910kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

Casos de Covid-19 em Itália
i

Em Portugal, 60% de todos os internados com Covid-19 nunca foram vacinados contra a doença

Getty Images

Em Portugal, 60% de todos os internados com Covid-19 nunca foram vacinados contra a doença

Getty Images

"Fui um tonto, desci ao inferno e não dei pelo tempo passar". Histórias de quem recusou a vacina e se arrependeu

Benjamim não apanhou a vacina porque foi "rezingão", João por causa das incertezas e Margarida seguiu o exemplo de médicos que conhecia. Arrependeram-se: estiveram entre a vida e a morte com Covid.

Durante 48 horas, Benjamim Ribeiro desceu ao inferno. Não se lembra de quase nada além do barulho ensurdecedor do capacete de ventilação e da sensação de claustrofobia. Tinha entrado num turpor inconsciente, só interrompido por breves instantes pelos gemidos de sofrimento dos companheiros de quarto nos cuidados intensivos do Centro Hospitalar de Entre Douro e Vouga, quase sempre de noite. Tinha Covid-19 grave, nunca tomou a vacina e esteve à beira da morte.

“Desci ao inferno e não dei pelo tempo passar”, assumiu o ovarense de 61 anos com a voz ainda rouca: “Senti que podia ter embarcado, houve momentos em que pensei que não valia a pena andar mais cá. Perdi completamente a noção de tempo, mas tive períodos de consciência em que sentia que queria desistir”. Só não o fez pelos filhos — cinco, entre os 13 e os 39 anos — e pela “dedicação, zelo, compreensão e tolerância” dos profissionais de saúde.

Bejamim sente vergonha por não ter levado a vacina: é oficial da Polícia de Segurança Pública, sabe que tem uma profissão de risco e sempre assumiu cargos de responsabilidade. Sabia que era um alvo fácil para contrair o vírus, mas o estilo de vida saudável que seguia, com uma alimentação equilibrada e sem vícios como o tabaco, levavam-no a crer que nunca ficaria gravemente doente. “Devia ter sido menos tonto”, desabafa agora.

Quando foi chamado para apanhar a primeira dose, Benjamim aceitou-a. Mas ficou “um bocado rezingão” quando se apercebeu que tinha havido uma discrepância entre o dia que lhe havia sido comunicado e aquele que estava introduzido no sistema. Não marcou novas datas por casmurrice e o tempo passou: “Como uma inconsciência, ia-me convencendo que um dia destes também me tocaria a mim e eu acabava por ter alguma imunidade”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

"Desci ao inferno e não dei pelo tempo passar. Senti que podia ter embarcado, houve momentos em que pensei que não valia a pena andar mais cá. Perdi completamente a noção de tempo, mas tive períodos de consciência em que sentia que queria desistir".
Benjamim Ribeiro, 61 anos, oficial da PSP

Em fins de novembro do ano passado, já o país começava a escalar a quinta vaga, Benjamim considerou que o número de novos casos de infeção pelo coronavírus tinha voltado a tornar-se assustadores. Pensou nessa altura que aquele era o momento para tomar finalmente a primeira dose, protegendo-se a si e aos outros. Mas já não foi a tempo: infetou-se, não sabe sequer como, perdeu o apetite e depois também o paladar e o olfato.

Durante algum tempo, mesmo sem a vacina, parecia não haver grandes consequências: Benjamim pensava que se curava e depois então ia finalmente tratar da vacina. Mas ao fim de uma semana, o quadro clínico do oficial da PSP degradou-se: desenvolveu uma pneumonia e das urgências de Santa Maria da Feira, para onde foi levado pelo INEM após o alerta da filha mais velha, entrou diretamente nos cuidados intensivos. Benjamim era “um amante da vida”: “Só que portei-me mal”, assume.

Agora dá os primeiros passos na recuperação: conduziu esta segunda-feira pela primeira vez desde que saiu do hospital, passadas duas semanas, e contava ir passear ao Porto: “Já que Deus me deu uma oportunidade, vou fazer tudo para a merecer”. Sabe que, se tivesse aceitado a vacina, talvez nunca tivesse sofrido o que sofreu nos nove dias em que esteve internado: “Fiz a asneira, paguei por ela e ainda estou a pagar”.

