não há um meio termo?
Acho que há. A Alemanha é um bom exemplo de um sistema eleitoral onde há um circulo nacional de compensação que reequilibra a representação parlamentar. Portanto, esse pode ser um caminho interessante para agarrarmos e estudarmos.
O aumento dos salários dos políticos é equacionado?
Não, essa é uma questão que pode ser pensada noutra altura, quando a situação económica do país estiver equilibrada, quando for possível dar melhores condições de vida aos portugueses. Nessa altura será interessante falar nisso.
Não estamos propriamente em recessão.
Não sinto que estejamos numa trajetória de crescimento, o que temos tido é diminuto e o crescimento em Portugal é sempre uma falácia e uma ilusão porque os níveis de produtividade são muito baixos. Temos de insistir nesta questão porque os trabalhadores portugueses são dos melhores do mundo pelas suas qualidades e níveis de produtividade. Alguma coisa está errada em Portugal, e o que está errado é a gestão. É aí que temos de investir.
Justiça e sistema político. “Se não é para fazer reformas profundas não vale a pela governar o país”
Outra das prioridades que aparece no discurso do PSD é a reforma da Justiça. Rui Rio admite mesmo alinhar numa revisão constitucional. Estamos a falar de reformas que exigem consensos pelo menos entre o PS e o PSD. Ainda há pouco me dizia que a moção de censura do CDS não valia a pena o esforço porque ia bater numa parede, o que é que o leva a crer que nestes casos será diferente?
Não vale a pena ser ministro num país governado como nos últimos 4 anos. Se não é para fazer reformas profundas, não vale a pena governar o país, a não ser para deixar uma comissão de ministros a fazer a gestão corrente que é o que este governo faz. Rui Rio tem apresentado propostas ousadas, e tem insistido, apesar de todas as críticas de que é alvo, porque ele tem noção de que para se ser político é para se fazer grandes reformas importantes para o país. Sabemos bem que o sistema político está à beira do esgotamento, e que o sistema de justiça, apesar de algumas melhorias no combate à corrupção, e nas pendências em algumas áreas, ainda necessita de correções com profundidade.
A reforma da justiça deve ser uma prioridade?
A prioridade é fazer o que o PSD tem feito: denunciar as situações na saúde, os atrasos nas cirurgias, nas consultas ou, no que diz respeito aos transportes, denunciar este ex-ministro das Infraestruturas, que anunciou meia dúzia de coisas com grande pompa e circunstância e todos nós descobrimos que afinal só tinha um objetivo: ganhar notoriedade para ser cabeça de lista às europeias. Este governo engana os portugueses e nós temos dito, insistido e repetido. Não podemos é olhar para isto, criticar, denunciar, apresentar propostas que tentem corrigir estas situações e ao mesmo tempos não apresentar reformas profundas de Estado.
Pedro Marques dava um bom comissário europeu?
Não, assim como não dá um bom cabeça de lista às europeias. Pedro Marques parte de um engano: em todos os anúncios de obras que fez durante uma semana teve os holofotes em cima dele, e o objetivo não era levar a cabo as obras que anunciava, era ser cabeça de lista às europeias. Um engano não merece nem ser cabeça de lista, muito menos comissário europeu.
Era importante haver caras novas na lista do PSD às europeias?
Paulo Rangel tem características que devem mantê-lo no Parlamento: é vice-presidente do PPE, que é a maior família europeia, é vice-presidente do Parlamento Europeu, é alguém que conhece profundamente os mecanismos de funcionamento da Europa e do Mundo, é alguém que tinha de ser o cabeça de lista do PSD. Caras novas é sempre bom, mas nunca devemos deixar de as misturar com caras mais velhas e com mais conhecimento.
O estilo de Paulo Rangel é muito diferente do estilo de fazer política de Rui Rio. Pode ofuscá-lo? Ou complementam-se?
Podem complementar-se, claro. Cada um tem o seu estilo, mas tenho visto agora frases de Rui Rio e não sei qual é mais forte do que qual.
Rui Rio tem dito que a porta do diálogo está sempre aberta, apenas a vai encostar um bocadinho durante o ano eleitoral de 2019. Isto quer dizer que o PSD admite viabilizar um governo minoritário do PS, se o PS ganhar as eleições?
O PSD tem sempre a porta aberta para dialogar com todos os partidos. Sei que Rui Rio, na apresentação destas propostas de reforma profunda sobre o sistema político ou sobre a justiça falou com todos os partidos: PS, CDS, BE, PCP e Verdes.
Mas é ao centro que se fazem essas reformas.
O PSD faz um esforço e vai continuar a fazer para incluir o maior número possível de partidos, nomeadamente o CDS. Não vejo razão nenhuma para que o CDS fique fora de acordos desta natureza.
Coligação de direita pós-eleitoral com Santana? “Veremos”
O PSD, portanto, não diz que não à viabilização de um governo minoritário do PS.
O que tenho ouvido dizer é que se os marcianos voltarem à terra… O que quer dizer que tanto PS como PSD rejeitam a viabilização de um governo minoritário.
Estamos numa fase em que está a haver proliferação de partidos na área política do centro-direita. Pedro Santana Lopes disse recentemente que uma coligação pré-eleitoral seria vantajosa para destronar a esquerda. Faz sentido bipolarizar a política?
Não é essa a tradição nacional. Se essa bipolarização ocorrer há um responsável por isso: chama-se PS, que quando fez esta coligação com a esquerda radical escolheu um campo. E escolheu dividir ao meio a sociedade. O PSD, e Rui Rio, têm feito um esforço para que esse corte ao meio não aconteça.
Mas o CDS mantém esse discurso, de que é preciso uma maioria de 116 deputados. Portanto, o CDS conta com o PSD para formar esse bloco.
Obviamente que o CDS é o parceiro preferencial do PSD, naturalmente que o PSD conta com o CDS para formar uma maioria, no day after, para governar Portugal.
E também conta com o Aliança?
Os partidos que vão surgindo ainda são incógnitas, portanto, veremos o resultado que terão nas eleições, e nessa altura saberemos.
Considera que o governo não está a cumprir os acordos que fez com o PSD, da descentralização e do quadro financeiro plurianual de fundos comunitários? Esta quarta-feira deu entrada um projeto de resolução do PSD que recomenda precisamente ao governo que cumpra o acordo feito com o PSD em matéria de fiscalidade europeia.
Sim, se estivesse a cumprir não havia necessidade de fazer essa menção.
Mesmo assim o PSD mantém abertura para continuar a negociar com o Governo.
O PSD não quer radicalizar a vida política em Portugal. O PSD não quer divisões irreversíveis em Portugal, por isso tudo fará para não cortar laços.
Na última entrevista que lhe fiz, há quase um ano, disse que falava com Rui Rio todos os dias, inclusive ao fim de semana. Ainda é assim?
Ao fim de semana e nas férias. Sim, sim, até se acentuou porque o trabalho aumentou.
Têm um grupo no whatsapp?
Não, telefonamos ou falamos presencialmente.
Como vê os casos mais recentes, que se juntam aos outros, que envolvem o vice-presidente do PSD Salvador Malheiro? O caso do carro de luxo da câmara que usa para fins partidários, ou das viagens pagas ao Euro 2016 enquanto presidente da câmara. Fragilizam o PSD, no sentido em que colidem com o discurso do “banho de ética”?
Espero que Rui Rio continue com o discurso do “banho de ética”, porque o país precisa muito de ética. Essas situações serão com certeza esclarecidas. Tudo me preocupa e tudo me diz respeito, mas essas situações serão devidamente analisadas e será tomada a posição que o presidente do partido entender.