Primeiro, falhas no Nord Stream 2, registadas na madrugada desta segunda-feira. Várias horas depois, falhas no Nord Stream 1. Estes dois gasodutos partem da Rússia, têm a sua última paragem na Europa e, apesar de nenhum deles estar, neste momento, a fornecer gás aos europeus — o que significa que os incidentes não têm, para já, impacto imediato no fornecimento de gás à Europa —, os seus tubos continuam a conter gás. E foi precisamente em três tubos destes dois gasodutos que foram detetadas pelo menos três fugas, em pleno Mar Báltico.
“As razões estão a ser investigadas”, informou em comunicado, esta terça-feira, a operadora Nord Stream AG, com sede na Suíça. As averiguações dos danos “sem precedentes” ainda estão em curso, mas os dois lados — Rússia e Europa — já deixaram os respetivos avisos. As autoridades europeias dizem desconfiar de sabotagem, atribuindo culpas aos russos e à sua ameaça energética; o Kremlin sublinha que este é um assunto muito sério e que não deve ser descartada nenhuma possibilidade.
Uma das fugas de gás aconteceu na zona económica da Dinamarca, que faz parte do percurso do Nord Stream. As outras duas fugas detetadas aconteceram já na zona económica da Suécia. Num primeiro momento, a Autoridade Marítima sueca emitiu um aviso, que dava conta de uma fuga de gás. Já a Dinamarca proibiu a circulação marítima na zona onde ocorreram as tais fugas, já que a libertação de gás significa que os barcos que passam por aquela área podem perder a capacidade de flutuar. No caso do Nord Stream 2, cuja fuga foi detetada ao largo da ilha de Bornholm (onde existe uma base da NATO), a pressão diminuiu abruptamente — de uma pressão de 105 bar, este gasoduto passou para sete.
A video released by Danish military of Nordstream pipeline pic.twitter.com/r3pilk2G2l
— Fahad (@fahad_sa654) September 27, 2022
“A superfície do mar está cheia de metano, o que significa que existe um risco acrescido de explosões na área“, explicou Kristoffer Bottzauw, diretor da Direção-geral de Energia da Dinamarca, à Reuters.
Além das fugas de gás confirmadas, o jornal espanhol El País relata ainda que foram registados dois picos sísmicos esta segunda-feira, exatamente na ilha de Bornholm, que coincidem com os momentos em que começaram as perdas de pressão dos gasodutos. “Não há terramotos detetados como explicação”, adiantou Josef Zens, do GFZ, o centro de investigação geológica alemã. O primeiro pico ocorreu às duas da manhã e o segundo às sete da tarde, com um ruído constante durante as horas seguintes, segundos os sismólogos.
O que poderia a Rússia ganhar com a sabotagem de gasodutos?
Do lado europeu, não é descartada a hipótese de se tratar de sabotagem. E Mette Frederiksen, primeira-ministra da Dinamarca, explicou, esta terça-feira, porquê: “Estamos a falar de três fugas com alguma distância entre elas. É por isso que é difícil imaginar que seja uma coincidência”. Ao jornal dinamarquês Berlingske, a Direção-Geral de Energia dinamarquesa acrescentou que “não se trata de uma fissura, mas sim de um buraco realmente grande” e que este “pode ser um ato deliberado”. “É extremamente raro que aconteça algo assim. E quando acontece três vezes em tão pouco tempo, então há motivos para preocupação.”
Een enorme aandachtsgolf naar de mogelijke #sabotage van #Nordstream1 en #NordStream2. Onbegrijpelijk voor twee gasleidingen die al niet meer in gebruik waren en nooit meer zullen zijn. Jammer van de inspanningen, maar het is echt klaar. #nordstream #Lubmin #greifswald https://t.co/iolY7Uqmnp pic.twitter.com/adooKjHQcY
— Nieuwe Dag Nieuwe Kans NDNK (@NieuweDagEnKans) September 27, 2022
Com estes factos, as declarações de Dmitry Peskov, porta-voz do governo de Putin, podem aumentar os níveis de alerta: “Neste momento, não se pode descartar nenhuma opção”. Peskov referiu que ainda “é prematuro especular sobre as causas” que provocaram estas três fugas de gás e que esta é uma questão “relacionada com a segurança energética de todo o continente”.
