Em apenas três dias, mais de 40 voos do Reino Unido aterraram no Porto, as esplanadas encheram, os hotéis também e até já houve confrontos violentos nas ruas. Afinal, a “bolha” de segurança anunciada pelo Governo para a final da Liga dos Campeões, este sábado no Porto, não foi cumprida.
“As pessoas que vierem à final da Liga dos Campeões virão e regressarão no mesmo dia, com teste feito, em situação de bolha, ou seja, em voos charter, com deslocações para uma zona de espera. Daí irão para o estádio e depois para o aeroporto, estando em território nacional menos de 24 horas, numa permanência em bolha e com testes obrigatórios, feitos, em princípio, antes de entrarem no avião”, disse a ministra de Estado e da Presidência, Mariana Vieira da Silva, no dia 13 de maio, após uma reunião do Conselho de Ministros.
Quatro dias depois desta comunicação ao país, a 17 de maio, Portugal abriu as fronteiras e passou a receber viagens não essenciais e, consequentemente, turistas britânicos que apresentassem um teste PCR negativo, um cenário que permitiu aos adeptos do Chelsea e do Manchester City chegarem mais cedo ao Porto para ver o jogo no Dragão. A tese da bolha ficou, aliás, desde logo fora da equação. “O nosso aeroporto não teria capacidade para receber tanta gente e reenviar no mesmo dia. Em termos logísticos essa operação era totalmente impossível”, sublinhou ao Observador Luís Pedro Martins, Presidente do Turismo Porto e Norte de Portugal.
Desde quarta-feira que a cidade tem sido invadida por milhares de britânicos, com ou sem bilhete para o jogo, contrariando também as expectativas da UEFA. “A esmagadora maioria dos adeptos dos dois clubes finalistas viajará através de 80 voos ‘charter’ (…) Estas medidas visam assegurar que tanto os adeptos visitantes como a população local possam ter um dia seguro e evitar, na medida do possível, o contacto entre ambos”, garantiu a organização do futebol europeu. Nada do que acabou por acontecer.
O subintendente da PSP, Cardoso e Silva, revelou esta quinta-feira que o termo “bolha” [relativo ao agrupamento dos adeptos de cada clube num determinado local] “não faz parte do léxico policial” e adiantou que a operação não prevê uma “limitação de circulação de adeptos”. “Não há limitação de movimentações adeptos. Se houver o encaminhamento de adeptos para um determinado espaço, o que ainda não está fechado, permitirá alguma organização. Se estiverem espalhados pela cidade, vamos ter que nos adaptar a essa circunstância.”
Horas depois, Mariana Vieira da Silva, ministra do Estado e da Presidência, reiterou que “as regras não mudaram”. “As regras que defini referem-se a grupos de adeptos e continuam em vigor. Foram as que foram acordadas e são as que estão em vigor.” Ainda assim, admitiu, após a reunião do Conselho de Ministros, que “a existência de mais pessoas a chegar ao Porto por outras vias, e porque podem fazê-lo, em turismo, necessitará de um acompanhamento mais significativo” por parte das forças de segurança.
Os bilhetes devolvidos e a exceção no aeroporto
O jogo terá uma lotação limitada a 16.500 espetadores, cerca de um terço da capacidade do estádio do Dragão, sendo que 12 mil bilhetes são para as equipas finalistas, 3.000 ingressos para patrocinadores e convidados e 1.700 entradas foram vendidas, entre os 70 e os 600 euros, ao público em geral em apenas quatro horas.
No entanto, o Chelsea devolveu quarta-feira mais de 800 dos 5.800 bilhetes que recebeu devido ao elevado preço. Os 800 ingressos são vendidos num pacote que inclui voo de Londres para o Porto pelo valor de cerca de 430 euros. Além do preço, o porta-voz do clube inglês queixou-se da decisão de mudar a final, inicialmente prevista para Istambul, para o Porto, em vez de o fazer para a Inglaterra, país dos dois finalistas. “Vender bilhetes de até 430 euros para uma final de acesso limitado, com viagens desnecessárias, quando havia soluções mais óbvias para chegar à final na Inglaterra, é lamentável”, reforçou.
Apesar de aparentemente “desnecessárias”, muitas viagens foram realizadas nos últimos dias do Reino Unido com destino ao Porto. De quarta-feira a sábado, aterram no Aeroporto Francisco Sá Carneiro 82 voos vindos de Londres e de Manchester. O Governo criou um regime excecional que permite movimentos aéreos no aeroporto entre as 00h e 06h de domingo para facilitar a saída dos adeptos após o jogo.
A intenção passa por “aumentar a oferta de voos e o regresso dos adeptos o mais rapidamente possível, evitando a sua permanência por períodos prolongados junto ao estádio ou mesmo no aeroporto, em situações que, não raras vezes, são propícias à ocorrência de conflitos ou distúrbios que afetam a ordem pública”. Em época de pandemia, este cenário terá ainda mais impactos negativos, uma vez que potencia contactos de maior proximidade entre adeptos.
O plano “robusto” da PSP e os confrontos que levaram às críticas de “amadorismo”
A PSP conta com oito elementos da polícia inglesa e garante ter preparado uma “robusta operação de segurança” que se baseia num triângulo operacional centrado no aeroporto, no estádio e no centro da cidade. “No aeroporto, onde no sábado de manhã prevemos um pico de 80 voos charter, iremos fazer a organização dos adeptos para a sua vinda para a cidade. Na cidade teremos a preocupação de os monitorizar e informar”, afirmou o subintendente da PSP, Cardoso e Silva.
