Dois doentes internados há vários dias no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, estão infetados com o novo coronavírus, depois de terem sido erradamente diagnosticados com uma pneumonia não relacionada com Covid-19. Os doentes internados que estiveram nas mesmas unidades que estes dois pacientes já foram testados e não estão infetados. Além disto, foi criada uma equipa especificamente para acompanhar os pacientes que tiveram alta das enfermarias onde estiveram os dois casos positivos.
A descoberta, porém, obrigou o hospital a suspender os internamentos em três enfermarias, a procurar outros possíveis infetados e a tomar medidas de prevenção, como a interrupção da transferência de doentes.
Segundo uma circular enviada esta quarta-feira aos funcionários do Centro Hospitalar Lisboa Norte — que inclui os hospitais de Santa Maria e Pulido Valente —, a que o Observador teve acesso, um dos doentes em causa esteve internado na enfermaria 1-B do serviço de Medicina Interna e o outro esteve na 2-B, tendo passado também pela enfermaria 2-C. Não especifica, contudo, quanto tempo lá estiveram. Ao que o Observador apurou, um está internado há uma semana e outro desde o fim de semana passado.
Estes casos positivos foram “de imediato” transferidos para a Unidade de Isolamento Respiratório, refere o documento, mas resta saber com quantos doentes e profissionais de saúde contactaram até ter sido confirmada a infeção.
Doentes que estiveram nas enfermarias e que tiveram alta estão sob vigilância ativa
Foi uma mudança na definição de caso suspeito do novo coronavírus que fez com que fossem testados estes dois doentes, que tinham um diagnóstico de pneumonia. Com esta alteração, que ocorreu no dia 9 de março por parte da Direção-Geral de Saúde (DGS), passou a ser considerado caso suspeito um doente com uma infeção respiratória grave, que implique uma hospitalização e cuja origem não esteja identificada — além daqueles que tenham estado numa das áreas de risco ou que tenham tido contacto com casos suspeitos ou confirmados, lê-se numa das mais recentes orientações da DGS.
Mas mesmo quando surgiram algumas suspeitas relativamente a estes doentes, demorou algum tempo até haver autorização para realizar os testes de diagnóstico a chegar a confirmação de infeção, adiantou uma fonte ao Observador.
Devido a estes casos positivos, o Centro Hospitalar e Universitário Lisboa Norte (CHULN) decidiu suspender os internamentos para as enfermarias onde estiveram estes dois pacientes e cancelar as visitas aos pacientes que estejam internados nestas unidades.
O centro hospitalar determinou ainda a identificação não só “dos doentes que tenham sido transferidos” para outras unidades do centro hospitalar, como daqueles que tiveram alta desde que foram admitidos as pessoas infetadas. Aliás, o Observador tem a indicação de que foi feito um rastreio exaustivo de doentes e de que, além de terem sido testados todos os doentes que ainda estão internados — e todos deram negativo —, o CHULN criou uma equipa clínica específica para acompanhar os doentes que entretanto tiveram alta: está a ser feita uma vigilância ativa, com dois telefonemas por dia, para confirmar ou não o aparecimento de sintomas ligados ao novo coronavírus. Ao que o Observador apurou, apenas um doente terá sido transferido e também ele teve resultados negativos.
Também estão a ser identificados os profissionais que tiveram contacto com os infetados. Neste caso, abordagem é feita em três grupos: profissionais com sintomas, profissionais assintomáticos de risco e restantes profissionais sem sintomas, refere a circular.
E por profissionais assintomáticos de risco entenda-se os que tiveram contacto com doentes infetados durante mais de 15 minutos e a menos de dois metros ou os que tiveram em contacto com “líquido biológico ou com disseminação de aerossóis (por exemplo, ventilação não-invasiva) de um doente positivo” ou ainda os que tiveram um “contacto face-a-face desprotegido” com um infetado.
De acordo com a circular, todos os profissionais sintomáticos e os que não têm sintomas, mas que são de risco, serão submetidos a um teste de diagnóstico. Aqueles que derem positivo, serão submetidos a quarentena e a situação será tratada como um caso positivo. Se for negativo, no caso dos que têm sintomas, será feita uma avaliação caso a caso e se se considerar a possibilidade de continuar a exercer, os profissionais devem ter máscara e deve ser feita uma vigilância ativa durante 14 dias.
Os profissionais assintomáticos de risco cujo teste for negativo devem continuar a “atividade profissional regular com máscara e vigilância ativa durante 14 dias”. No caso dos profissionais que não tenham sintomas e não têm critérios de risco, devem manter a atividade profissional com máscara e fazer uma vigilância ativa durante 14 dias.
Ou seja, tirando os profissionais cujos testes sejam positivos, não há nenhuma obrigatoriedade de isolamento. Aqueles que quiserem ou tiverem de trabalhar, terão de o fazer de máscara e a controlar o eventual aparecimento de sintomas nas próximas duas semanas.