Perdeu nove quilos porque não se consegue alimentar e os pulmões ainda não estão plenamente recuperados, comprometendo a função respiratória. Mas ganhou fôlego para enviar uma mensagem “aos tontos e tontas”, como Benjamim considera ter sido: “Deixem de coisas e vão vacinar-se. Eu aprendi e daqui a três meses vou tratar disso também”.

“Mais de 60% não estão vacinados”. Lacerda Sales dá novo número de internados não-vacinados

Benjamim Ribeiro é um dos infetados que dão corpo aos números avançados (e mais tarde atualizados) pelo secretário de Estado adjunto e da Saúde, António Lacerda Sales, na última semana: em cada dez pessoas internadas nos hospitais portugueses por complicações associadas à Covid-19, seis nunca tomaram a vacina. Há mesmo instituições em que a percentagem de não vacinados nas unidades de cuidados intensivos reservadas à Covid-19 alcançam os 90%.

João Lemos: “Vivia num mundo completamente à parte”

Há algo comum aos recuperados da Covid-19 que se arrependem de não terem sido vacinados com quem o Observador conversou: todos fazem questão de esclarecer que não são negacionistas da doença, nem contra a administração das vacinas. Os motivos por que escolheram adiar a vacina é que divergem. No caso de João Lemos, organizador de eventos com 51 anos, natural de Viseu e residente em Vila Nova de Gaia, foram as dúvidas sobre possíveis efeitos secundários e as informações contraditórias com que era bombardeado sobre a segurança e a eficácia das vacinas: “Decidi que queria ficar para o fim. Havia de tomar a vacina, mas queria ver primeiro o que acontecia”.

Aconteceu que João Lemos esteve mais de uma semana internado nos cuidados intensivos do Centro Hospital de Vila Nova de Gaia/Espinho após ter contraído o vírus por contágio da filha de quatro anos. Esteve sempre deitado de barriga para baixo — uma técnica repetida pelos intensivistas que acompanham casos graves de Covid-19 para melhorar a ventilação dos doentes. Quando se está de barriga para cima, o sangue bombeado do coração para os pulmões tende a viajar para baixo por causa da gravidade. Só que, nos doentes de Covid-19, é aí que ficam a maior parte das zonas pulmonares danificadas pelo vírus, onde a ventilação não acontece corretamente.

Como tal, o sangue que passa por lá não sofre as trocas gasosas que devia: fica demasiado pobre em oxigénio e demasiado rico em dióxido de carbono, o que compromete todo o organismo. No entanto, se um doente for colocado de barriga para baixo, o sangue passa pelas zonas mais saudáveis e mais bem ventiladas dos pulmões.

A longa estada nesta posição foi um pedido que João Lemos fez à equipa médica que o acompanhava no hospital para evitar a entubação e a entrada em coma induzido: “Preferia sofrer e sentir tudo, mas estar consciente”, justificou em entrevista ao Observador, já recuperado: “Estive mesmo terminal, estive quase a passar para o outro lado, tiveram de me tirar líquido dos pulmões. Tive sorte, não era o meu momento ainda”.

"Preferia sofrer e sentir tudo, mas estar consciente. Estive mesmo terminal, estive quase a passar para o outro lado, tiveram de me tirar líquido dos pulmões. Tive sorte, não era o meu momento ainda".
João Lemos, 51 anos, Viseu

No dia em que João desenvolveu os primeiros sintomas da doença tinha feito um teste rápido na farmácia porque ia estar a trabalhar num evento no Porto. Deu negativo. Quando chegou a casa, já de noite, sentiu-se febril e automedicou-se com ibuprofeno e paracetamol. O alívio era momentâneo: quando o efeito dos comprimidos passava, os sintomas ressurgiam ainda com mais intensidade. O problema é que não conseguia contactar a Saúde 24, nem mesmo o número de emergência 112, porque as linhas estavam constantemente interrompidas.

Foi assim durante quatro dias. A 2 de dezembro, sozinho em casa, voltou a pegar no telefone: tentou fazer a cama de lavado, mas nem o lençol conseguia estender sobre o colchão. Os bombeiros de Coimbrões acudiram-no e transportaram-no até ao hospital, onde permaneceu completamente isolado num quarto nos cuidados intensivos.

