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Futebol. A rede de apostas da Malásia, os intermediários, as mensagens por WhatsApp e as notas de 500 euros

A manipulação de resultados de jogos da II Liga a troco de alegados subornos de apostadores malaios é a base da acusação da Operação Jogo Duplo. Mas é nos detalhes que o MP diz que se esconde o crime.

Imagine um jogo da II Liga portuguesa com apenas 619 espectadores no estádio e sem transmissão televisiva. Um encontro que terá no dia seguinte quando muito um quadradinho de notícia nos jornais desportivos. Acredita que um jogo desses pode prender a atenção de alguém que está na Ásia? Provavelmente, não.

Mas é o que acontece todos os fins de semana com os jogos da competição profissional secundária do futebol português (e provavelmente com outros de outras divisões). E porquê? Por causa das apostas desportivas em plataformas online lideradas por redes de investidores asiáticos, nomeadamente da Malásia (há suspeitas também ligadas à China). Eles tentam alegadamente subornar jogadores envolvidos nos jogos alvos de apostas — uma atividade criminosa que movimenta muitos milhões de euros em todo o mundo.

Um número para contextualizar melhor a questão: só numa jornada da II Liga portuguesa são movimentados oficialmente cerca de cinco milhões de euros em apostas online. Se multiplicarmos este valor pelas 42 jornadas que, neste momento, que constituem a prova que dá aceso à Liga principal, estaremos a falar de um movimento anual de cerca de 210 milhões de euros. Já cada jornada da I Liga leva a um investimento de 32 milhões de euros nos sites das casas de apostas e um movimento total anual de cerca de mil milhões de euros. Conquistamos a sua atenção sobre a relevância deste caso? E, é preciso frisá-lo, estamos apenas a falar nas apostas em casas a operar legalmente m Portugal, onde o jogo só foi legalizado há pouco mais de um ano. Depois é possível fazê-lo noutros países e noutras casas de apostas. Ou seja, milhões e milhões de euros a circular.

Um caso concreto decorrente da primeira acusação por apostas ilegais em Portugal, a operação Jogo Duplo, conhecida sexta-feira passada: só num dos jogos da II Liga, os jogadores podiam receber até 40 mil euros para manipularem o resultado do jogo de acordo com a aposta dos investidores malaios, a rede investigada neste caso.

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Se não é perito no assunto, é melhor pensar nos pormenores: neste tipo de apostas não se joga apenas no resultado de um jogo, ou seja se vai ser uma vitória, um empate ou uma derrota. Há também apostas no resultado em concreto, no número de golos, no virar de um resultado, nos marcadores, no número de penálties e até em cantos. Ou seja, imagine que num jogo em que uma equipa é claramente favorita e até está a ganhar ao intervalo, aposta que os mais fracos não só vão ganhar, como vão marcar três golos… recebe milhares; ou que há um penálti a favor dos mais fracos, cometido por um defesa dos favoritos: mais milhares no bolso; ou até que um jogador é expulso, ou que o resultado vai ser um pouco provável 7-1, tudo isto vale muito, mas muito dinheiro.

Voltando a este caso em concreto. Ele envolve intermediários portugueses, alguns deles ligados à claque dos Super Dragões, uma dessas redes de apostadores e futebolistas que alegadamente manipulavam os resultados dos jogos combinando os supostos subornos pelos chats do WhatsApp e do Facebook — alguns dele com nomes sugestivos como “Uber de Caneças” e ilustrados com imagens de notas de 500 euros, a nota preferida da alegada rede criminosa. Problema: ficou tudo escrito e guardado nos telemóveis dos suspeitos.

Os intermediários, alguns deles ligados à claque dos Super Dragões, e os futebolistas que alegadamente manipulavam os resultados dos jogos, preferiam combinar os alegados subornos pelos chats do WhatsApp e do Facebook -- alguns dele com nomes sugestivos como "Uber de Caneças" e ilustrados com imagens de notas de 500 euros.

Estes são os ingredientes da Operação Jogo Duplo que deu lugar à acusação formal da 9.ª seçcão do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa por crimes de corrupção desportiva e apostas ilícitas contra 28 jogadores, treinadores e dirigentes. Cinco deles foram mesmo acusados do crime de associação criminosa — uma imputação especialmente grave por pressupor a criação de um alegado grupo estruturado com uma intenção criminosa.