Mas, tendo em conta os avisos da Europa e da Rússia, o que poderia o Kremlin ganhar com uma sabotagem aos gasodutos que nem sequer estão a funcionar? Este pormenor, de que os gasodutos não estão, neste momento, a fornecer gás à Europa, pode ajudar a explicar parte dos objetivos russos. Aliás, o Nord Stream 2, o grande projeto que ligaria a Rússia à Europa, nunca chegou a funcionar. E a Rússia interrompeu o fornecimento de gás à Europa, através do Nord Stream 1, no final de agosto, na sequência das sanções impostas pelos países europeus, em reação à invasão da Ucrânia.
Nessa altura, o Kremlin justificou a interrupção pela falta de peças para reposição e manutenção do gasoduto, mas antes de agosto, mais especificamente em julho, já a atividade do gasoduto tinha estado interrompida durante 10 dias, para manutenção. A partir desse mês, a quantidade de gás fornecido diminuiu, o que levou os países ocidentais a acusar a Rússia de utilizar o fornecimento de gás como uma arma para diminuir as sanções. Sabotar dois gasodutos que não estão a funcionar poderia, no limite, ser um aviso daquilo que pode ser feito em gasodutos que estão a fornecer gás e de todo o impacto que isso poderia vir a ter.
Putin poderá estar assim confiante de que a Europa poderá não conseguir enfrentar o próximo inverno, ao mesmo tempo que a Rússia pode conseguir dar a volta à crise e aos últimos desaires que tem sofrido na guerra, perante os avanços dos ucranianos. Como avança o Telegraph, mesmo com o Nord Stream encerrado, o preço do gás diminuiu nos últimos quatro dias, mas a situação mudou assim que foram detetadas fugas nos gasodutos, tendo o valor aumentado imediatamente 12%. E, importa relembrar, a Europa e os Estados Unidos já anunciaram que as sanções à Rússia além de se manterem, devem aumentar significativamente, como foi revelado na última reunião de ministros à margem da cimeira da ONU, sobretudo se o Kremlin anexar os territórios ocupados na sequência dos referendos em curso.
Há ainda outro pormenor que coloca estas três fugas num possível plano estratégico russo. Esta semana é apontada para a inauguração de um novo gasoduto, que faz a ligação entre a Noruega e a Polónia, numa tentativa de diminuir a dependência energética da Rússia e preparar a redução do impacto para o próximo inverno.
Ucrânia fala em “ato de agressão à União Europeia”
Além da Dinamarca e da Suécia, também a Alemanha diz suspeitar de sabotagem. Já o conselheiro de Volodomyr Zelensky, Mykhailo Podolyak, disse que o que aconteceu é “um ataque terrorista planeado pela Rússia e um ato de agressão à União Europeia”. “A Rússia quer desestabilizar a situação económica na Europa e causar o pânico pré-inverno”, acrescentou o assessor do presidente ucraniano numa publicação feita no Twitter.
"Gas leak" from NS-1 is nothing more that a terrorist attack planned by Russia and an act of aggression towards EU. ???????? wants to destabilize economic situation in Europe and cause pre-winter panic. The best response and security investment — tanks for ????????. Especially German ones…
— Михайло Подоляк (@Podolyak_M) September 27, 2022
E como se não bastasse, a revista alemã Der Spiegel, avança que a CIA terá alertado a Alemanha para esta possibilidade, de ataques russos aos gasodutos, há uma semana.
CIA warned Germany weeks ago of coming attack on natural gas pipelines Nord Stream I & II (from Russia to Germany), reports Der Spiegel.
Russia could have pulled off such an attack but “It is difficult to see whether Russia or Ukraine could have an interest in such an incident” pic.twitter.com/7jZWvYdhgI
— Michael Shellenberger (@shellenberger) September 27, 2022