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A Neveiros completa 72 anos no próximo mês, apresenta sabores novos todas as semanas e vai organizar visitas guiadas à zona de produção
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A Neveiros completa 72 anos no próximo mês, apresenta sabores novos todas as semanas e vai organizar visitas guiadas à zona de produção

(Rui Oliveira/Observador)

A Neveiros completa 72 anos no próximo mês, apresenta sabores novos todas as semanas e vai organizar visitas guiadas à zona de produção

(Rui Oliveira/Observador)

Gelataria Neveiros. Da venda ambulante nas praias aos desejos de uma grávida

A gelataria mais antiga do Porto celebra 72 anos e nasceu pela mão de uma lisboeta. O negócio ganhou uma nova morada e mudou a sua imagem, mas as receitas continuam intactas e há novidades a caminho.

Tudo começou em 1950 quando Alda Freiria trocou a vila de Cascais pela cidade do Porto depois de se divorciar. Pela mão trazia um filho pequeno e na memória alguns conhecimentos na produção de gelados, isto numa altura em que a Europa estava a sair da II Guerra Mundial, os bens essenciais eram escassos e o consumo de gelados estava apenas reservado aos mais abastados.

Empreendedora e destemida, Alda começou por abrir um negócio próprio na rua Carlos Malheiro Dias, mas pouco tempo depois mudou-se para a rua da Alegria, vendendo caixas de gelado ao postigo num portão verde de uma garagem. “No inverno, quando a venda de gelados diminuía substancialmente, explorava a hospedaria que existia em cima da garagem, era lá que vivia com o filho”, conta ao Observador Telma Reis, atual gestora operacional da Neveiros, acrescentando que o nome da marca, registado em 1951, está associado às pessoas que apanhavam a neve nas ruas.

Percebendo rapidamente a necessidade de ir ao encontro dos clientes, Alda Freiria apostou na revenda de gelados em algumas casas famosas na cidade, como a confeitaria Cunha ou o restaurante Gambamar, mas também na venda ambulante, adquirindo um pequeno carro de chapa, onde no interior levava salmoura para conservar os gelados, percorrendo durante o verão as praias de Leça da Palmeira, em Matosinhos, e marcando presença em corridas de cavalos em Vila do Conde.

“Muitos clientes contam que os primeiros sabores foram o morango, a baunilha, o chocolate e o caramelo, sendo que nos dias de festa ela fazia gelado de framboesa, mas quando não havia eram os próprios clientes que levavam a fruta para que pudesse transformar em gelado.” A relação afetiva dos portuenses com a Neveiros foi crescendo até que nos anos 80 a fundadora vende a marca a Maria Adelina Guedes, que se encarregou de tornar o negócio mais profissional, aumentando a área de produção. A gelataria ocupou durante vários anos o número 9 da rua Morgado Mateus num espaço maior, mas em 2012 regressou à rua da Alegria e um ano depois, em 2013, abre portas de um segundo espaço no Mercado do Bom Sucesso, na zona da Boavista.

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O carrinho de chapa onde a fundadora vendia gelados nas praias e nas corridas de cavalos permanece na loja, algumas réplicas são alugadas para eventos

(Rui Oliveira/Observador)

Conhecida essencialmente pelos gelados e sorvetes de fruta fresca, confecionados de forma artesanal, a marca portuense dava também nas vistas pelos bolos gelados feitos por camadas, receitas que permanecem intocáveis até hoje. Em 2019, a Neveiros foi adquirida por uma sociedade de investidores ligada à área alimentar, fazendo chegar o produto a restaurantes de hotéis, respondendo aos pedidos personalizados de chefs e aumentado gradualmente a oferta na loja, já que às tradicionais waffles e crepes juntaram-se também as cookies de gelado, os picolés e os sacolés.

“Conseguir que a massa da bolacha ficasse macia o suficiente para que quando fosse mordida viesse junto com um gelado foi um processo longo e difícil. O mais engraçado é que foram os alunos da escola Aurélia de Sousa, vizinha da gelataria, as nossas cobaias”, partilha Telma Reis, recordando a necessidade de lançar produtos para serem consumidos em casa e não se tornarem tão sazonais.

O desafio de espremer tangerinas, o caramelo feito no tacho e uma receita com 30 gemas de ovos

Apesar de serem feitos entre 50 a 60 litros de gelado por dia, a zona de produção da Neveiros conta apenas com duas pessoas a trabalhar. O barulho das máquinas a funcionar confunde-se com o som das facas a bater nas tábuas de cortar e em cima dos balcões de inox há caixas com vários quilos de fruta nacional, entre ameixas, melancias, maracujás, laranjas ou limas. “O primeiro passo é arranjar a fruta, retirar o sumo, no caso dos citrinos, ou triturar as polpas. Depois o preparado é colocado num recipiente com medidores, onde depois se adiciona o açúcar e a água, no caso dos sorvetes, ou, no caso dos gelados, o leite gordo ou as natas batidas”, explica a chef pasteleira Catarina Vieira.