Os acusados terão agora a oportunidade de contestar os termos da acusação do DIAP de Lisboa, requerendo a abertura de instrução. Nelson Sousa, advogado de dois dos três arguidos detidos, apresentou inclusive um pedido de habeas corpus no Supremo Tribunal de Justiça para a libertação imediata dos seus clientes. Sousa alega que os seus clientes estão presos ilegalmente, pois a acusação terá sido produzida fora do prazo legal a que o Ministério Público estava obrigado.

Mas mais que uma simples acusação, o diabo está nos detalhes que revelam a anatomia de um crime cada vez mais frequente.

Um ex-campeão do mundo, um ex-futebolista do Sporting e um treinador

Em causa estão 10 jogos da II Liga, entre clubes da segunda metade da tabela que lutam para não descer de divisão, sendo que os jogos do Oriental e da Oliveirense foram os alvos preferidos dos intermediários da rede da Malásia. Em média, um jogador da II Liga podia receber da rede de apostadores profissionais uma média de 5.000 euros por jogo — um valor significativo quando os salários mensais dos clubes pequenos da II Liga são claramente inferiores a esse valor.

Há, contudo, um jogo que acaba por ser paradigmático de toda acusação: o Oriental-Leixões, realizado a 24 de abril de 2015. Um jogo decisivo para o Oriental que lutava para não descer de divisão e onde chegaram a estar envolvidos, em alegados subornos, quantias superiores a 80 mil euros.

As quantias viriam não só do grupo de investidores da Malásia, como alegadamente do próprio Leixões — clube que também estava a lutar para não descer de divisão.

Tudo começou quando um ex-jogador do Académico de Viseu, Tiago Costa, ofereceu cerca de 40 mil euros a um grupo de jogadores do Oriental para manipularem o resultado do jogo com o Leixões. A primeira proposta terá nascido precisamente da vontade de pessoas ligadas ao clube de Matosinhos e foi discutida num grupo do WhatsApp chamado “Uber Caneças” e do qual faziam parte os futebolistas João Pedro Carvalho, Hugo Grilo e Tiago Mota. Adeptos da aplicação que permite a troca de mensagens e chamadas telefónicas encriptadas, estes três jogadores do Oriental partilhavam boleias entre si — daí o nome que deram ao seu grupo de conversação. De acordo com a acusação do procurador Hugo Neto consultada pelo Observador, Hugo Grilo e Tiago Mota foram informados da proposta através de Carvalho, tendo chegado a debater os três a divisão do dinheiro: 15 mil euros para Grilo e Mota (que deveriam jogar) e 10 mil para João Pedro que, apesar de não jogar por castigo, teria liderado os contactos com os alegados corruptores.

A primeira proposta foi discutida no grupo do WhatsApp chamado "Uber Caneças" e do qual faziam parte os futebolistas João Pedro Carvalho, Hugo Grilo e Tiago Mota. Adeptos da aplicação que permite a troca de mensagens e chamadas telefónicas encriptadas, estes três jogadores do Oriental partilhavam boleias entre si -- daí o nome que deram ao seu grupo de conversação. A proposta? 15 mil euros para Grilo e Mota (que deveriam jogar) e 10 mil para João Pedro que, apesar de não jogar por castigo, teria liderado os contactos com os alegados corruptores.

Carvalho já não era novo nessas andanças. Desde o início da época que vinha sendo aliciado por outro Tiago, de apelido Rosa e ex-jogador do Oriental. A partir do momento em que a posição classificativa do clube de Lisboa se agravou, Rosa pressionou. Tratando Carvalho como ‘mano’, o ex-futebolista argumentou que os jogadores do Oriental tinham de começar a olhar para si, em vez de se preocuparem com um clube que estaria irremediavelmente despromovido em breve.

Voltando ao Oriental-Leixões. Havia, contudo, um problema: Hugo Grilo e Tiago Mota não queriam que os seus nomes fossem conhecidos. Isto é, não queriam ‘dar a cara’.

