A economia mundial vai contrair 3% este ano, de acordo com as previsões do Fundo Monetário Internacional que já incorporam o impacto do Covid 19 e as medidas para a combater. Nas perspetivas revistas para a economia mundial, o FMI assinala que o impacto será “muito maior do que durante a crise financeira de 2008/2009”, em linha aliás com os alertas já feitos pela diretora-geral, Kristalina Georgieva. E não obstante a recuperação prevista para o próximo ano, em 2021, a riqueza das economias mundiais será no final desse inferior à que existia antes da pandemia.
No blog do FMI, a economista-chefe do Fundo, Gita Gopinath avisa que esta será a primeira vez desde quase um século que as economias avançadas e os mercados emergentes estarão em simultâneo em recessão, numa intervenção intitulada o Grande Confinamento: A pior recessão económica desde a Grande Depressão dos anos 30 do século XX.
Apesar do outlook se centrar nas principais economias mundiais, o FMI antecipa para Portugal uma queda do Produto Interno Bruto de 8% este ano, uma estimativa que é muito mais negativa do que as projeções feitas pelo Banco de Portugal no final de março, mesmo num cenário mais adverso. O desemprego deverá disparar para 13,9% até ao final de 2020, mais do dobro da taxa registada em fevereiro. Os técnicos do Fundo apontam para uma retoma de 5% na economia portuguesa para 2021 e para uma queda da taxa de desemprego para os 8,7%.
Recessão de 3,7% se tudo correr bem, mas pode chegar aos 5,7% (pior crise em meio século)
O cenário apontado para Portugal corresponderá à mais profunda recessão económica desde que existem estatísticas fiáveis e faria recuar o produto interno bruto ao nível de 2017, a preços correntes. Já o Instituto Nacional de Estatísticas tinha apresentado uma simulação em que bastava uma queda de 25% na atividade do turismo, que provavelmente será maior, para retirar 2,9% à riqueza produzida em 2020. E é muito provável que o turismo, um setor que representa mais de 11% do PIB, perca mais do que isso este ano.
Aliás, o FMI refere que os países mais expostos à atividade turística vão estar entre os que mais vão sofrer. Também o ministro das Finanças Mário Centeno alertou já para uma queda histórica do PIB no segundo trimestre deste ano que poderia chegar aos 20%.
As projeções para a economia portuguesa estão em linha com as projeções apontadas para outros países, sobretudo europeus, porque esta crise tem características nunca antes vistas, avisa a introdução do relatório sobre a economia.
“Esta crise não é igual a nenhuma outra. Primeiro porque o choque é muito grande e geral. A perda de produção associada à emergência na saúde e às medidas de contenção irão provavelmente eclipsar as perdas geradas pela crise financeira global. Em segundo, tal como numa guerra ou crise política, existe uma acentuada e contínua incerteza sobre a duração e a intensidade do choque. Em terceiro, as atuais circunstâncias exigem um papel muito diferente das políticas económicas. Em crises normais, os políticos tentam encorajar a atividade económica, estimulando a procura agregada o mais depressa possível. Desta vez, a crise é em grande provocada pelas consequências das necessárias medidas de contenção. Isto faz com que estimular a economia seja muito mais desafiante.”
As estimativas divulgadas esta terça-feira pelo FMI partem de um cenário base o qual assume que a pandemia irá perder força na segunda metade do ano e que os esforços para a sua contenção que paralisaram as economias serão gradualmente levantados. Com base nestes pressupostos, o fundo avança com a projeção de uma retoma sólida para a economia mundial de 5,8% em 2021, mas alerta para a “extrema incerteza” que envolve esta estimativa.
O documento traça aliás alguns cenários bem mais negativos em que o efeito da pandemia se prolonga no tempo e nos quais a economia mundial será mais duramente atingida, com condições financeiras mais apertadas e sequelas generalizadas que resultariam do fecho da empresas e o aumento acentuado do desemprego. Nas projeções mais adversas, o produto mundial pode ser inferior até mais 3% este ano e 5% no ano seguinte.
A retoma das economias depende de muitos fatores que interagem entre si de formas que são difíceis de prever, assinala o documento. Entre estes, destacam-se a evolução da pandemia, a intensidade e eficácia dos esforços de contenção, a extensão das disrupção nas cadeias de abastecimento, as repercussões do aperto dramático das condições nos mercados financeiros, mudanças em padrões de despesa e nos comportamentos — como as pessoas evitarem ir às compras ou usar os transportes públicos — os efeitos na confiança e a instabilidade nos mercados de matérias primas, como o petróleo.
De acordo com o World Economic Outlook, a recessão será a realidade para a generalidade das economias e blocos económicos, com algumas exceções na Ásia, onde a China deverá crescer apenas 1,2%.
Mas é na Europa que se vão sentir alguns das maiores quedas estimadas para o Produto Interno Bruto nacional. A Itália, primeiro país europeu a ser confrontado com a pandemia, deverá contrair 9,1% este ano. Para a Espanha, o FMI antecipa uma recessão de 8%. As economias francesa e alemã deverão perder na casa dos 7%. Apesar de o Reino Unido e dos Estados Unidos surgirem neste momento como os países mais atingidos pelo Covid-19, sobretudo no número de mortes, as previsões do FMI para estas economias apontam para quedas menos acentuadas de 6,5% e 5,9%, respetivamente. O outlook indica uma contração de 7,5% no PIB da zona euro, apanhando de forma intensa todos os principais parceiros económicos de Portugal.
Os países estão a ser chamados a enfrentar uma crise “com várias camadas” que vão desde a saúde pública ao colapso das economias domésticas, enfraquecidas pela queda procura mundial, e à fuga de capitais. Por isso, os “riscos de um resultado mais negativo são predominantes”. E é para contrariar esse impacto que são essenciais políticas efetivas e interventivas na economia.
