A tendência da inflação em Portugal é “favorável”: baixar, mesmo que “devagarinho”, sempre é melhor do que subir. Mas os economistas dizem que é demasiado cedo para considerar resolvido o problema da inflação, a partir da análise dos dados divulgados pelo INE e, a nível europeu, pelo Eurostat. Aliás, a inflação que mais preocupa o BCE – a chamada “inflação subjacente” – voltou a subir no mês passado, tornando ainda mais precária a posição daqueles que defendem uma “pausa” na subida dos juros na zona euro.

“O problema [da inflação ainda] está aí”, comentou João César das Neves, professor catedrático da Universidade Católica, esta sexta-feira no programa “Contra Corrente” da Rádio Observador. “Uma vez libertado o ‘monstro’, é sempre muito difícil voltar a pô-lo dentro da jaula”, acrescenta o mesmo economista, minutos depois de o Instituto Nacional de Estatística (INE) ter estimado que a inflação geral em Portugal baixou de 4% para 3,4% – porém, a evolução dos preços excluindo os preços da energia (que estão a corrigir negativamente face aos valores de há um ano) continua num nível superior a 5% (5,2%) e baixou mais devagar do que a inflação geral.

Pedro Braz Teixeira, diretor do departamento de estudos do Fórum para a Competitividade, também destaca o ritmo lento a que a inflação está a baixar, sobretudo a tal “inflação subjacente” que espelha melhor as pressões inflacionistas na economia porque exclui não só os (voláteis) preços da energia mas, também, dos alimentos não-processados. Este indicador baixou de 5,4% em maio para os tais 5,2% em junho: “a este ritmo nunca mais a gente lá chega… A uma ou duas décimas por mês só lá para 2026 é que chegaremos ao objetivo”, ironiza o economista.

O BCE idealiza uma inflação de 2%, no médio prazo, e tem garantido que irá tomar “todas as medidas necessárias” para atingir esse objetivo “de forma atempada”, o que pode implicar subir as taxas de juro mais vezes além da subida que já está pré-anunciada para finais de julho.

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Inflação "subjacente" em Portugal duas vezes e meia o objetivo

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O INE sublinha que “o indicador de inflação subjacente (índice total excluindo produtos alimentares não transformados e energéticos) terá registado uma variação de 5,2% (5,4% no mês precedente)”. Ou seja, o indicador que espelha melhor até que ponto estão generalizadas na economia as pressões inflacionistas está a baixar mais devagar e continua num nível que é superior a duas vezes e meia o objetivo da política monetária na zona euro.

O Índice Harmonizado de Preços no Consumidor (IHPC) português, que serve para comparações europeias, terá registado uma variação homóloga de 4,7% (5,4% no mês precedente).

Os dados definitivos referentes ao IPC do mês de junho de 2023 serão publicados no próximo dia 12 de julho, acrescenta o INE.

Energia corrige rapidamente. Alimentos sobem mas mais devagar

O INE disse esta sexta-feira que “tendo por base a informação já apurada, a taxa de variação homóloga do Índice de Preços no Consumidor (IPC) terá diminuído para 3,4% em junho de 2023, taxa inferior em 0,6 pontos percentuais à observada no mês anterior” – e é o valor mais baixo desde janeiro de 2022. O organismo estatístico acrescentou que “esta desaceleração continua a ser em parte explicada pelo efeito de base, resultante do aumento de preços dos combustíveis verificado em junho de 2022″.

Se no início do surto inflacionista o impulso nos preços vinha dos aumentos de dois dígitos nos preços da energia (incluindo os combustíveis) e dos alimentos, agora está a dar-se o fenómeno inverso: “a variação do índice relativo aos produtos energéticos diminuiu para -18,8% (-15,5% no mês precedente)” na comparação com junho de 2022.

Por outro lado, os preços na alimentação não estão a cair, como os da energia, mas estão a desacelerar, embora a um ritmo lento: “o índice referente aos produtos alimentares não transformados terá desacelerado para 8,5% (8,9% em maio)”, disse o INE, também numa referência à evolução dos preços entre junho de 2022 e junho de 2023.

Inflação desce para 3,4% em junho mas subida dos preços excluindo energia mantém-se acima de 5%

Os economistas do BPI, em nota de análise publicada após os dados do INE, admitem vir a baixar a projeção de inflação para 2023 porque há “sinais favoráveis, que apontam para uma desaceleração mais forte da inflação – esses “sinais”, contudo, ainda “carecem de confirmação”.