Ora essa é uma prática instalada no mundo das apostas ilegais — que os clubes alegadamente corruptores terão apreendido: os jogadores têm de ‘dar a cara’ pela aposta e comprometer-se com o resultado combinado. No caso da rede de apostadores da Malásia, estes só avançariam depois de os jogadores se comprometerem em vídeochamadas, através do Skype, com o resultado desejados pelos investidores.

Hugo Grilo e Tiago Mota, contudo, não queriam que a sua identidade fosse conhecida — muito menos por pessoas do Leixões Resultado: a operação foi abortada.

Grupo luso-malaio entra em ação

Perante a nega ao Leixões, entrou em campo o chamado grupo guso-Malaiom. Eis a sua constituição:

  • Carlos Silva, “Aranha” – membro dos Super Dragões, principal claque do FC Porto, e jogador do Canelas 2010, o clube da Associação de Futebol do Porto liderado pelo líder da claque, Fernando Madureira, e conhecido por actos de violência em campo. Foi um dos arguidos que ficou preso preventivamente aquando da investigação Operação Jogo Duplo em 2016. Ainda se encontra em prisão domiciliária;
  • Rui Dolores – ex-jogador de futebol profissional do Beira-Mar, Boavista, Académico de Viseu, Boavista, Paços de Ferreira. Jogou também no Chipre;
  • Gustavo Oliveira – ex-jogador de equipas amadoras do distrito de Aveiro, como o Bustelo, Sanjoanense e Mansores;
  • E os cidadãos malaios Yap Thong Leong, Lim Gin Seng (apelido ‘Tony’) e Chun Keng Hong (conhecido como ‘Michael’ ou ‘Mike’ e ex-jogadores de futebol).

Para manipular o jogo Oriental-Leixões, o grupo luso-malaio terá recorrido alegadamente a duas vias:

  • utilizar como intermediário Abel Silva o ex-jogador do Benfica e do Marítimo que ficou conhecido por marcar o primeiro golo da vitória de Portugal na final do Mundial de Sub-20 de 1989, Riade, em que Portugal se sagrou campeão do mundo;
  • e alegadamente aliciar diretamente os jogadores do Oriental.

Abel Silva, de acordo com a acusação, terá recebido cerca de 30 mil euros das mãos de Gustavo Oliveira na casa-de-banho do Hotel Tryp, na zona da Expo, em Lisboa. Antes dessa entrega, o campeão do mundo em 1989 terá acordado com Carlos Silva “Aranha” aliciar jogadores Oriental para que este clube perdesse por 3-0 com o Leixões.

E porquê 3-0?

Façamos mais uma vez um pequeno tutorial sobre o mundo das apostas desportivas online. Eis alguns conceitos básicos:

  • Inspiradas nas casas de apostas britânicas (como a Ladbrokes ou a William Hill), os sites aceitam apostas antes do jogo iniciar (pré-match betting) ou no decurso do jogo (live betting);
  • O jogador pode apostar em diversos itens, como o vencedor do jogo, o resultado exacto, o número total de golos marcados (acima ou abaixo de determinado valor), o marcador dos mesmos, entre outras hipóteses;
  • No momento da aposta, a casa de apostas atribuiu uma odd (probabilidade) que corresponde ao valor que o site paga por cada euro investido.
  • Um exemplo que é dado na acusação do MP: uma aposta num jogo entre a equipa A (cuja vitória cale 1.65) e a equipa B (em que a vitória vale 2.55), significa que, no caso da primeira equipa ganhar, o apostador vai ganhar 0,65 cêntimos por cada euro investido. Isto é, 65% de lucro bruto face ao valor investido. Uma remuneração muito acima dos juros bancários pagos pelas poupanças dos clientes.
  • Quando é que surgem problemas? Quando há apostas num montante significativo num resultado improvável. Exemplo: Uma vitória de determinada equipa por seis golos ou uma aposta durante o jogo numa reviravolta da equipa que está a perder. É nestes casos que existem suspeitas sobre match-fixing — um anglicismo que tem o mesmo significado do conceito português “jogo combinado”.
  • Diz o MP que, nos casos match-fixing, não estamos a falar de “apostadores isolados”, mas sim de “organizações criminosas com elevada capacidade económica e com elementos posicionados junto dos vários campeonatos, equipas e jogadores, os quais são aliciados para a viciação de determinados jogos”.