Junto ao estádio do Dragão, serão criados três perímetros de segurança exclusivos à circulação de pessoas com bilhete para o jogo e ao estacionamento de 180 autocarros. Já no centro da cidade, a autarquia disponibilizou duas fanzones, vedadas, com acesso controlado e restrito, ecrãs gigantes e capacidade para seis mil adeptos e ecrãs gigantes. A Avenida dos Aliados está reservada aos adeptos do Chelsea, que poderão ir para o estádio de metro, e no parque da Alfândega, os apoiantes do Manchester City poderão ir ver o jogo à boleia de um dos 12 autocarros cedidos pela Sociedade de Transportes Coletivos do Porto.
Menos de 24 horas depois de anunciar o seu plano de segurança para o evento desportivo, a PSP foi obrigada a intervir para controlar “duas pequenas escaramuças” entre adeptos ingleses, durante a noite desta quinta-feira, no centro histórico da cidade. A primeira ocorreu perto da Estação de São Bento, pelas 22h, num café. “Houve um pequeno desentendimento que foi logo sanado.” O segundo incidente aconteceu na Ribeira, meia hora depois. Nos confrontos registou-se de um ferido ligeiro, que “foi agredido com uma cadeira”, recebeu assistência do INEM no local e foi transportado para o Hospital de Santo António para ser suturado. Não houve, porém, necessidade de fazer identificações ou detenções.
António Fonseca, presidente da União de Freguesias do Centro Histórico do Porto e também presidente da Associação dos Bares e Discotecas da Zona Histórica da cidade, considerou que houve “amadorismo” na forma como a PSP elaborou o plano de segurança, mostra-se preocupado com a falta de distanciamento social e uso de máscara por partes dos ingleses e antecipa problemas, numa altura em que os estabelecimentos comerciais encerram às 22h30. “Não faz sentido. Quem planeou isto, não planeou, acho que isto foi de um amadorismo total. Até parece que Portugal não organizou o Euro 2004, que decorreu sem problemas e foi uma grande lição para o mundo”, disse à Lusa.
Adeptos ou turistas? Eis a questão
Na conferência de imprensa, a PSP lembrou que é necessário fazer uma distinção entre adeptos e turistas. “Sabemos que as fronteiras foram abertas e que aos cidadãos ingleses lhes é permitida a viagem para Portugal. Temos a preocupação do ponto de vista do adepto, mas não os podemos confundir com o turista na cidade. Ambos vão merecer a nossa atenção”, disse o subintendente Cardoso e Silva.
No entanto, Rui Moreira, presidente da câmara do Porto, tem uma opinião diferente e prefere chamar turistas aos adeptos que chegam à cidade fora da “bolha” (alguns, por exemplo, até viajaram do Algarve, onde estão de férias). “Para mim não são adeptos, tenho de os tratar como turistas até que me provem o contrário”, disse numa declaração aos jornalistas, onde recordou que a autarquia se “limitou a colaborar” com a organização do evento. “Não podemos querer ter turistas e depois não os ter. Se eles tiverem um comportamento adequado, e muitos terão certamente, isso também será bom para a cidade. Temos de confiar que as autoridades responsáveis estão a tratar do assunto”.
Também Luís Pedro Martins, presidente do Turismo Porto e Norte, defende que “todos os britânicos que aterrem em Portugal, vão a um restaurante ou durmam num hotel são considerados turistas” e “não faz sentido existir essa separação”. Ao Observador, o responsável acrescenta o evento internacional está a ter “um impacto grande” no turismo da cidade, significando uma taxa de ocupação em hotelaria e alojamento local de 75%. “Há mais de um ano que não tínhamos uma oportunidade destas, mas também não será isto que irá salvar o ano. A Liga dos Campeões é um sinal de esperança e um pontapé de saída para o setor.”
No Porto Lounge Hostel & Guesthouse, na rua do Almada, por exemplo, das 22 reservas efetuadas, 17 têm carimbo britânico. “Começaram a chegar hóspedes britânicos há dois dias, mas a maioria chega sexta-feira e vai embora no domingo. Há um pouco de tudo, quem venha sozinho, em casal ou até grupos de cinco pessoas”, explica ao Observador Joel Carvalho, responsável pelo negócio.
Joel Azevedo, presidente da Associação dos Comerciantes do Porto, não antevê grandes lucros no setor do comércio, uma vez que segundo a lei em vigor continua a encerrar às 22h30. “Este tipo de eventos são bem vindos, dão-nos um sinal de esperança para que voltemos à normalidade o mais rapidamente possível. No entanto, são eventos passageiros e muito curtos, não potenciam a maioria do comércio. Dão-nos visibilidade, por isso, podemos não ganhar hoje, mas vamos ganhar certamente no futuro”, afirmou, em declarações à rádio Observador.
Lígia Rocha, gerente da centenária Padaria Ribeiro, junto à Torre dos Clérigos, não tem dúvidas de que a chegada de clientes internacionais é “um balão de oxigénio” para o negócio. “Desde que abriram as fronteiras, e mais nos últimos dois dias, notámos mais britânicos e mais espanhóis na esplanada, principalmente a partir da hora do almoço”, diz, acrescentando que é mesmo o turismo que mantém viva a baixa da cidade. “É deles que precisamos para voltar ao normal, os turistas ajudam-nos. Aproveitam para ir ao jogo, mas também passear, conhecer o Porto e a nossa gastronomia.”