Os liberais-conservadores estão a tentar ganhar espaço dentro da Iniciativa Liberal, numa altura em que o partido enfrenta um aumento da contestação interna e da divisão entre quem exige novas respostas e quem prefere dar espaço à atual liderança. Entre os liberais mais progressistas há quem normalize a situação, mas há também quem não esteja confortável — é o caso de um ex-dirigente que anunciou que ia deixar o partido por não se rever na falta de atitude da direção.
Nuno Simões de Melo, um dos rostos que surge como oposição à equipa liderada por João Cotrim Figueiredo e que vai apresentar uma lista ao Conselho Nacional, admite que gostaria de ver “o conservadorismo liberal como a tendência dominante na IL” e que esta “corrente fosse considerada” dentro do partido.
“Acreditamos que o conservadorismo é a validação histórica das coisas que correm bem e, como tal, podem considerar-nos a ala da direita liberal dentro da IL.” O ex-militar que chegou ao partido liberal no ano passado e é deputado municipal em Mafra não tem dúvidas de que a possibilidade de haver uma corrente mais conservadora “não fragiliza a IL” e “cria riqueza”.
Da separação de poderes, à descentralização no partido e no país, Simões de Melo alerta que as maiores críticas vão para a identificação da IL com diversas causas, nomeadamente com “questões identitárias”. Aos olhos do liberal, “a IL deve-se focar nos problemas das pessoas e não na espuma dos dias”.
“Estou a pensar em direitos de certas minorias em que não nos revemos, revemo-nos nos direitos humanos, todos temos os mesmos direitos, independentemente da cor da pele, inclinação sexual, género. Os direitos são humanos e globais, não de causas. Quando a IL aparece em determinado tipo de ação organizada está a assumir a defesa de uma determinada causa identitária”, critica o liberal, dando como exemplo a presença na Marcha do Orgulho LGBTI+, no Porto.
Na última Convenção da Iniciativa Liberal, em que a oposição interna começou a ganhar mais voz, Simões de Melo subscreveu as moções de Miguel Ferreira da Silva — que acusou o partido de ser de “nicho” em vez de criar uma alternativa — e de Catarina Maia — que, apesar de fazer parte da Comissão Executiva, assinou uma das moções mais polémicas e divisoras do partido.
Não adianta se conta com o apoio de algum dos dois, mas assume que seriam bem-vindos. “Tenho a certeza absoluta que Catarina Maia está próxima de nós”, sublinhou, frisando que teria “todo o gosto” que a liberal subscrevesse a lista e até que fosse a “primeira” a fazê-lo.
O deputado municipal de Mafra acredita que “a democracia interna pode ser aprimorada” e que pode haver “mais espaço para os membros e representantes fazerem ouvir a sua voz e não ficar tudo num centralismo existente atualmente”. “Em algumas coisas o partido foge um bocadinho dos nossos princípios de liberalismo”, aponta.
Já não é a primeira vez que a liderança da IL se depara com críticas de falta de democracia interna e de inexistência de escrutínio. Aconteceu o mesmo em maio quando vários conselheiros nacionais se queixarem do chumbo de um ponto no Conselho Nacional que serviria para avaliar a próxima Comissão Executiva.
E também não é novidade para a Iniciativa Liberal que haja mais do que uma lista ao Conselho Nacional. Nas últimas eleições houve três, duas delas com algumas das vozes mais críticas do funcionamento do partido, como é o caso de José Cardoso e Rui Malheiro.
Agora, o Observador sabe que estão a alinhavar-se pelo menos cinco listas para o Conselho Nacional, sendo que a Comissão Executiva, como é tradicional, apoiará uma delas, a mais alinhada com a liderança do partido.
Do desconforto à normalização
Com um partido que cresceu exponencialmente na Assembleia da República, que passou de um para oito deputados e que é o quarto maior a nível nacional, os desalinhados procuram espaço para crescer, mas também isso cria problemas internos — nomeadamente pela falta de reação da liderança ao aparecimento de vozes mais conservadoras.