Mais duas informações úteis sobre o mundo das apostas desportivas:

  • Os jogos da II Liga (que em Portugal quer noutros países como Itália ou Espanha), por não terem transmissão televisiva ou cobertura mediática como a I Liga, tornam-se apeteceis pela sua ‘discrição’ e, às vezes, ausência de escrutínio;
  • Os guarda-redes e os defesas são, por regra, os jogadores mais aliciados pelos apostadores., pois são aqueles que podem facilitar mais a marcação de golos.
Os jogos da II Liga, por não terem transmissão televisiva ou cobertura mediática como a I Liga, tornam-se apeteceis pela sua 'discrição' e, às vezes, ausência de escrutínio. Os guarda-redes e os defesas são, por regra, os jogadores mais aliciados pelos apostadores. pois são aqueles que podem facilitar mais a marcação de golos.

Segundo o despacho de acusação do procurador Hugo Neto, o jogo Oriental – Leixões foi um jogo sinalizado pela UEFA (que combate as apostas desportivas ilegais), por terem sido “detetados padrões irregulares na variação das odds, os quais levantaram fortes suspeitas de que o jogo tivesse sido manipulado, para efeito de apostas desportivas”, lê-se no despacho de acusação. A informação foi passada à Federação Portuguesa de Futebol.

O ex-campeão do Mundo

Voltemos à aposta de uma vitória 3-0 do Leixões sobre o Oriental que os investidores da Malásia desejavam fazer, subornando os jogadores do clube lisboeta com a alegada ajuda de Abel Silva. O membro da primeira geração de ouro do futebol português, conhecia o defesa João Varudo, jogador do Oriental que seria o substituto de João Pedro Carvalho (castigado), e terá tentado aliciá-lo com um novo contrato com um clube cipriota mas sem sucesso. Mais tarde, ofereceu-lhe cerca de 1.000 euros — novamente sem sucesso.

Abel Silva terá passado então a ‘atacar’ o avançado Leonel Alves e ter-lhe -á feito duas propostas:

  • 1.250 euros e um ano de contrato num clube caso conseguisse que o Oriental perdesse por 1-0 com o Leixões;
  • ou, em alternativa, 2.500 euros e dois anos de contrato caso a derrota fosse por 1-3 ou 0-3.

Leonel Alves, tal como João Varudo, recusou as propostas de Abel Silva. Mais tarde, Abel teve devolver 25 mil euros aos malaios, ficando com 5.ooo euros alegadamente para distribuir por jogadores.

Falhada essa linha de comunicação, o grupo de apostadores virou-se para o defesa central brasileiro Diego Tavares. Depois de uma época de estreia na Europa com a camisola do Beira-Mar, Diego tinha ingressado no Oriental e aceitou a proposta do arguido João ‘Carela’ (defesa que jogou na Oliveirense e no Estarreja na época 2015/2016): 7.500 euros para fazer com que o seu clube perdesse para o Leixões e fossem marcados, pelo menos, três golos, já que a aposta era a over (acima de) 2,5 golos. Metade do valor terá sido entregue a Diego Tavares na zona da Expo, ficando a promessa da segunda tranche após o jogo e caso o Oriental perdesse por três golos.

O grupo de apostadores virou-se para o defesa central brasileiro Diego Tavares. Depois de uma época de estreia na Europa com a camisola do Beira-Mar, Diego tinha ingressado no Oriental e aceitou a proposta do arguido João 'Carela': 7.500 euros para fazer com que o seu clube perdesse para o Leixões e fossem marcados, pelo menos, três golos, já que a aposta era over (acima de) 2,5 golos.

Assim, antes e durante o jogo, o grupo luso-malaio fez duas apostas de “várias dezenas de milhares de euros”, segundo a acusação do MP:

  1. O Oriental seria derrotado, tanto ao intervalo como no final;
  2. Seriam marcados pelo menos três golos no gjogo (over 2,5).

Diego Tavares, a pedido da rede luso-malaia, ainda terá tentado aliciar o avançado Fernando Andrade, mas o brasileiro que jogava na posição de avançado recusou.

