Há anos que se multiplicavam as conversas nos corredores do PS sobre o que aconteceria no fim do ciclo longo do costismo, quando chegasse a hora de as alas ideologicamente distantes que se iam definindo no partido entrarem em confronto direto. O que ninguém esperava era que o calendário se acelerasse desta forma e, numa questão de horas, o PS assistisse em choque à queda do líder que lhe valeu a sua segunda maioria absoluta. Com eleições e congresso antecipados, resta agora aos socialistas olhar para o futuro e escolher entre pelo menos dois candidatos: Pedro Nuno Santos e José Luís Carneiro.

Ninguém duvidava de uma candidatura de Pedro Nuno Santos — afinal, esta só não era o segredo mais mal guardado da política portuguesa porque não era segredo nenhum –, estando garantido que o rosto da ala esquerda do PS e defensor acérrimo da geringonça avança apoiado pelas as tropas que recrutou no aparelho socialista ao longo de anos de contactos regulares. Problema: Pedro Nuno traz colada a si não só a imagem de radicalismo como também a sucessão de polémicas em que se viu envolvido enquanto ministro, e que tinha esperança de conseguir limpar da memória do eleitorado se tivesse tido um período de nojo, e de preparação, maior.

Esse período foi radicalmente encurtado e Pedro Nuno enfrentará agora um oponente que é o seu exato oposto: Carneiro tem menos tropas no PS e menos proximidade com os militantes, mas representa uma ala mais moderada e não tem polémicas no currículo. Com Ana Catarina Mendes, Fernando Medina e Francisco Assis a colocarem-se fora da corrida, fica para Carneiro o papel de representar a ala centrista do PS — o que não significa que estes nomes não contem para a definição do futuro do partido, nem que fiquem necessariamente de fora de disputas futuras.

Pedro Nuno Santos

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Há dez anos, Pedro Nuno Santos levantou-se numa reunião da Comissão Política do PS para uma intervenção que pretendia abrir caminho a António Costa, que falaria de seguida desafiando a liderança de António José Seguro. Mas Costa mudou de plano à última hora. Pedro Nuno falou, mas não teve seguimento, com Costa a adiar a sua jogada. Pedro Nuno Santos estava de rastos, no Parlamento no dia seguinte, desiludido com os acontecimentos da noite anterior. O então jovem turco tinha urgência em apear Passos Coelho do caminho, mas as tropas não estavam com Costa, Seguro tinha-as trabalhado durante muitos anos e a era difícil derrubar esse muro nessa altura. A importância do domínio do aparelho foi uma lição que ficou apreendida.

Quando começou a sonhar com a sua era, era uma evidência que tinha de fazer várias vezes a “rota da carne assada” — uma expressão do léxico da política partidária que se refere às voltas ao país necessárias para arrebanhar apoios. Nos últimos anos, as suas tropas dominaram a quase totalidade das federações distritais do PS, onde tem aliados em lugares de topo ou de influência. Pedro Nuno não correu o risco de, na hora h, apresentar a fragilidade que António Costa tinha naquele mês de janeiro de 2013. Chega ao dia de hoje pronto e com tropas.

A sua candidatura já não é, por tudo isto, notícia. Prepara-a há anos e, segundo os seus mais próximos, só vacilou quando o negócio da família (que faz equipamentos industriais, sobretudo orientados para o sector do calçado) foi alvo de notícias, envolvendo contratos públicos por ajuste direto. Nem mesmo quando saiu do Governo, depois da polémica indemnização a Alexandra Reis — que validou por SMS –, Pedro Nuno Santos pôs de parte a hipótese de ter um futuro do partido. Desapareceu uns meses, voltou ao Parlamento e depois ingressou no comentário televisivo. Prometia não ter pressa, não querer ser oposição a Costa e queria ter tempo para preparar a sua vez .

