Uma reunião “desconcertante”, com dados “contraditórios” e pouca informação sobre os efeitos que o desconfinamento, que arrancou há apenas uma semana, está a trazer ao país. Apesar de o Governo se ter mostrado otimista, do lado de vários partidos foi esta a sensação que ficou, esta terça-feira, de mais um encontro no Infarmed, que contou com as várias figuras políticas de topo de poucas palavras ou mesmo em silêncio. À porta fechada, sem intervenções de António Costa e um elogio curto de Marcelo Rebelo de Sousa aos especialistas, coube a Ferro Rodrigues colocar questões sobre reinfeções e testagem.

Com os resultados de uns escassos oito dias de desconfinamento nas mãos, os especialistas não tiraram grandes conclusões sobre os efeitos da reabertura “a conta-gotas”, como o Governo lhe chamou, do país. Ainda assim, registaram-se indicadores positivos a nível global: um índice de transmissibilidade (ou Rt) abaixo de 1, com 0,89, e uma taxa de incidência de 79 casos por 100 mil habitantes, além de uma previsão de que nos próximos dias um milhão de portugueses já terá recebido as duas tomas da vacina. Para António Costa, que, conforme o Observador apurou junto de várias fontes presentes na reunião, não interveio no Infarmed mas reagiu depois numa visita ao liceu Camões, em Lisboa, foi a prova de que “estamos no bom caminho, as coisas estão a correr bem”. Os números e as apresentações dos especialistas, garantiu, comprovam-no.

Mas a realidade, indicam várias das fontes partidárias, não será assim tão simples. Por um lado, avalia uma delas, com tão poucos dados sobre o efeito prático do desconfinamento, a reunião “desconcertante” pareceu servir sobretudo para “dar conforto” ao Governo, que se assumiu “apostado” em seguir o plano de desconfinamento que definiu há uma semana e meia.

Por outro lado, as mesmas fontes apontam o facto de o Rt estar a subir e de os especialistas preverem que assim continue (Baltazar Nunes, do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, assegurou que é de esperar que o Rt ultrapasse o 1 em breve). Para mais, a taxa de incidência, tendo descido para 79 casos por 100 mil habitantes, é ainda assim superior à meta que os especialistas tinham fixado no último encontro, de 60 por 100 mil (e até ao fim do mês, adiantaram os especialistas, não deve mesmo ser atingida). E a estirpe britânica, presente já em 80% dos casos em Portugal e com tendência a aumentar para 90% nas próximas semanas, também faz soar alarmes.

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Testes, vacinas e Rt preocupam

Com a ministra da Saúde a lembrar, no encerramento do encontro, que o Rt não é o único fator a ter em conta e António Costa a sublinhar, no liceu Camões, que é preciso garantir que “o aumento do risco da transmissão não significa um aumento da pandemia”, as fontes mais céticas saíram da reunião preocupadas com uma possível “desvalorização” do índice de transmissibilidade, apontando para um quadro menos cor de rosa como resultado dessa subida do Rt.

Cá fora, os alertas foram vários, muito concentrados nas questões da testagem e da vacinação — sendo que, sobre esta questão, a reunião trouxe uma novidade: André Peralta Santos, da Direção-Geral da Saúde, lembrou o peso das hospitalizações de pessoas na faixa etária dos 40 aos 60 anos, em janeiro, e defendeu que essas deveriam passar a ser prioritárias na vacinação para prevenir uma sobrecarga do sistema de saúde.

Com o Bloco de Esquerda a exigir uma testagem em níveis máximos e a apontar para um incumprimento das metas da vacinação, o PSD a pedir “muitas cautelas” ou o CDS a criticar as hesitações quanto à vacina da AstraZeneca, o otimismo surgiu praticamente apenas da parte do PCP, que olhou para os dados positivos e criticou as “opiniões” que surgem para “dificultar o desconfinamento”. O PS também fez um balanço positivo dos dados, mas deixou avisos claros: se os portugueses não forem “firmes”, no desconfinamento em geral e na Páscoa em particular, “a situação inverter-se”.

Ferro perguntou, Costa e Marcelo não

Lá dentro, os partidos foram menos palavrosos: de acordo com as informações apuradas pelo Observador, só PAN, Iniciativa Liberal e Ferro Rodrigues colocaram questões aos especialistas. Ferro quis saber, por um lado, se há casos conhecidos de reinfeção (haverá um, acompanhado no hospital de São João, no Porto) e de infeção após a toma das duas doses da vacina (o especialista Henrique Barros, do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, esclareceu que conhece dois casos, mas que estão a ser investigados e poderão ser casos de infeção ainda anterior à toma da vacina).

A segunda figura do Estado quis saber também porque é que o “esforço de testagem” de Portugal ainda não se reflete nas estatísticas, tendo os peritos explicado que essa contagem ainda não terá sido atualizada, tendo Portugal efetivamente aumentado a testagem nos últimos dias e invertido a tendência de queda.

Do lado de Marcelo Rebelo de Sousa, que na última reunião, numa altura em que tinha dúvidas sobre os planos do Governo para desconfinar, não tinha intervindo de todo, houve apenas uma participação para elogiar os especialistas e a “estabilidade” das intervenções e das análises dos peritos. Já Costa e Temido guardaram as reações para fora de portas.

Artigo atualizado às 18h38 com informação apurada junto de fontes presentes na reunião.