Os três malaios Chun Keng Hong, Lim Gin Seng e Yap Thong Leong, acompanhados de Gustavo Oliveira e “Aranha”, assistiram ao jogo no Estádio eng. Manuel Salema, a ‘casa’ do Oriental, e viram o único golo do encontro a ser marcado pelo Leixões ao minuto 60, após “um pontapé na bola do médio do Bruno Aguiar contra as costas de Hugo Grilo, isto após Diego Tavares ter falhado de cabeça a interceção da bola na pequena área do Oriental”, lê-se na acusação — veja as imagens do golo no vídeo abaixo reproduzido a partir dos 2 minutos.

Como o resultado ficou abaixo da aposta, Diego não recebeu a segunda tranche prometida. E só não foi obrigado a devolver os 3.750 euros que recebeu porque já tinha transferido uma boa parte para o Brasil.

Mais tarde, em troca de mensagens no WhatsApp, Tiago Costa e João Pedro Carvalho garantiram que outros jogadores tinham manipulado o jogo Oriental-Leixões, sem, contudo, avançarem com nomes e dados concretos.

Também noutra conversa captada pela Polícia Judiciária nos telemóveis dos arguidos apreendidos durante as buscas judiciais da Operação Jogo Duplo, foram avançados os valores que o grupo luso-malaio poderia ter perdido com este jogo. Numa conversa entre João Alves, ex-jogador do Sporting, Braga, Guimarães e internacional pela Seleção A, e um investidor malaio chamado ‘Steve’ pela aplicação Viber, este mostrou a sua satisfação pelo grupo luso-malaio ter perdido mais de 100 mil euros em apostas. Rivalidades?

Noutra conversa captada pela Polícia Judiciária nos telemóveis dos arguidos apreendidos durante as buscas judiciais da Operação Jogo Duplo, foram avançados os valores que o grupo luso-malaio poderia ter perdido com um jogo. Numa conversa entre João Alves, ex-jogador do Sporting, Braga, Guimarães e internacional pela Seleção A, e um investidor malaio chamado 'Steve' pela aplicação Viber, este mostrou a sua satisfação por os seus rivais terem perdido mais de 100 mil euros na aposta.

Depois de um tempo no Chipre, Alves tinha regressado a Portugal para o final da carreira, tendo jogado no Académico de Viseu com Tiago Rosa e Leonel Alves na época de 2013/2014.

Já ‘Steve’ era um investidor malaio a quem “Aranha” e Gustavo Oliveira também recorriam quando Chun Keng Hong, Lim Gin Seng e Yap Thong Leong não tinham fundos para apostar.

Jogadores apostam no Placard contra os próprios clubes

Outra questão levantada pela acusação do DIAP de Lisboa são as apostas que os próprios jogadores da II Liga fazem no Placard (apostas desportivas organizadas pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa) nos jogos em que participam — e, às vezes, até contra os próprios clubes.

A lei portuguesa que regula as apostas desportivas proíbe expressamente que os “dirigentes, técnicos, treinadores, praticantes desportivos, profissionais e amadores, juízes, árbitros, empresários desportivos e responsáveis das entidades organizadoras dos eventos objeto de apostas desportivas” possam fazer apostas “quando direta ou indiretamente, tenham ou possam ter qualquer intervenção no resultado dos referidos eventos”.

De acordo com a acusação do DIAP de Lisboa, João Tiago Rodrigues (‘Carela’) e Hugo Guedes (‘Moedas’) não terão respeitado a lei. ‘Carela’ e ‘Moedas’ jogaram juntos na Oliveirense na parte inicial da época de 2015-2016, tendo o primeiro saído para o Estarreja logo em agosto. Os dois terão feito em conjunto as seguintes apostas em que, pelo menos, ‘Moedas’ participou nos seguintes jogos:

  • Oriental-Oliveirense – apostaram 450 euros na vitória do Oriental por uma diferença de dois golos e ganharam um total de 814 euros, lucrando assim 364,50 euros no Placard. O Oriental ganhou o jogo por 5-2.

De acordo com a acusação, ‘Moedas’ “rematou deliberadamente a bola contra a sua própria baliza” ao minuto 92, “o que permitiu ao Oriental marcar o quinto golo” e “desse modo, conseguiu evitar que um golo tardio da Oliveirense, que reduziria a diferença para um golo, prejudicasse as suas próprias apostas”. Veja o vídeo abaixo reproduzido entre 1m31 e o 1m41.