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Nas quatro vezes que comentou na SIC-Notícias, nunca cumpriu a parte da contenção nas críticas ao Governo de António Costa de que fez parte até janeiro deste ano. Em todas as intervenções disparou sobre as decisões governativas, sobretudo em relação ao Orçamento do Estado — que considerou que podia ser diferente, sobretudo em matéria de excedente. A sua linha política começou a ser clarificada neste espaço, com elogios à geringonça logo no primeiro programa, afinal é a figura que lhe permitiu realizar o sonho de congregar a esquerda toda no Parlamento.

Em 2015, António Costa colocou-o no centro dessa solução governativa, na pasta dos Assuntos Parlamentares, e foram tempos de sonho para Pedro Nuno Santos que se tornou na figura de referência da ala esquerda do PS. A posição deu-lhe lastro no Governo e no PS, tanto que em alguns momentos mal se conseguiu conter, como quando focou sobre si as atenções do congresso socialista de 2018 de tal maneira que António Costa acabou a dedicar-lhe um mimo do palco, avisando que ainda não tinha metido os papeis para a reforma.

Na bagagem da sua candidatura leva um exército no aparelho do PS e uma proximidade com a esquerda que pode ser vantajosa no quadro de um país dividido eleitoralmente. Isto é, se as próximas legislativas ditarem um quadro de grande divisão entre partidos, o PS de Pedro Nuno garantirá com facilidade entendimentos à esquerda. António Costa pode ter ficado com a bandeira de “derrubar os muros” que afastavam PS do PCP e também do Bloco de Esquerda, mas Pedro Nuno Santos é que era o elemento que fazia a síntese. Não por acaso, no seu comentário na SIC, mais do que comentar o que se passava à direita nas sondagens, chamou a atenção para o facto da esquerda ter voltado a ter maioria.

Nesse mesmo dia, repetiu o seu desejo de não ter na “geringonça” um “parênteses” na história da política nacional. Levará na lapela a coordenação de uma solução política que, apesar de todas as desconfianças que trazia inicialmente, acabou por ser aquela que permitiu a Costa cumprir um mandato de quatro anos (entre 2015 e 2019), os outros dois foram interrompidos.

O reverso desta medalha é o radicalismo a que Pedro Nuno está sempre associado e que é despertado quando se opõe de forma clara à privatização da maioria do capital da TAP, por exemplo (e ao contrário do que o Governo de Costa defendia). Ou quando diz frases como “era justo que os lucros dos bancos que vêm dos aumentos exclusivamente administrativos do BCE se refletissem na travagem e redução das prestações pagas pelas famílias”. Um ideia que a esquerda à esquerda do PS tem defendido. Não é, por isso, de desconsiderar a jogada que fez ainda esta quarta-feira, quando nada estava ainda definido sobre os próximos tempos, quando chamou Francisco Assis e Ascenso Simões para um almoço em Lisboa que foi apanhado pela CNN Portugal. São dois rostos socialistas da ala mais moderada, Assis foi inclusivamente um opositor frontal da “geringonça”.

Francisco Assis almoça com Pedro Nuno Santos e não disputa liderança do PS

Às costas traz também a memória recente de problemas graves que ele mesmo provocou ao Executivo de Costa, nomeadamente quando avançou sozinho com a decisão sobre a localização do novo aeroporto de Lisboa, sendo desautorizando publicamente pelo primeiro-ministro. E depois na indemnização de Alexandra Reis para sair da TAP que provocou o último grande terramoto político do Governo. São temas que perseguirão a sua candidatura, bem como a tal imagem do radical que um dia foi ouvido a desafiar Bruxelas e a defender que o país deixasse de pagar a dívida.  “E se nós não pagarmos a dívida e se lhes dissermos, as pernas dos banqueiros alemães até tremem!”, disse numa reunião partidária em pleno período da troika. E mais: “Estou-me marimbando para os nossos credores. Ou os senhores se põem finos ou nós não pagamos. E se nós não pagarmos a dívida e se lhes dissermos, as pernas dos banqueiros alemães até tremem!”.