Outra boa notícia é que em Portugal a taxa de inflação (harmonizada para comparação na UE) está dois pontos percentuais abaixo da média europeia, salienta Pedro Braz Teixeira. O economista está confiante, também, de que “também não parece haver grandes riscos de inversão, de a inflação voltar a acelerar“, a menos que haja algum desenvolvimento negativo na guerra na Ucrânia, que nunca pode ser descartado.

Dados na Europa reforçam discurso de quem quer ver BCE a subir mais as taxas

As notícias na zona euro não foram tão favoráveis como em Portugal. O Eurostat calculou a inflação na zona euro em 5,5%, um pouco abaixo das expectativas dos economistas, mas a inflação subjacente – que tinha baixado para 5,3% em maio, depois de 5,6% em abril – voltou agora a ganhar velocidade: 5,4%.

É um dado que “vem em linha com o discurso do BCE sobre a persistência da inflação”, diz Pedro Braz Teixeira, acrescentando que a aceleração da inflação subjacente “reforça o discurso do BCE de que as taxas podem subir mais“.

Lagarde. BCE “não está a equacionar, neste momento”, fazer uma pausa nas subidas de juros

“Estes dados suportam a ideia do BCE de que tem de haver mais subidas em 2023 e não há grandes perspetivas de descida em 2024“, afirma Pedro Braz Teixeira, salientando o contraste com aquilo que foi a mensagem transmitida por Mário Centeno, governador do Banco de Portugal, em entrevista à RTP esta semana. Centeno notou que “os [mercados de contratos] futuros indicam que a partir destas datas, setembro para 12 meses e novembro para 3 e 6 meses, as taxas vão começar a cair, lentamente“.

Mas se os bancos centrais, neste caso o BCE, não baixarem as taxas de juro em 2024, “há poucas razões para se esperar que as Euribor possam cair de forma significativa” nem neste nem no próximo ano, afirma Pedro Braz Teixeira. E esse cenário, de taxas de juro nos níveis atuais (ou, mesmo, um pouco mais elevadas) por mais tempo, foi a principal mensagem que saiu da reunião de banqueiros centrais em Sintra no início desta semana.

Mário Centeno diz que taxas Euribor vão continuar a subir podendo começar a recuar no final do ano

“É preferível uma recessão do que uma inflação entrincheirada”

Até poderá não ser por “muito mais tempo”, admite João César das Neves, mas ainda “vamos continuar nos próximos tempos” a lidar com o problema da inflação nas economias desenvolvidas. E a razão por que deverá ser assim está relacionada com o que o professor de Economia considera ser a origem deste surto inflacionista.

“Inicialmente tivemos um choque de preços causado pela pandemia e pelas perturbações que tivemos e que foram gigantescas – não tivemos nenhumas tão grandes desde a Segunda Guerra Mundial”, salienta João César das Neves, acrescentando que “o ambiente em que estávamos era completamente aberrante: estávamos com excesso de liquidez e ainda estamos com excesso de liquidez, dinheiro a mais que foi lançado para amortecer o impacto da crise de há 12 anos, 13 anos…”

Na segunda metade de 2021, os banqueiros centrais foram “displicentes” em reconhecer que era hora de mudar a política, diz o economista. Basta recordar que em novembro de 2021 Christine Lagarde veio a Lisboa dizer que era muito improvável que ao longo de todo o ano de 2022 se reunissem as condições para haver quaisquer subidas de juros – a realidade acabou por ser bem diferente.

“A displicência inicial dos bancos centrais foi um pouco assustadora, sabendo eles, como sabiam, que eles tinham culpas no cartório”, diz César das Neves: “Quando eles viram a perturbação da pandemia, que levou no início a ainda mais liquidez, e depois a guerra, deviam ter começado imediatamente a inverter a situação. E demoraram algum tempo a fazer isso”, acrescenta João César das Neves, reconhecendo que “também não seria fácil politicamente e também tecnicamente”.

Agora, o que a História diz é que “nunca tivemos taxas de inflação destes níveis sem que, para sair delas, houvesse uma recessão”. “Mas o mundo está muito diferente e até acredito que é possível que não haja recessão”, diz o professor da Católica. “Mas entre uma recessão e uma inflação que se entrincheira na economia é preferível uma recessão porque uma inflação estrutural implica, no futuro, uma recessão ainda maior“, avisa.