Os preços recorde na energia e os lucros significativos gerados no setor do petróleo e gás podem dar aos acionistas da Galp cerca de 900 milhões de euros em remuneração pelos resultados da empresa este ano. Esta é a estimativa apresentada aos investidores a propósito dos resultados do terceiro trimestre deste ano e representa uma subida de mais de 50% face à distribuição de ganhos feita pelos acionistas durante este ano e por conta dos resultados de 2021.
O valor foi divulgado antes de ser conhecido o diploma que aplica em Portugal a contribuição extraordinária europeia sobre os lucros inesperados e tem como base a política de distribuição de até um terço dos meios libertos pela operação (cash-flow operacional). Mas a empresa admite que este indicador possa ser menor por efeito da contribuição extraordinária sobre os lucros inesperados que será cobrada em 2022 e 2023.
A maior fatia dos ganhos a distribuir pelos acionistas pode não vir dos dividendos, que são a forma tradicional de remunerar os detentores de ações de empresas. A Galp prevê uma subida de 4% no dividendo a atribuir, mas o grande salto virá da compra de ações pela própria empresa (share buyback). Este programa começou a ser executado este ano com um investimento de 150 milhões de euros feito pela Galp em favor dos seus acionistas, que será substancialmente reforçado no próximo ano para um patamar próximo dos 500 milhões de euros, de acordo com a mesma documentação.
É o resultado da política de remuneração acionista que promete distribuir até um terço do cash-flow operacional que este ano deverá fixar-se em 2,8 mil milhões de euros. O crescimento do valor para recompra de ações é revelador do aumento de ganhos que foi obtida sobretudo graças à valorização dos preços do petróleo e do gás (em particular petróleo no caso da Galp).
Filipe Garcia, economista da consultora IMF, indica ao Observador que os programas de recompra podem ter vários objetivos — remunerar acionistas é um deles, mas também podem ajudar a suportar as cotações quando existe uma pressão vendedora sobre o título. E explica de que forma podem vir a gerar ganhos aos detentores de ações.
“Tipicamente quando as empresas compram as ações depois cancelam-nas, o que faz com que haja menos ações para um mesmo valor da empresa, logo o valor por ação sobe, e é expectável que a cotação reflita essa situação [há menos oferta para a mesma procura]. Por outro lado, também os rácios financeiros como os ganhos por ação (EPS) são positivamente afetados devido a uma diminuição de base (denominador). É também uma forma de manter os dividendos por ação, distribuindo um montante menor”.
O reforço das políticas de recompra de ações para remunerar os acionistas não é uma prática muito comum na bolsa de Lisboa, ainda que outras empresas tenham programas de menor dimensão em curso este ano como os CTT e a Novabase. Mas no setor petrolífero, o share buyback tem sido um recurso preferencial para as empresas distribuírem os lucros inesperados deste ano pelos seus investidores. Quer a Shell, quer a BP anunciaram o reforço de fundos a mobilizar para estes programas após apresentarem resultados trimestrais recorde ao longo do ano.
A Galp tem sido apontada (sobretudo pelos partidos à esquerda) como principal exemplo em Portugal de lucros inesperados gerados pelo preços altos da energia. Até ao terceiro trimestre, os resultados subiram 86% para os 608 milhões de euros e a margem operacional (EBITDA) valorizou 73% para 2.897 milhões de euros, apesar das perdas registadas com falha de algumas entregas de gás da Nigéria.
Resultados da Galp saltam 86% para os 608 milhões de euros até setembro
A empresa será uma das maiores visadas pela contribuição extraordinária e solidária que a União Europeia decidiu lançar sobre este setor e que o Governo decidiu estender às empresas de distribuição. No caso da Galp, e o Executivo já o reconheceu, os resultados taxados em Portugal — e que vão ser sujeitos à nova taxa — não são os gerados pelas operações mais lucrativas de produção de petróleo que ocorrem em outros países.
Mas se o fisco português não recebe esses tributos — que ficam no país onde a riqueza é gerada — já os acionistas da Galp vão beneficiar da subida dos resultados, sobretudo por via do tal share buyback. E entre estes está o Estado (que tem uma participação na petrolífera), mas o principal beneficiário será a Amorim Energia, empresa controlada pela família Amorim e da qual participa também, indiretamente, a Sonangol, e que é a maior acionista da Galp.
Em alguns casos, assinala Filipe Garcia, os programas de recompra têm sido, interrompidos perante a possibilidade de impostos específicos sobre alguns setores, como o da energia (windfall taxes). Mas não é para já essa a opção da Galp.