No seu círculo mas próximo já se tem procurado tirar peso a este passado, convencidos que para ganhar o país o discurso do PS não pode ser tão colado à esquerda radical. Nos últimos tempos, Pedro Nuno procurou iniciar esse mesmo trabalho, na televisão, e ainda chegou a defender as vantagens de ter contas públicas equilibradas e um excedente, para logo depois acrescentar que com ele não seria tão elevado. Fez mesmo as contas entre o que era previsto (0,9% de défice) e o que é apontado para este ano (excedente de 0,8%): “É um desvio de 4,4 mil milhões de euros que não chegam à economia. Uma margem muito importante que poderia ser usada, parcialmente, para resolver problemas na administração pública”.

Mantém um secular despique (ver mais abaixo) com o responsável pelas Finanças, Fernando Medina, com quem manteve sempre uma relação política pouco próxima e mais tensa. Teve o seu auge na saída de Pedro Nuno do Governo, quando durante a polémica de Alexandra Reis o Ministério de Medina sacudiu responsabilidade na autorização do valor indemnizado e deixou Pedro Nuno arder sozinho. O acerto de contas foi feito no Pátio do Palácio de Belém, como contou o Observador da altura, depois da posse de João Galamba como ministro. Uma linha política que não teve tempo para sedimentar antes de se lançar na grande corrida que prepara há uma vida.

Já entre os seus amigos mais próximos está Duarte Cordeiro, que também foi alvo de buscas na Operação Influencer, embora não tenha sido constituído arguido. É uma das figuras do partido em quem Pedro Nuno mais confia e domina a influente distrital de Lisboa. O envolvimento do seu nome no caso judicial pode trazer impacto ao plano que ambos tinham de um dia virem a dominar o partido. Deste grupo faz ainda parte Francisco César e também o deputado e ex-secretário de Estado João Paulo Rebelo, ou os dirigentes distritais João Portugal (Coimbra) e Jorge Sequeira (Aveiro) e também a agora ministra da Habitação, Marina Gonçalves.

A posse que aconteceu no meio de acerto de contas entre Pedro Nuno e Medina

Um nome que fazia parte do grupo inicial dos jovens turcos e que se afastou de Pedro Nuno Santos foi João Galamba. A amizade esfriou depois da prestação do ministro sucessor de Pedro Nuno e da sua chefe de gabinete da comissão parlamentar de inquérito à TAP. Menos um caso para o socialista que quer liderar o PS resolver, numa longa lista de problemas com o passado mais recente que leva às costas para esta corrida e outras que possa vir a enfrentar.

José Luís Carneiro

As ambições de José Luís Carneiro estão longe de ser uma novidade para os colegas de partido, mesmo que não seja uma figura tão mediática como o seu opositor. O homem que na noite de despedida de Costa decidiu avançar com o anúncio da sua candidatura — gerando algum desconforto no PS — manteve-se, durante anos, como uma figura de bastidores, o que lhe permitiu acumular alguns contactos no aparelho do partido.

A pouco e pouco, Carneiro foi mesmo conseguindo aproveitar sucessivas oportunidades para ir somando créditos no PS. Enquanto autarca, ganhou a câmara de Baião e foi reeleito duas vezes com percentagens cada vez mais altas; depois, foi presidente da federação do Porto e assumiu o cargo de secretário-geral adjunto do PS, passando assim vários anos a palmilhar uma das federações mais poderosas do partido e, depois, o país – duas oportunidades para trabalhar minuciosamente o aparelho socialista.

Depois, e apesar de ter sido um segurista convicto – o que também lhe valeu, e vale, grandes anticorpos no interior do partido – foi escolhido por António Costa para subir a secretário de Estado das Comunidades e depois a ministro, e logo de uma pasta que é conhecida por “queimar” os seus responsáveis, dado o potencial de polémicas que traz consigo: a Administração Interna. Mas Carneiro, que sabia que nesta pasta se pode “passar de bestial a besta em menos de 24 horas”, acumulou capital ao contornar épocas de incêndios e negociações sindicais tensas sem grandes obstáculos, e tornou-se assim um caso raro de um responsável da Administração Interna que passa incólume pela pasta.

