Viviam-se os tempos do grunge. Cantava-se “Smells Like Teen Spirit” e chorava-se a morte de Kurt Cobain. O ator Ewan McGregor estava prestes a transformar-se em Mark Renton e a correr ao som de “Lust For Life”, de Iggy Pop, no filme “Trainspotting”. As camisas de flanela, as jeans rasgadas e outros acessórios do punk emergiam como tendência, deixando de pertencer exclusivamente à cultura do underground.
Em 1994, uma Kate Moss de 20 anos conhecia um Johnny Depp de 31. Ela já era um nome bem conhecido nos corredores da moda, popularizada pela campanha de roupa interior da Calvin Klein, em que surge junto a um jovem Mark Wahlberg. Estava em marcha a revolução por ela, sem querer, encabeçada e que viria a romper com a imagem clássica das supermodelos altas, curvilíneas e de aspeto depurado daquela altura — como Cindy Crawford, Claudia Schiffer ou Naomi Campbell. Ele já era uma estrela do cinema: já se havia estreado no filme “Eduardo Mãos de Tesoura”, do realizador Tim Burton, e em “Gilbert Grape”, ao lado de um novíssimo Leonardo DiCaprio. Era também coproprietário do The Viper Room, clube noturno badalado de Hollywood, aquele em que, no ano anterior, em 1993, havia morrido o ator River Phoenix.
Em fevereiro de 1994 conheceram-se. Foram apresentados por George Wayne, colunista de celebridades para a revista Vanity Fair, no Cafe Tabac, no East Village, em Nova Iorque. “Agarrei na mão dela e imediatamente levei-a à mesa do Johnny no meio do restaurante. ‘Johnny, esta é a Kate. Kate, este é o Johnny. Quando fiz isto, não esperava que eles fossem destruir quartos de hotel à volta do globo”, recorda o jornalista numa publicação partilhada no Instagram esta terça-feira, 24 de maio, véspera em que, depois de muita especulação, Moss testemunhou no 22.º dia do julgamento que opõe Johnny Depp e Amber Heard.
Maureen Callahan, jornalista, autora de “Champagne Supernova” — livro cujo título é uma alusão ao tema da banda britânica “Oasis” e que fala sobre como três grandes figuras mudaram o mercado da moda (Kate Moss, Mark Jacobs e Alexander McQueen) — recorda o dia em que o casal se conheceu: “Beberam um copo, consumiram cocaína e depois foram para o quarto de hotel, onde ficaram fechados no dia seguinte, enquanto caía uma tempestade de neve.”
Moss não teve dúvidas: ”Soube a partir daquele momento que íamos ficar juntos. Sentámo-nos e conversámos sobre parvoíces e, a partir daquele momento, não nos quisemos separar”, relata.
“Foi tão bom para nós que o Johnny tivesse sido detido no nosso hotel”
Foram quatro anos de uma relação intensa. Um cocktail onde a paixão, o estilo e os excessos se misturavam — quase como que a personificação da tendência “Heroin Chic”, lançada pela tal campanha da Calvin Klein, de onde vieram as roupas escuras, olhos esborratados, corpos magros, cabelos desgrenhados, numa quase glamorização do abuso de substâncias A história de Johnny e Kate conta-se com muitas histórias e polémicas. Iam a festas, bebiam, consumiam drogas.
Eram também conhecidos por destruírem hotéis de luxo. A setembro de 1994, por exemplo, a polícia foi chamada ao The Mark Hotel, no Upper East Side, em Nova Iorque, onde encontraram Moss, junto de um Depp “possivelmente intoxicado”, cita o “New York Post”. O ator tinha destruído a suite presidencial, depois de uma alegada discussão — afirmando, no entanto, que os desacatos ocorreram porque havia um tatu escondido no armário. O animal nunca foi encontrado pelas autoridades — e, mais tarde, Depp viria a dizer que, afinal, se tratava de uma barata.
Recusando-se a sair do hotel, o ator americano foi detido, mas nunca chegou a ser acusado. Ao hotel, teve de pagar uma indemnização de dois mil dólares (cerca de 1700 euros) em estragos. Anos depois, Depp relatou que o seu assessor se havia cruzado com o proprietário do The Mark Hotel. “Ele disse: ‘Foi tão bom para nós que o Johnny tivesse sido detido no nosso hotel. Não imaginas o impacto que teve no negócio’”.