A perspetiva de uma contribuição extraordinária sobre os lucros de 2022 e 2023 — que será discutida a 20 de dezembro no Parlamento — não muda a política de remuneração acionista que define os montantes a serem distribuídos de acordo com a contribuição operacional da empresa em cada período. Ainda que, admite a Galp em resposta ao Observador, a liquidação deste imposto venha a resultar numa “menor contribuição operacional” que “afetará os investimentos da Galp e o montante dos share buybacks“. Mas para já, a Galp afasta qualquer alteração da política de recompra de ações por causa do novo imposto.
O Governo tem desvalorizado o encaixe desta taxa e mesmo depois da sua extensão à distribuição a receita esperada é inferior aos 100 milhões de euros.
Vantagens fiscais para acionistas face aos dividendos
Fonte oficial da petrolífera sublinha ainda que a utilização do share buyback é “relativamente comum internacionalmente, sobretudo em situações de clara subvalorização das ações.” A empresa explica assim “de forma simplificada” o racional desta política. “A principal vantagem é a seguinte: ao recomprar ações, a empresa adquire e anula parte do capital existente sendo que os acionistas que decidiram não vender as suas ações ficam com direitos sobre uma parcela maior de lucros da mesma”.
E assinala que do ponto de vista da empresa “o uso do share buyback não traz qualquer vantagem relevante do ponto de vista fiscal”.
Já o economista IMF destaca que há “vantagens fiscais nesta retribuição aos acionistas, já que, ao contrário do pagamento de dividendos, não há taxação direta sobre a operação”. Os dividendos pagam em Portugal um imposto de 28%. E essa vantagem fiscal será uma das razões que está a levar as multinacionais como a BP a recorrer a esta via, mas também por se tratar de “uma forma expedita de aplicar cash-flow em benefício dos acionistas e sem impacto fiscal imediato.”
Mas também há aspetos negativos referidos por Filipe Garcia. “A crítica mais frequente a esta prática é que a empresa ao recomprar ações próprias não está a amortizar dívida e reconhece taticamente que não há oportunidades (de investimento) ou não consegue aproveitá-las, dentro das suas atividades, para investir esse dinheiro”.
Ora a Galp está a atravessar um ciclo de forte investimento não só no desenvolvimento de projetos de produção de petróleo e gás, mas nos novos negócios que prometem descarbonizar uma parte do balanço da empresa. A empresa tem um plano para investir até cerca de mil milhões de euros por ano (um pouco mais do que a remuneração a entregar no próximo anos seus acionistas), dos quais metade será canalizado para a produção de energia renovável e para projetos de descarbonização da refinação.
Nos primeiros nove meses do ano, a empresa investiu 937 milhões de euros, dos quais 38% — 355 milhões de euros — foram para as renováveis e novos negócios, uma percentagem que ainda fica aquém dos 50% — 466 milhões de euros que foram para a produção e exploração de gás e petróleo. Mas o valor destinado à recompra de ações está limitado pelo rácio em que a dívida líquida seja inferior ao EBITDA (resultados operacionais antes de depreciações e amortizações) anual.
Durante a conferencecall com analistas dos resultados até setembro, o ainda presidente executivo Andy Brown confirmou a política de remuneração. “Temos um dividendo a crescer até 4% e até um terço do nosso cash-flow operacional (desde que o rácio entre a dívida líquida e o EBITDA esteja abaixo de 1), o que acontece atualmente. Portanto temos alguma margem. O esquema está desenhado para ser flexível e baseado no nosso cash-flow operacional e estamos a viver em tempos muito voláteis”.
Nas declarações produzidas em outubro, o CEO da Galp que está de saída passou a bola para o sucessor, o atual CFO (Filipe Silva), quando questionado sobre se a Galp, à semelhança de outras empresas do setor, poderia reforçar o programa de recompra de ações a realizar este ano — de 150 milhões de euros já concluídos em novembro.
“Se é verdade que o nosso balanço é muito forte e estamos a gerar cash-flow, a fórmula já assegura que isso acontece. Um terço do cash-flow operacional quando o cash-flow operacional é mais alto, logo a distribuição aos acionistas será mais elevada através dos shares buy backs“, afirmou Filipe Silva. Em cima disto, acrescenta, ainda haverá uma subida de 4% do dividendo (que passará de 50 cêntimos para 52 cêntimos por ação). “Estamos em outubro e vamos-nos manter na meta dos 500 milhões de euros de compra de ações relativos ao ano fiscal de 2022 até novos anúncios. E vamos ver no início do próximo ano como 2022 vai fechar e quais as perspetivas para 2023. Para já não muda”.
Em 2022 a Galp distribuiu 570 milhões de euros pelos acionistas dos quais 420 milhões foram pagos através de dividendos. A EDP que é a empresa mais valiosa da bolsa pagou este ano 750 milhões de euros pelos lucros do ano passado. Já a Jerónimo Martins atribuiu 493 milhões de euros.