‘Carela’ e ‘Moedas’ apostaram igualmente no jogo Oriental-Leixões, investindo 245 euros e lucrado 145 euros que terão dividido entre si.

Mais tarde, na segunda volta da competição, viriam a apostar no jogo Leixões-Oriental — jogo que também foi alvo de alegada manipulação do resultado mas desta vez a favor do Oriental. Investindo um total de 1.090 euros, recolheram o lucro de 600 euros.

A lei portuguesa que regula as apostas desportivas proíbe expressamente que os jogadores possam investir "quando direta ou indiretamente, tenham ou possam ter qualquer intervenção no resultado dos referidos eventos". Diversos arguidos da Operação Jogo Duplo não só apostaram, como investiram contra os seus próprios clubes para ganharem algumas centenas de euros.

Outros jogadores da II Liga seguiram o mesmo exemplo. Tiago Rosa (jogador do Penafiel em 2015/2016), João Pedro Carvalho e Pedro Mendes (Oriental) apostaram no jogo Penafiel-Oriental através do Placard depois de terem aceite as propostas do grupo luso-malaio para manipularem o resultado do jogo a favor do Penafiel. Rosa apostou apenas 100 euros, enquanto que Carvalho e Mendes investiram 350 euros na vitória do Penafiel no Placard e mais outro tanto no site Bwin. O primeiro ganhou 70 euros, enquanto que os segundos dividiram um lucro total de 555 euros com a vitória por 3-0 do Penafiel.

A manipulação durante o próprio jogo

Os contornos da alegada manipulação do jogo Penafiel-Oriental, que se realizou a 30 de abril de 2016, assumiu contornos cinematográficos. A abordagem aos jogadores do Oriental começou por ser feita por Bruno Mendes. Dado pelo MP como membro dos Super Dragões, juntamente com “Aranha” e Cláudio Coelho, Mendes terá abordado João Pedro Carvalho pelo Messenger do Facebook no dia 25 de abril e oferecido “quantias pecuniárias” para que Carvalho e outros jogadores do Oriental facilitassem a vitória do Penafiel por 4 golos.

Carvalho viria a receber uma nova proposta 24 horas depois via WhatsApp. O autor foi Tiago Costa, ex-jogador do Académico de Viseu onde jogou com João Alves, e a proposta era de 30 mil euros para que o Oriental sofresse pelo menos 2 golos na primeira parte (over acima de 1,5) e mais de 3 golos no total do jogo (over 2,5). O valor oferecido seria para seis jogadores mas que se fossem apenas três defesas (João Pedro seria um deles), o valor seria a dividir apenas por estes.

A proposta foi partilhada no grupo “Uber de Caneças”, tendo o médio Tiago Mota e o defesa Hugo Grilo analisado a mesma. Mota ‘saíu’ fora por receio em ser descoberto e o grupo luso-malaio resolveu ‘atacar’ com sucesso o defesa central brasileiro Diego Tavares.

O grupo luso-malaio resolveu 'atacar' com sucesso o defesa central brasileiro Diego Tavares. A partir daí, Tavares passou a ser o interlocutor de 'Aranha' e de Gustavo Oliveira, tendo 'angariado' o guarda-redes Rafael Veloso, e os defesas André Almeida e João Pedro. Todos eles asssumiram o tradicional compromisso via Skype com os investidores malaios de manipularem o resultado do jogo de acordo com a aposta dos malaios. Proposta? 30 mil euros.

A partir daí, Tavares passou a ser o interlocutor de ‘Aranha’ e de Gustavo Oliveira, tendo ‘angariado’ o guarda-redes Rafael Veloso, e os defesas André Almeida e João Pedro. Todos eles asssumiram o tradicional compromisso via Skype com os investidores malaios durante o estágio que o Oriental realizou no Hotel Bienestar, nas Caldas de Vizela. Para o efeito, ‘Aranha’ e Gustavo Oliveira deslocaram-se ao hotel. Após a chamada vídeo com Yap Thong Leong, os jogadores (com a excepção do guarda-redes Rafael Veloso, que tinha recusado participar na vídeo chamada) receberam metade dos 7.500 euros que caberia a cada um, no caso de sucesso na manipulação do resultado. Valor total do ‘investimento’ nos jogadores: 30 mil euros.