Mas também Moss foi responsável por alguns estragos. Já no final da relação, quando o casal marcava presença no Festival de Cannes, em 1998, para promover o filme “Delírio em Las Vegas”, em que Depp interpreta o personagem principal, a modelo foi repreendida várias vezes por circular de biquíni pelos corredores do famoso Hotel du Cap-Eden-Roc. Em resposta, terá, alegadamente, destruído a suite em que o casal estava instalado, sendo por esse motivo banida desta unidade de luxo para sempre.
As demonstrações de amor também eram intensas — com episódios que ficariam para sempre na historia das celebridades. Três meses depois de se conhecerem, quando se dirigiam a um jantar no Russian Tea Room, em Nova Iorque, o ator surpreendeu a atriz com um colar de diamantes da Tiffany, famosa loja de joalharia de luxo americana, escondido no corpo. “Só o conhecia há três meses. Pus a mão na parte de trás das calças dele e tirei de lá um colar da Tiffany”, relatou a modelo inglesa a Nick Knight no “Fashion Film: Diamonds”.
Anos depois, após um interregno na relação, o ator despejaria, alegadamente, 26 garrafas de champanhe numa banheira vitoriana, no Portobello Hotel, no bairro londrino de Nothing HilL. Apesar de ser um dos episódios mais marcantes na história do casal, foi negada pelo agente de Kate Moss: “Isso não é o estilo dela.”
“Era difícil lidar comigo, deixei que o meu trabalho interferisse e não lhe dei a atenção de que ela precisava”
A forma como, por detrás das câmaras e manchetes de jornal, o casal se relacionava tem duas versões. “Kate e Johnny eram o casal mais chique e drogado, desde Keith Richards e Anita Pallenberg — o epítemo do cool na cultura do ’Trainspotting’. Mas Kate costumava ficar nervosa com Johnny, com medo do seu humor”, escreveu Maureen Callahan.
Uma fonte próxima da atriz, citada pelo Daily Mail, dá um relato diferente: “Ela estava, de uma forma muito querida, completamente apaixonada por ele. Ela não conseguia parar de pensar no Johnny e em como ele era maravilhoso para ela. Em como ele cuidava dela, a protegia e educava.”
Anos mais tarde, em 2012, a atriz falou à Vanity Fair desta mesma sensação. “Não há ninguém que tenha sido capaz de cuidar de mim. O Johnny cuidou durante algum tempo. Acreditava no que ele dizia… Se eu dissesse ‘O que devo fazer?’, ele dizia-me. E foi disso que senti falta quando me fui embora. Senti mesmo falta de ter alguém em quem possa confiar”, disse “Pesadelo. Anos e anos de choro. Ah, as lágrimas”, acrescentou, numa alusão ao final do namoro, em 1997.
Em 1998, o ator deu uma entrevista sobre o fim da relação: “Tenho de assumir responsabilidade pelo que aconteceu — era difícil lidar comigo, deixei que o meu trabalho interferisse e não dei a atenção de que ela precisava”. No decorrer da relação, o ator esteve no auge da sua carreira, antes de “Piratas das Caraíbas”, tendo rodado “Ed Wood”, “Don Juan DeMarco”, “Donnie Brasco” ou “Delírio em Las Vegas”, alguns dos filmes mais emblemáticos do seu percurso como ator. Ao todo, entre 1994 e 1997, esteve envolvido na rodagem de dez filmes.
Sobre as ausências, Moss lembrou mais tarde: “Ele estava fora muito tempo e eu ia às compras e a almoços de senhoras. Era tão aborrecido. O mais solitário e supérfluo sítio.”
No verão de 1998, Johnny Depp conheceu Vanessa Paradis num hotel em Paris. Apaixonaram-se. Poucos meses depois, a atriz francesa engravidou de Lily Rose, a primeira filha do casal.
Uma fonte, citada pelo “Daily Mail”, relata que a atriz ficou devastada: “Ela sabia que tinha perdido o Johnny de vez quando a Vanessa engravidou. Ela perdeu-o para a paternidade — e daí não há volta.” Pouco depois, a ex-modelo deu entrada na clínica de reabilitação Prior, em Londres.