Matheus de Paula Costa, que foi coordenador do núcleo temático da juventude — um grupo que foi substituído nos estatutos da IL e que já não existe — é fundador do partido e desfiliou-se por não ter havido qualquer reação a questões levantadas por Catarina Maia, que faz parte da Comissão Executiva.
“Pedi a demissão de Catarina Maia porque ela é o símbolo dessas pessoas e nada foi feito. Não saiu da CE, não houve nenhum comunicado a dizer que o partido se demarcava do discurso de preconceito”, alertou o fundador do partido.
Aos olhos de Matheus de Paula Costa, o partido permitiu a entrada de “pessoas com discurso discriminatório”, que diz até ser “às vezes até parecido com o Chega”, o que, realça, se torna ainda “mais grave por serem coordenadores de núcleos e pessoas da CE”. Aponta essencialmente para discursos de homofobia e transfobia e nota que “um dos princípios do partido é lutar contra a discriminação”.
“Perante esse discurso tem de se fazer uma opção: ou a pessoa não representa o partido ou é responsabilizada.” Foi exatamente o que terá pedido à liderança do partido, segundo conta ao Observador, e foi a falta de resposta que o levou a afastar-se dos liberais.
O Observador sabe que existe um grupo que se intitula de “liberais clássicos” e que organiza até eventos (pelo menos um almoço chegou a ser partilhado nas redes sociais) fora da agenda do partido, seja ela local ou nacional. No entanto, dentro do partido procura-se normalizar a questão.
Um dos membros ouvidos pelo Observador considera que o partido “não pode entrar em purismos ideológicos de quem é e quem não é liberal” e outro prefere optar por “não entrar por sectarismos e não dizer que [essas pessoas] deviam estar noutros partidos”.
Apesar de considerarem que “estão mais organizados”, alguns liberais ouvidos pelo Observador não sentem que tenha entrado uma “grande onda de conservadores no partido”. Segundo diz um deles, “todas as conversas sobre woke, contra ideologia de género, etc., é importação de coisas dos EUA”. São apenas de “nicho” e não alteram a forma de estar do partido, salvaguarda-se.
“Não causa propriamente incómodo porque quando apresentaram uma moção na última convenção não tiveram um grande resultado”, recorda um membro da IL.
O nome de Catarina Maia é o mais repetido entre aqueles que são considerados desalinhados, essencialmente pela presença na Comissão Executiva. Além das opiniões expressadas no Twitter — e que causam algum desconforto interno —, foi na última Convenção da IL que o nome da dirigente se fez destacar.
Era uma das subscritoras da moção que mais atenção mereceu, pelo facto de sugerir no texto que a IL estava a “desiludir profundamente” os liberais quando “compactua sem protesto com limitações impostas pelo poder político à liberdade individual a pretexto de um qualquer pânico moral”, sendo que os subscritores se referiam a questões como “emergência climática”, o “discurso do ódio” e a pandemia da Covid-19.
Na altura, escreviam que o certificado de vacinação era “discriminatório” e iam mais longe: “Correndo o risco de sermos injuriados e [chamados de] egoístas, de não-anti-racistas, de negacionistas, de objetivistas, de conservadores, de tudo e de mais alguma coisa, é isto, em suma o que nós esperamos da Iniciativa Liberal: que defenda com unhas e dentes, contra tudo e contra todos, a vida, a liberdade e a busca pela felicidade de cada indivíduo.”
Ainda antes da Convenção, João Cotrim Figueiredo disse em entrevista ao Observador que não concordava com os termos usados e que sempre se mostrou favorável à vacinação da população. A moção acabou rejeitada, mas Catarina Maia não se livrou do rótulo de conservadora — um rótulo que, com a extensão a outros membros, está a ganhar espaço no partido e que irá a votos para o Conselho Nacional.