O Ministério da Saúde vai voltar a assumir o ‘poder’ de nomear os membros dos órgãos de gestão dos hospitais e centros de saúde. Esta é, ao que o Observador apurou, uma das alterações que o governo deverá fazer às competências da Direção Executiva do SNS, entidade que deverá ficar apenas com funções organizativas e operacionais.
A competência de nomear os gestores das unidades de saúde, que sempre pertenceu à tutela, tinha passado para a esfera da Direção Executiva em julho do ano passado, por decisão do ministro Manuel Pizarro. Nos últimos 10 meses, aquele organismo liderado por Fernando Araújo já procedeu à nomeação de dezenas de presidentes e vogais de conselhos de administração de hospitais, centros hospitalares e Unidades Locais de Saúde (estruturas que agregam unidades hospitalares e centros de saúde).
À espera do relatório de Araújo, governo mantém silêncio sobre mudanças na DE-SNS
Nas próximas semanas, logo depois de o novo governo proceder à reformulação da DE-SNS, essa competência deixará de estar na esfera da Direção Executiva, apurou o Observador junto de uma fonte conhecedora do processo. Uma alteração que os administradores hospitalares veem como “natural”. “É possível que seja uma das competências que o Ministério da Saúde vá recuperar para a sua esfera”, diz Xavier Barreto, presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares (APAH).
Para o ex-ministro da Saúde Adalberto Campos Fernandes, o regresso da competência de nomeação dos gestores é o “que faz sentido”. “O Ministério da Saúde tem legitimidade política e democrática para escolher dirigentes que vão gerir centenas de milhões do erário público — há hospitais que gerem 900 milhões/ano”, diz o também gestor hospitalar e que já presidiu ao Centro Hospitalar e Universitário de Lisboa Norte (estrutura já extinta e que integrava o Hospital de Santa Maria). “Imagine o que é conferir estes poderes não a Fernando Araújo mas a uma pessoa qualquer”, sublinha.
Questionado pelo Observador sobre que competências serão retiradas à Direção Executiva, o Ministério da Saúde não adianta quaisquer detalhes e realça apenas que “o assunto está a ser analisado”. O Observador sabe que a nova equipa governativa vai esperar pela entrega do relatório solicitado à Direção Executiva — que deverá conter, a pedido de Ana Paula Martins, informação sobre “a reorganização das atribuições das diversas instituições do Sistema de Saúde”, ou seja, sobre que competências foram mesmo transferidas para outros organismos e como estão, atualmente, distribuídos os ‘poderes’ — para tomar uma decisão sobre reformulação das competências do sistema de saúde, equilibrando os ‘poderes’ entre os diferentes organismos.
Recorde-se que, há uma semana, uma fonte da Direção Executiva revelou à Lusa que a entidade pretende entregar o relatório à tutela até final de maio.
Planos de orçamento dos hospitais devem voltar ao escrutínio do Ministério da Saúde
Para além da nomeação dos gestores das unidades de saúde, há outras competências que a tutela deverá reassumir nas próximas semanas. Uma delas será a da definição de prioridades e aprovação dos planos de atividades e orçamentos dos hospitais, instrumentos que os gestores consideram essenciais para aumentar a autonomia das unidades de saúde. Tal como aconteceu no ano passado, por esta altura nenhum hospital viu ainda aprovado o plano para 2024, confirma ao Observador o presidente da APAH.
“Todas as decisões de investimento e contratação têm de ser submetidas e isso cria uma enorme preocupação aos hospitais“, critica Xavier Barreto, admitindo que esta competência possa voltar à esfera do Ministério da Saúde. No entanto, deixa um alerta. “O mais importante — mais do que saber se é a tutela ou a Direção Executiva [a ficar com a competência] é retirar o Ministério das Finanças da equação; quem deve avaliar um plano de um hospital e as opões estratégicas, de investimento e as contratações é a saúde”, sublinha.
Para Adalberto Campos Fernandes, o governo deve ficar com gestão estratégica do sistema, o que inclui a gestão dos recursos financeiros, e a Direção Executiva com a parte operacional. “A gestão financeira é uma coisa séria, que tem de ter responsabilidade política”, defende o ex-ministro socialista, que considera que “os ministros não podem demitir-se das suas responsabilidades nesta área, e passarem-nas para um qualquer organismo técnico-administrativo”.
Caberá à tutela, defende, supervisionar a execução operacional da Direção Executiva e “verificar se existem desvios, se as coisas estão a correr bem e se precisa de intervir”. Já a “DE-SNS pode ser útil num quadro de coordenação, de dinamização da atividade, de articulação entre as diferentes entidades do SNS”, acrescenta.
Outra competência que deverá ser reassumida pelo Ministério da Saúde é o acompanhamento, elaboração e execução do orçamento do SNS.
DE-SNS deverá ficar com competências de operacionais. Estratégia volta ao governo
Na Direção Executiva do SNS deverão ficar competências de cariz operacional como a criação e revisão das redes de referenciação hospitalar e redes de urgências e a organização das redes de cuidados continuados e paliativos.
Uma das entidades mais ‘esvaziadas’ pela transferência de competências para a Direção Executiva do SNS, levada a cabo pelo anterior governo, é a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS). Um dos objetivos da nova tutela será o de voltar a repor na esfera da ACSS algumas funções que sempre pertenceram ao organismo, como a afetação, o planeamento, a gestão e a administração de recursos humanos, a contratação de unidades privadas com vista à prestação de cuidados de saúde ou a qualificação e valorização profissional dos recursos humanos do SNS.
“A Direção Executiva não pode ser uma ACSS número dois. Andamos há anos a falar de descentralização de e autonomia das instituições e depois criamos uma estrutura que repete os constrangimentos centralistas”, critica Adalberto Campos Fernandes.
DGS “bateu no fundo”. Perdeu competências, profissionais e, agora, a liderança, acusam médicos
Para a DGS, entidade que se viu também esvaziada de competências (uma situação criticada pelos médicos de saúde pública e sindicatos), deverão voltar funções como propor e monitorizar a implementação de projetos de boas práticas de promoção de estilos de vida saudáveis e elaborar e promover programas de promoção da literacia em saúde.
“Há o princípio [neste novo governo] de eliminar todos os conflitos de competências que existem entre as várias entidades e órgãos“, acredita Adalberto Campos Fernandes, que considera “racional” aproveitar também a demissão de Fernando Araújo — e a consequente substituição da equipa de gestão da DE-SNS — para “aproximar das Unidades Locais de Saúde o maior número de possível de competências”.
O ex-ministro considera que, no futuro, a contratação de recursos humanos até pode ser transferida para o patamar local, ou seja, para as ULS. “A contratação de um enfermeiro ou de um médico, desde que esteja enquadrada num orçamento aprovado pela tutela, pode ser transferida para um nível local”, defende.