Carneiro, que se mostra agora disponível para disputar uma corrida à liderança do PS, posiciona-se assim como uma alternativa mais moderada e centrista, por contraponto à provável candidatura de Pedro Nuno Santos. Está a testar as suas hipóteses: o ministro anda no terreno há meses, em “campanha ativa”, e tem feito e recebido contactos um pouco por todo o país.

No PS, esta hipótese é vista como uma candidatura com potencial para se tornar uma espécie de frente anti-pedronunista: se mais nenhum dos nomes associados à ala mais centrista do partido avançar, Carneiro poderá ser a figura que corporiza a tal alternativa, aproveitando para recolher esses apoios que ficariam, de outra forma, sem uma candidatura a que se juntar. Os mais céticos classificam esta eventual candidatura como um “instrumento” de quem não quer Pedro Nuno como sucessor de Costa; os mais entusiásticos veem aqui uma oportunidade de conjugar uma imagem de moderação com um percurso de proximidade com o aparelho socialista, vantagem com que vários dos outros “moderados” não contam.

Ainda assim, há muito quem no PS note que, se é verdade que Carneiro contornou os “casos e casinhos” que assolaram este Governo e conseguiu apresentar-se como um ministro eficaz, também não se lhe conhece muito pensamento próprio – Carneiro costuma ser definido como alguém leal aos seus líderes, que assume posições cautelosas e alinhadas com o topo do partido. Resta saber como seria se fosse, desta vez, ele próprio o líder.

Fernando Medina

Na Câmara de Lisboa foi vice de António Costa e sucedeu-lhe na presidência quando este saiu para liderar o PS e candidatar-se às legislativas de 2015. Essa sucessão lançou-o diretamente na pole da corrida ao pós-costismo, entrando diretamente para o conjunto dos delfins de António Costa onde Pedro Nuno tinha também acabado de entrar. O despique entre os dois viveu sempre na sombra da liderança de António Costa, com Medina a ser colocado na ala mais moderada e oposta à de Pedro Nuno Santos.

A competição existe há muito e foi visível no último momento em que estiveram publicamente juntos, na tomada de posse de Galamba (contada acima), revelando às claras a tensão entre os dois. Ainda assim, Medina traz destes dois anos de Governo menos problemas que o seu eterno rival, podendo usar com propriedade a bandeira das contas certas, já que sai com um excedente no bolso e outro previsto para o próximo ano. É mais fácil para Medina prometer seguir a linha de continuidade dos governos de António Costa em matéria contas públicas.

O lado B é que Fernando Medina foi a cara de um dos desaires eleitorais mais traumáticos para o PS, quando perdeu a Câmara de Lisboa para Carlos Moedas em 2021. Essa noite ficou-lhe colada à pele, sobretudo quando já não era propriamente uma figura adorada pelo partido — nunca teve tropas nem trabalhou o aparelho nesse sentido. Tanto que se preparava para uma longa travessia do deserto político, quando foi salvo por um chumbo do Orçamento do Estado para 2022 e pelas legislativas antecipadas que isso provocou. Quando o PS conseguiu a maioria absoluta, António Costa atribuiu-lhe a pasta das Finanças, mas o seu nome não voltou a ter a mesma tração que tinha para a liderança do partido.

As declarações que Medina tem feito até aqui sobre esta possibilidade são quase sempre esquivas. Em 2020 dizia ao Observador, em entrevista: “A liderança do PS nunca foi uma ambição minha. Não sonho com isso”. Nunca descartou totalmente a ideia, mas também nunca foi uma ambição assumida com total clareza. Desta vez, não vai mesmo a jogo.