A proposta, contudo, tinha um bónus: por cada pénalti assinalado, cada jogador receberia 5 mil euros.

De acordo com a acusação do DIAP de Lisboa, verificou-se uma variação irregular das odds no pré-match com destaque para as apostas na derrota do Oriental por 3 golos (over 2,5) e também durante o live betting e no mesmo resultado.

O jogo acabou por ter as incidências e protagonistas, segundo a acusação do MP:

  • Nos dois primeiros golos do Penafiel, marcados por Rui Miguel, Diego Tavares e André Almeida não mostraram oposição para evitar os mesmos;
  • “Por estar convencido de que Tavares teria recebido dinheiro para perder o jogo, o treinador do Oriental, Jorge Andrade, substituiu-o aos 58 minutos”, lê-se na acusação;
  • Mas Tiago Mota e Hugo Grilo continuaram em campo até ao final do jogo, tendo alegadamente colaborado com João Pedro Carvalho para manipularem o jogo;
  • O Penafiel marcou o terceiro golo na segunda parte através de um pontapé fora da área, tendo mais tarde Carvalho comentado no “Uber de Caneças” que o golo foi um ‘frango’ de Rafael Veloso;

Faltava, no entanto, mais um golo para os investidores malaios ganharem as apostas. Carlos Silva ‘Aranha’ e Gustavo Aranha, que estavam no estádio a assistir ao jogo, receberam essa informação. Resultado imediato: ‘Aranha’ ligou a Diego Tavares, que se encontrava no balneário, para pressionar os colegas a sofrerem mais um golo, tendo o central brasileiro sugerido que falasse com João Pedro Carvalho — que estava a jogar com a camisola n.º 25.

‘Aranha’ assim fez e, de segundo o MP, terá comunicado com João Pedro Carvalho por sinais, tendo este dado indicação de que tinha percebido a mensagem.

Já em período de compensação, verificou-se um contra-ataque pelo lado esquerdo, tendo a bola sido “cruzada, pouco depois da linha do meio-campo, pela frente de João Pedro Carvalho para a área do Oriental, onde Aldair Baldé marcou aos 92 minutos”. Estava feito o resultado — e as apostas.

Mais tarde, e após as fortes suspeitas de manipulação do resultado, a UEFA enviou um relatório para a Federação Portuguesa de Futebol onde informou sobre seguintes factos:

  • “Posicionamento deficiente dos jogadores Diego [Tavares] e [André] Lopes Almeida nos dois primeiros golos do Penafiel”;
  • “Erro do guarda-redes Rafael Veloso no terceiro golo”;
  • “Tentativa questionável de colocar um jogador do Penafiel em fora-de-jogo no golo final”.

Carlos Silva e Gustavo Oliveira terão saído do Estádio Municipal 25 de abril “ainda antes do apito final, gritando «Goooolo!! Toma!! Chupa lá!!», dirigindo-se a correr para o VW Golf e abandonando o local de imediato”, lê-se no despacho de acusação do DIAP de Lisboa.

O procurador Hugo Neto requer que o Tribunal que venha a julgar este processo condene os arguidos a penas acessórias graves, nomeadamente penas de suspensão de actvidade desportiva em provas oficiais, tendo em conta a deturpação da verdade desportiva e o prejuízos de clubes, sócios, patrocinadores e ‘casas de apostas’. As penas de suspensão variam entre os 6 meses e os 5 anos para todas as provas organizadas pela Federação Portuguesa de Futebol e pela Liga de Clubes.

O Leixões, enquanto sociedade anónima desportiva, é o único clube que corre o risco de ser proibido de participar nas provas profissionais da Liga de Clubes, bem como de subsídios, subvenções ou incentivos outorgados pelo Estado, por um período não inferior a 3 anos. Em causa, está o último jogo de 2015/2016 entre a Oliveirense e o Leixões — que estes últimos tinham de vencer para permanecer na II Liga — e a imputação de que o presidente Carlos Oliveira, o diretor Nuno Silva e o treinador Pedro Miguel Ferreira terão alegadamente subornado diversos jogadores (num valor indeterminado, apesar de ter sido referido o valor de 15 mil euros por alguns dos arguidos) da Oliveirense para alegadamente facilitarem a derrota do Leixões.

É esta a anatomia do crime — de acordo com o MP.

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