Está tudo em aberto relativamente à convenção que a Iniciativa Liberal tem marcada para os primeiros três dias de dezembro. A atual crise política nacional obriga o partido a repensar a estratégia, em particular se faz sentido manter a discussão sobre os estatutos quando as prioridades do partido foram recentradas para as legislativas antecipadas. O poder está nas mãos dos conselheiros nacionais, que têm reunião marcada para este domingo, e que vão ponderar os cenários em cima da mesa.
A ordem de trabalhos para o Conselho Nacional da IL que se realiza dia 12 de novembro, em Lisboa, foi alterada após a demissão de António Costa com o acrescento de dois pontos: “Convenção Nacional” e “Debate da situação política nacional”. Perante as modificações, questionada pelo Observador sobre se haverá alterações na reunião magna e se vai ser mantida a discussão da revisão estatutária, fonte oficial do partido revelou que “estes pontos serão discutidos no Conselho Nacional”.
O Observador sabe que em causa está um conjunto de possibilidades que vai ser tido em conta pelos conselheiros. Por um lado, a consciência de que a IL tem de se focar no desafio das eleições legislativas antecipadas e que essa deve ser a prioridade — uma situação que pode levar o partido a colocar mais fichas no caminho do adiamento da discussão dos estatutos.
Por outro lado, a questão do calendário de 2024: com as eleições marcadas para 10 de março, anular a discussão de estatutos iria torná-la praticamente impossível até às eleições europeias. E meses depois haverá ainda eleições nos Açores. Perante o calendário apertado, se os liberais quisessem empurrar a discussão para finais do ano de 2024, esta ficaria praticamente colada à próxima convenção eletiva do partido — Rui Rocha foi eleito em janeiro de 2021 e os liberais têm de ir novamente a votos dois anos depois.
Se a necessidade de mexer nos estatutos da Iniciativa Liberal foi uma consequência direta do crescimento do partido e um dos principais objetivos é a preparação da estrutura para voos maiores, com legislativas à porta também este é um argumento usado por parte de quem não quer que se abandone a discussão, já que a IL ambiciona crescer e será importante o partido estar preparado para essa eventualidade. O Observador sabe que a data das eleições escolhida por Marcelo Rebelo de Sousa pode pesar na argumentação dos conselheiros e membros que pretendem não adiar a revisão estatutária, por estarem crentes de que há tempo suficiente até à ida às urnas, mas também há quem não veja qualquer nexo em ter essa discussão agora.
IL discute novos estatutos em clima de guerra interna e ameaças de deserção
Discutir ou não estatutos no meio de uma crise?
As opiniões dividem-se por haver quem acredite que não faz sentido discutir estatutos quando todos os partidos estão focados na pré-campanha ou em lutas internas para a escolha do candidato a primeiro-ministro, como é o caso do PS. Mais do que isso, também a tese de que uma convenção estatutária não tem o mesmo impacto mediático pode pesar nas contas dos conselheiros no momento de tomar uma decisão.
Ao Observador, fonte oficial da IL realça que “o panorama político no país alterou-se subitamente e significativamente”, deixando claro que o partido está “preparado e totalmente focado nas eleições que se avizinham, um momento crucial para definir em que país queremos viver”.
Contactados pelo Observador, dois dos protagonistas da proposta “Estatutos +Liberais” não têm exatamente a mesma postura. Tiago Mayan Gonçalves assegura estar pronto “para ser agora ou mais tarde”, mas reconhece que as legislativas em março podem tornar o debate possível em dezembro: “Já achei que [devia ser adiada], mas com eleições em 10 de março o timing acaba por não estar tão apertado quanto julguei anteriormente.”
José Cardoso, ex-candidato a presidente da IL, acredita que não há qualquer justificação para não haver a discussão ainda este ano. “Obviamente” não está de acordo com o adiamento, refere ao Observador, argumentando que com eleições daqui a quatro meses “será uma fraude perante os membros”. O ex-conselheiro compara com outros casos para dar força à crença, sublinhando que “o PS até disputa a liderança” e que o PSD também vai discutir estatutos.
A verdade é que, apesar de serem duas das caras dos “Estatutos +Liberais”, a decisão vai ser tomada noutro fórum, pelos conselheiros nacionais, que poderão apresentar propostas para os vários cenários: o adiamento, a mudança de formato ou até o manter da revisão para dezembro. No final do dia, a maioria do Conselho Nacional pertence à corrente da liderança da IL, pelo que a decisão será tomada com base no que Rui Rocha e o seu núcleo duro consideram melhor para esta fase.
Cotrim Figueiredo fica em standby?
O Conselho Nacional tem ainda na ordem de trabalhos um ponto sobre as eleições europeias que, no atual contexto, perde importância. Num dos documentos fornecidos aos conselheiros, a que o Observador teve acesso, a Comissão Executiva revelou que iria propor João Cotrim Figueiredo como o cabeça de lista da IL às eleições para o Parlamento Europeu para que o Conselho Nacional se pronunciasse.
Este, que era o tema do momento, passou para um plano secundário, pelo que também agora deverá haver uma decisão dos conselheiros sobre o timing para oficialização do nome, nomeadamente se deve ser atirado para mais tarde ou se, até por ser um segredo mal escondido, deve ser um assunto arrumado de vez.
Neste momento, também o plano que a IL tinha traçado precisa de ser repensado até porque, se o calendário normal fosse cumprido, Rui Rocha teria de ir a eleições internas antes de ser candidato a primeiro-ministro — e a demissão de António Costa ditou essa mudança. Num partido em que ainda estão abertas as feridas de uma luta interna pela liderança que já foi há quase um ano, a IL estava a tentar arrumar-se internamente e, de um dia para o outro, tem de escolher nomes para listas de deputados e preparar um programa eleitoral em poucos meses.
As contas (fáceis) da IL para as europeias: se partido quiser, Cotrim Figueiredo é candidato