Entrevista a Fernando Medina: “A liderança do PS nunca foi uma ambição minha. Não sonho com isso”

Francisco Assis

Mesmo que já tivesse avisado de que não contava ser um “participante ativo” no processo de sucessão de António Costa, há muito que se calculava que Francisco Assis fosse um nome a ter em conta na definição dos destinos do PS. E essa ideia confirmou-se esta quarta-feira, quando foi filmado pela CNN a sair de um almoço com Pedro Nuno Santos – o homem que há anos se prepara para tentar ganhar a liderança do PS – e Ascenso Simões – o antigo dirigente que escreveu um artigo no Expresso, horas depois da queda do primeiro-ministro, em que lançava Francisco Assis e lhe pedia que fizesse esse “serviço” ao partido e ao país.

Reunidos alguns dos generais do PS, algumas ideias ficaram claras: Assis continua a assegurar que não será candidato; e pede agora que o partido se una em redor de uma candidatura congregadora, evitando entrar em lutas fratricidas, e sugerindo que Pedro Nuno Santos pode ser o nome que conseguirá agregar o PS. Assis tem autoridade para fazer esse pedido, graças à imagem de moderação e independência que foi cultivando ao longo dos últimos anos.

Desde logo, porque o socialista, que já ocupou diversos cargos dentro e fora do PS – tem experiência como deputado e eurodeputado, já se candidatou à liderança do partido, cumpre atualmente o segundo mandato como presidente do Conselho Económico e Social – é visto como um socialista com pensamento próprio. Foi dessa forma que se posicionou como crítico acérrimo da geringonça e acabou a ser escolhido pelo PS para liderar o CES. Ainda assim, as relações com António Costa acabaram por arrefecer e Assis ficou fora das últimas listas de deputados do PS, mesmo tendo mostrado disponibilidade para voltar ao Parlamento.

Agora, Assis parece colocar-se ao lado de Pedro Nuno Santos, de quem é ideologicamente muito distante – serão, respetivamente, um dos maiores críticos da geringonça e um dos maiores apoiantes e artífices da mesma – mas a quem já vinha tecendo rasgados elogios públicos há muito, gabando-lhe o pensamento próprio e a “força interior”.

Este posicionamento pode ter uma vantagem para Pedro Nuno: mostrar que tem consigo um dos principais rostos moderados do PS, tendo em conta que Assis pertence a uma ala mais centrista e defende regularmente soluções políticas que incluam consensos com o PSD, o que poderia ajudar a afastar o fantasma do radicalismo pedronunista. Uma coisa é certa: mesmo que Assis esteja fora da corrida à liderança, ninguém o dá por excluído do próximo ciclo do PS – e há quem acredite que pode ser a melhor solução para a próxima corrida a Belém, em 2026.

Apesar do capital que foi reunindo durante o seu já longo percurso político, não é certo que, se Assis entrasse numa disputa decidida pelos militantes, se saísse bem: afinal, está longe de ser o nome mais próximo das bases e não tem feito trabalho junto do aparelho. Na fase da geringonça chegava a ironizar-se, nos bastidores do PS, com o “exílio” a que Assis teria sido votado, tendo passado a receber menos convites do partido (enquanto continuava a ser convidado pelo PSD para alguns eventos).

Ana Catarina Mendes

A expectativa foi-se acumulando ao longo de anos: afinal, era de esperar que a socialista que fez praticamente toda a sua carreira no PS (foi deputada durante 27 anos consecutivos) acabasse por ser promovida a ministra. Esse momento chegou em 2022, quando António Costa convidou Ana Catarina Mendes, juntamente com o restante leque de sucessores, para assumir uma pasta governativa.

No caso da nova ministra, tratava-se de um possível presente envenenado, como sublinhavam na altura várias fontes socialistas: em tempos de maioria absoluta, o cargo de Ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares podia ser facilmente esvaziado, pelo que dependeria muito da própria fazer do cargo o que quisesse, com mais ou menos destaque.