Algo que a Federação Nacional dos Médicos (FNAM) considera “inaceitável”. À TSF, Guida da Ponte, da FNAM, disse que esta decisão põe “os profissionais de saúde em risco e a população em geral em risco”.
Profissionais estão mesmo a ser testados?
As informações obtidas pelo Observador através de várias fontes relativamente aos testes que estão (ou não) a ser realizados aos profissionais de saúde são díspares.
Alexandre Valentim Lourenço, Presidente do Conselho Regional Sul da Ordem dos Médicos, garantiu ao Observador que todos os profissionais de saúde que estiveram em contacto com os doentes infetados estão a ser testados. Aliás, uma fonte contactada pelo Observador adiantou que houve profissionais em isolamento esta manhã a aguardar o resultado dos testes e garantiu que, até ao momento, todos os profissionais testados tiveram resultado negativo.
Contudo, uma fonte hospitalar dá uma visão oposta e diz que não foram testados quatros profissionais de saúde — um médico, dois enfermeiros e um assistente operacional — que tiveram contacto direto com pelo menos um dos doentes infetados.
Estes profissionais, que estiveram a trabalhar das 22h30 de terça-feira às 8h30 de quarta-feira numa das enfermarias, foram convidados a ficar depois do final do turno, porque tinham sido detetados casos positivos naquela unidade. Aliás, um dos doentes terá mesmo estado no corredor.
Contudo, não foram submetidos a testes de diagnóstico. A justificação? Que o hospital tinha apenas 500 kits de testes e, uma vez que a urgência do Santa Maria recebe entre 500 a 800 pessoas por dia, a prioridade são os doentes — além de que nenhum dos profissionais apresentava sintomas. A mesma fonte adiantou ainda que havia o receio de que o laboratório não conseguisse dar resposta a tantos pedidos de testes.
A estes profissionais foi dito que poderiam por ir para casa, mas não lhes foi dada qualquer indicação: se deviam ou não ficar em isolamento e se podiam ou não continuar a trabalhar. A mesma fonte indicou ainda que uma assistente operacional apresentava sintomas graves e foi encaminhada para o hospital de campanha.
Contactado pelo Observador, o Centro Hospitalar não quis fazer comentários relativamente aos dois casos confirmados de coronavírus esta quarta-feira no Hospital de Santa Maria, remetendo esclarecimentos adicionais para a DGS.
Cirurgias programadas não urgentes devem ser revistas
De acordo com a circular, o CHULN decidiu que devem ser recusadas as transferências de doentes de outros hospitais, a não ser que não haja mais nenhuma alternativa no Serviço Nacional de Saúde.
Apesar de se manterem “genericamente” as consultas externas — sendo que, se possível, devem realizar-se consultas não presenciais, quando não não for necessário observar o doente —, deverá ser feita uma revisão das cirurgias programadas não urgentes, sendo que se deve optar por aquelas que não impliquem que o doente tenha de estar nos cuidados intensivos após a intervenção: “Deverá ser revista a programação cirúrgica para casos eletivos não-urgentes, optando-se por situações que previsivelmente não careçam de cuidados intensivos no pós-operatório.”
Deve-se ainda pedir aos doentes de ambulatório (que não precisem de ser internados) que reduzam os acompanhantes para o mínimo — para um ou nenhum —, além de que não deve ser pedidos aos pacientes que vão até ao centro hospitalar para obterem uma receita — deverá ser fornecida eletronicamente.
“Estas e outras orientações poderão ser objeto de revisão/atualização a todo o momento, de acordo com a evolução da situação e das orientações das Autoridades de Saúde”, conclui o documento.
Estudantes de medicina que tiveram contacto com doente infetado não serão testados
Entre 25 a 30 estudantes de medicina estiveram em contacto com um dos doentes infetados. Segundo o diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, estes alunos já foram identificados e estão em quarentena.
“Desde sexta-feira passada que todas as aulas presenciais foram suspensas, mas um dos doentes foi internado há mais de uma semana e, nesse período, ainda houve aulas práticas e alguns alunos estiveram no espaço em que esse doente estava internado“, afirmou Fausto Pinto à Rádio Observador, sublinhando, contudo, que “o facto de estar em contacto não quer dizer que haja contaminação”. “Como é óbvio há um risco mais elevado”, acrescentou.
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No entanto, de acordo com o diretor, estes alunos não serão testados. Pelo menos para já, tendo em conta as atuais indicações da DGS. Estes alunos estão a fazer “vigilância” para o caso de desenvolverem algum tipo de sintomatologia, mas até ao momento estão assintomáticos. “Se surgir sintomatologia, terão de fazer testes mais rigorosos, mas esta é uma fase de autoavaliação, de autovigilância.”