E foi por lá que João começou a travar uma segunda batalha: além do coronavírus, também foi infetado por uma bactéria hospitalar multirresistente a antibióticos através do cateter que lhe foi instalado para facilitar a recolha de amostras de sangue para análises. Mesmo depois de ter saído do hospital e ter continuado a recuperação da Covid-19 em casa, continuou isolado por causa dessa mesma bactéria. Só teve liberdade total no último dia do ano.

Mas “a liberdade somos nós que a criamos”, defende. João diz que “olhou a morte nos olhos”, mas encontrou conforto nas pequenas coisas da vida: assim como antes da Covid-19 gostava de correr ao pôr do Sol na Praia da Madalena, no hospital sentava-se todos os dias num cadeirão junto à janela do quarto do hospital para apreciar os últimos minutos do dia. Foi assim que conservou o ânimo que agora lhe transparece na voz: “Foi uma grande aprendizagem para mim. Vivia num mundo completamente à parte. Mas sou uma pessoa muito positiva, talvez tenha sido o que me deu força para sobreviver”. Agora não tem dúvidas: “A base de tudo é tomar a vacina. E fá-lo-ia se pudesse voltar atrás”.

Margarida Pais: “Julgaram que no dia seguinte já estava do outro lado”

De todos os casos fatais de Covid-19 registados em Portugal, quase 65% são idosos a partir dos 80 anos — apesar de esta faixa etária representar menos de 6% de todos os infetados diagnosticados pelas autoridades de saúde. Margarida Pais tem 81 anos, é natural da Póvoa de Varzim e esteve internada nos cuidados intensivos do Centro Hospitalar de Entre Douro e Vouga com Covid-19. Houve duas ocasiões em que sentiu que ia morrer. Mas sobreviveu para contar a história e apelar à toma da vacina — a mesma que recusou logo no início do processo de vacinação em Portugal.

Margarida também foi ventilada de forma não invasiva, tal como Benjamim Ribeiro, com o “Helmet”, assim se chama o capacete médico, que retoma um conceito descrito pela primeira vez no século XVI e foi desenvolvido durante a pandemia de poliomielite nos anos 50. O objetivo é auxiliar os doentes em hipoxemia — isto é, baixa concentração de oxigénio no sangue arterial. O capacete submete os alvéolos dos pulmões a uma pressão atmosférica mais elevada, permitindo uma maior retenção de oxigénio no interior.

"Julgavam que, no dia seguinte, quando chegassem para o turno da manhã, já me encontrariam do outro lado. Gritaram vitória. Diziam que a dona Margarida estava viva, que eu era uma guerreira”.
Margarida Pais, 81 anos, Póvoa de Varzim

O tempo mínimo de ventilação com o Helmet é de 48 horas, mas os médicos que assistiram Margarida não acreditavam que a reformada de 81 anos suportasse tanto tempo: “Julgavam que, no dia seguinte, quando chegassem para o turno da manhã, já me encontrariam do outro lado”. Nada mais errado: apesar do “barulho incrível” que ouvia no capacete, os profissionais de saúde deram com Margarida totalmente desperta a tentar fazer um telefonema. “Gritaram vitória”, recordou comovida: “Diziam que a dona Margarida estava viva, que eu era uma guerreira”.

Para ela, no entanto, os guerreiros são os auxiliares, enfermeiros e médicos que a acompanharam durante duas semanas no hospital: “Pareciam passarinhos durante a noite, autênticas crianças com 20 e poucos anos a darem tanto amor, tanta atenção e carinho e a receberem tão pouco em troca”. Entre lágrimas, Margarida encontra humor para falar de todas as vezes que pediu o livro de reclamações: “Só passei fome. Queria rojões, só me davam chá. No dia seguinte pedi leitão, só me deram leite”, diz entre risos.

Com 81 anos, a caminho dos 82, Margarida Pais diz que nunca apanhou vacina “rigorosamente nenhuma”. E a contra a Covid-19 não seria diferente, até porque conhece médicos e enfermeiros que também não foram vacinados. “Porque seria eu diferente?”, pensou quando foi chamada para a primeira dose. Quase um ano depois do início do processo de vacinação, e depois da experiência quase letal por que passou, Margarida admite: “Vi passar gente com vacina e sem ela. Mas se tivesse apanhado, talvez o meu sofrimento tivesse sido aliviado. Só não passei para o outro lado porque Deus achou que não era a minha hora”.

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça até artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.