Pelas mãos de Ana Catarina Mendes ainda passaram diversas pastas relevantes, tendo a última das quais sido a participação no processo de substituição do SEF pela nova Agência para a Integração, Migrações e Asilo. Ainda assim, pelas características do cargo e o facto de se tratar de um Governo com naturalmente menos necessidade (e vontade, diria a oposição) de negociar no Parlamento, Ana Catarina acabaria por assumir uma pasta com menos destaque do que os outros putativos sucessores de António Costa.

Quanto à vontade da socialista de participar num processo de disputa de liderança, ficou esclarecida nesta quinta-feira, quando convocou os jornalistas para dizer que está fora da corrida. Mas é certo que teria uma vantagem — o facto de ser bastante acarinhada e muito conhecida no partido — o que significa que pode ter uma palavra a dizer e capacidade de influenciar a opção de muitos militantes.

Além de se dedicar à vida partidária há muitos anos, a ministra foi líder da Federação Socialista de Setúbal, uma das mais influentes do país (agora liderada pelo secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro e seu irmão, António Mendonça Mendes) e chefiou, tal como José Luís Carneiro, o aparelho socialista, na função de secretária-geral adjunta do PS.

Ana Catarina Mendes foi também líder parlamentar, sucedendo a Carlos César, pelo que de experiência política e conhecimento do partido está o seu currículo cheio. Há muito que a ministra é mencionada, nos corredores do PS, como uma forte hipótese para encabeçar a lista do partido para as eleições europeias; com umas inesperadas legislativas pelo meio, o futuro de Ana Catarina Mendes fica (ainda) mais em aberto.

Mariana Vieira da Silva

Se António Costa alguma vez pudesse ter tido a oportunidade de escolher alguém para lhe suceder no Governo esse alguém teria sido Mariana Vieira da Silva, que, nestes quase oito anos de governação, assumiu o papel de seu braço direito. O primeiro-ministro nunca dispensou a sua colaboração e quanto mais próxima de si melhor, tendo começado como sua secretária de Estado Adjunta, num gabinete mesmo ali ao lado em São Bento. Depois promoveu-a a ministra e teve-a sempre por perto na coordenação política, fosse no Governo fosse durante campanhas eleitorais.

Elogia a sua capacidade de organização, no entanto, foi sempre reconhecida a sua falta de vontade para a primeira linha política. Não tem revelado qualquer apetência pelo roteiro da política partidária, onde não cultivou apoios tendo em vista qualquer ambição maior. Foi sobretudo a proximidade e a confiança que sempre teve com Costa que a colocaram neste grupo de quadros onde o PS procura agora um sucessor para o líder de quase uma década.

António José Seguro

O regresso de António José Seguro, afastado da política desde que foi destronado por António Costa na liderança do PS em 2014, é um cenário improvável. Ainda assim, não só está a ser alimentado por “muita gente” no PS, que o tem abordado nos últimos dias, como nem sequer é claramente excluído pelo próprio — o que já é, em si, uma novidade.

Diz quem conhece Seguro que nos últimos anos, contactado sobre hipotéticos regressos à política ativa, o antigo líder socialista tem dado uma resposta firme e invariável: não. Desta vez, não estará, para já, a excluir a ideia, embora esta sexta-feira, questionado pelos jornalistas, tenha ironizado com a famosa história de Cavaco Silva, que foi a um congresso supostamente apenas para fazer a rodagem do seu Citroen e acabou eleito presidente do PSD: “Não tenho nenhum Citroen para fazer rodagem”.

Com ou sem Citroen, o que é certo é que há anos que Seguro não parecia tão ativo e tão disposto a deixar essa hipótese em aberto. Aparece agora “perplexo” com a situação política, um dia depois de o segurista reformado José Luís Carneiro confirmar a sua candidatura. O que é certo é que Seguro foi, em tempos pré-Costa, senhor e dono do aparelho socialista; mas os anos passaram, o afastamento agravou-se e a situação seria hoje certamente muito diferente.