Na receita da gelataria são poucos os segredos, a qualidade e a variedade da fruta parece explicar o sucesso da marca, que ainda faz questão de usar produtos nacionais

(Rui Oliveira/Observador)

Após esta mistura, o líquido é introduzido lentamente numa máquina com mais de 30 anos de vida e em poucos minutos sai diretamente para uma cuvete com capacidade para cinco litros uma textura cremosa, passando diretamente para um abatedor de temperatura, uma máquina que provoca um choque térmico ao preparado, fazendo com que em 10 minutos fique gelado, mais precisamente a 19 graus negativos, sem granizar. “Para isso, temos de bater a cuvete na mesa antes de colocar nesta máquina para que não se criem bolhas de ar e possíveis pontos de criação de gelo”, sublinha a chef, acrescentando que para os picolés e sacolés o preparado é congelado não em cuvetes, mas em formas de metal específicas, mantendo a receita tradicional da casa.

Cinco quilos de morangos é o suficiente para fazer 30 litros de gelado, já os bolos por camadas são confecionados gradualmente durante cerca de seis horas. “Normalmente temos uma base de pão de ló ou de brownie de chocolate, várias camadas de gelados de diferentes sabores, intercalados com chantilly e, por fim, uma cobertura fina de chocolate 70% de cacau.” À exceção dos cones de bolacha, tudo o resto é feito dentro de portas, incluindo as cookies de gelado, vendidas em formato grande ou em miniatura, com direito a vários recheios e coberturas.

No menu da gelataria não há sabores de gelados descriminados, pois todos os dias a oferta se renova e é capaz de surpreender. “Costumamos dizer que isto é quase como produzir vinho, pela qualidade da fruta conseguimos prever o produto final e como fazemos tudo de raiz, podemos controlar todo o processo. Além disso, não trabalhamos com preparados já feitos, sabores artificiais, pastas ou corantes, o único conservante que utilizamos é o açúcar. Temos um gelado tosco, pouco homogéneo, onde podemos sentir mesmo a textura da fruta e a sua frescura”, destaca Telma Reis, gestora da marca, acrescentando que os sabores clássicos como morango, chocolate e limão não podem faltar na montra durante todo o ano.

Não granizar, não descongelar, não formar bolhas de ar e criação de gelo são algumas preocupações da chef pasteleira Catarina Vieira na hora de fazer gelados e sorvetes

(Rui Oliveira/Observador)

Se a receita do gelado de baunilha leva 30 gemas de ovos — as claras são reaproveitadas para darem consistência a outros preparados –, o gelado de tangerina é o que dá mais trabalho, uma vez que “espremer este fruto é uma tarefa hercúlea”, já o ponto do caramelo é feito ainda no tacho “à moda antiga” e o resultado pode ser sempre diferente. “Quando o ponto do caramelo é mais alto tem um tom mais escuro e um travo de pudim, se for mais baixo fica mais claro e com um sabor de doce de leite. Temos clientes que preferem mais queimado e outros menos, mas é engraçado perceberem que tudo é feito de raiz.”

Os gelados da Neveiros têm uma validade de 60 dias e creme de ovos, gengibre e limão, coco e malagueta, limão e hortelã, ananás e manjericão ou natas com bacon desidratado, caramelizado e triturado são algumas combinações improváveis que a gelataria faz questão de apresentar regularmente. “Muitas vezes não identificamos os ingredientes, dizemos apenas que é o sabor da semana e quem adivinhar ganha uma bola.”

Visitas guiadas, provas cegas e um mural com os clientes da casa

Em junho a Neveiros inaugurou uma nova morada na rua Formosa, a um passo do Mercado do Bolhão, onde antigamente funcionou uma chapelaria, uma confeitaria e uma loja de roupa espanhola. Modernizou a sua imagem, usou algumas prateleiras para expor objetos antigos, como colheres de sorvete ou formas de bolos, e manteve a montra recheada de gelados coloridos e o carro que a fundadora usava na venda ambulante estacionando na entrada.

Além de bolas em copo ou cone, a Neveiros continua a vender bolos gelados em camadas, cookies recheadas de gelados e sabores originais e arrojados com bacon, especiarias ou vinho do Porto

(Rui Oliveira/Observador)

O espaço tem um piso superior para que os produtos da casa sejam saboreados com tempo e junto às escadas está um mural de fotografias com alguns dos clientes mais fiéis, do casal que em tempos quis comprar a marca à mulher que durante a gravidez ia à gelataria todos os dias pedir três bolas com os mesmos sabores. “Só percebemos que ela já tinha tido o bebé quando passou a vir o marido buscar caixas de gelado para casa. Temos famílias em que a terceira geração já frequenta a Neveiros e pessoas cujo bolo de aniversário vem sempre daqui.”

Em agosto a gelataria completa 72 anos de vida e vai aproveitar a ocasião para lançar visitas guiadas à zona de produção para grupos e escolas, provas cegas para que os clientes possam testar novos sabores e ainda colaborações com chefs de cozinha para criarem sobremesas com gelado. “Em breve vamos também restaurar a nossa fachada e num futuro próximo não pretendemos abrir noutras cidades, a qualidade tem de estar sempre garantida.”

Rua Formosa, 285 (Porto). Segunda a sábado, das 12h30 às 19h. Mercado do Bom Sucesso (Boavista). Domingo a quinta, das 11h às 23h; sexta e sábado, das 11h às 24h. Tel.: 93 708 5980.

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