O FMI reconhece que até agora foram já adotadas ações pelos governos e outras instituições, focadas em acomodar o aumento da despesa pública em saúde e que procuram limitar a amplificação dos impactos na atividade económica e no sistema financeiro.
A retoma projetada para o próximo ano parte do pressuposto de que as medidas dos Governos serão eficazes em conter uma onda generalizada de falências nas empresas, com perda correspondente de postos de trabalho e pressões no sistema financeiro. E mesmo que tudo corra pelo melhor, e a retoma se materialize na dimensão antecipada, o nível de riqueza produzida nas economias no final de 2021 deverá “permanecer abaixo” do que existia no início de 2020, antes do vírus.
Os cenários mais adversos
A incerteza é o fator que mais condiciona as projeções do FMI para a dimensão da crise, mas também para o tempo que vai durar. Isto porque alguns dos aspetos que as sustentam as estimativas agora divulgadas podem não se materializar, o que resultará em perspetivas ainda mais negativas para a economia mundial, com uma recessão maior este ano e uma recuperação mais lenta em 2021.
O fundo também admite o inverso. Ou seja, que o desenvolvimento de um tratamento ou vacina eficazes mais cedo do que o esperado, permitirá remover as medidas de distanciamento social, abrindo a porta a uma retoma mais rápida do que o antecipado. Mas é mais uma esperança ou um desejo que não permitem sustentar nenhum cenário, para já.
Surto demora mais tempo a controlar e medidas prolongam-se no tempo. As medidas tomadas para conter a propagação têm uma duração mais longa em 50% do que o assumido no cenário base. As condições financeiras ficam mais apertadas, com os prémios de risco das dívidas públicas dos países mais vulneráveis a subir, assim como o risco da dívida das empresas. O FMI parte do pressuposto que nas economias avançadas, a política monetária — o Banco Central Europeu — vai atuar para evitar a subida dos juros dos países como Portugal. E de que os governos vão adotar políticas orçamentais e fazer despesa pública para responder ao declínio da procura e que terão o dobro da dimensão estimada numa fase inicial. Ainda assim, os danos iriam prolongar-se por 2021. com destruição de capital pela falências das empresas, e com uma travagem no crescimento da produtividade e o aumento temporário do desemprego. Nesta hipótese, o produto global pode encolher mais de 3%, ou seja, 6% em 202o, e a retoma em 2021 será menos forte: 1% abaixo.
Um segundo surto em 2021. Este cenário assume a ocorrência de um segundo surto de Covid-19 no inverno de 2020/21 que será pelo menos dois terços tão grave como o inicial. O condicionamento financeiro será duplamente comprimido, o que resultará num impacto mais alargado na atividade económica. As sequelas económicas podem ser o dobro das previstas no primeiro cenário e irão prolongar-se por 2022. Nesta hipótese, o produto global estimado para 2021 pode ser 5% inferior ao previsto no cenário base, limitando a retoma prevista para a economia mundial a menos de 1% no próximo ano.
Combinação dos dois cenários anteriores. É a hipótese que apresenta projeções mais desanimadoras. Se a contenção do atual surto demorar mais tempo e se verificar uma nova propagação em 2021, haverá um impacto maior na atividade económica e presume-se que haverá uma resposta não linear por parte dos mercados financeiros. O condicionalismo financeiro irá apertar mais em cerca de 50% e as sequelas económicas resultantes do segundo surto irão aumentar em 50%. Com estes pressupostos, o produto mundial seria 8% inferior ao estimado no cenário principal para o próximo ano. O efeito potencial não linear da combinação destas duas variáveis na situação financeira e nas sequelas na economia seria mais negativo do que a soma das projeções para cada um dos dois cenários considerados de forma autónoma. O FMI ainda que esta conjugação traria uma grande incerteza em relação à retoma mundial.
Apesar do custo no curto prazo, combater a epidemia é melhor a longo prazo
Apesar destas projeções, o Fundo Monetário Internacional reconhece que são necessárias medidas para reduzir o contágio e proteger vidas. E, apesar de isso ter um custos elevado para as atividades económicas no curto prazo, deve ser encarado como um investimento na saúde humana e na saúde económica a longo prazo. Logo, a prioridade deve ser dada ao combate ao surto, especialmente pelo reforço da despesa na saúde e nos sistemas de saúde, ao mesmo tempo que se adotam medidas para reduzir o contágio.
As políticas económicas precisam de criar almofadas para mitigar o impacto do declínio da atividade nas pessoas, empresas e sistema financeiro de forma a reduzir as sequelas e efeitos da inevitável travagem económica e assegurar que a economia consegue recuperar depois da pandemia perder força. As políticas devem estar dirigidas para apoiar as pessoas e setores mais afetados pelo shutdown e que irão precisar de mais suporte para o relançamento.
O FMI assinala também a importância de desenvolver planos de ajuda às economias emergentes, em particular aos países que enfrentam “crises gémeas”, de saúde pública e do desaparecimento do financiamento externas ou que dependem das exportações de matérias-primas cuja cotação afundou, como o petróleo. Esses países podem precisar de ajuda bilateral ou assistência multilateral para assegurar que a despesa na saúde não fica comprometida pelo difícil ajustamento que as suas economias terão de fazer.
O FMI diz que tem acesso a recursos de um bilião de dólares, acrescentando que já está apoiar as economias mais vulneráveis através de linhas de crédito. O Fundo espera que os pedidos de ajuda em financiamento de emergência possam atingir os cem mil milhões de dólares e já esta segunda-feira foi anunciada uma ajuda a 25 países emergentes que passa pelo alívio da dívida e onde se incluem Moçambique, a Guiné Bissau e S. Tomé e Príncipe.