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Ricardo Salgado tinha uma pequena sala no 15.º andar da sede do Banco Espírito Santo, na Av. da Liberdade, em Lisboa, que reservava para encontros especiais. Foi ali que recebeu Hélder Bataglia, o seu homem-forte em África desde o início dos anos 90 como líder da sociedade Escom — Espírito Santo Comércio e o seu intermediário favorito nas relações com o regime de José Eduardo dos Santos. Corria o ano de 2008 e Salgado tinha um pedido especial para fazer a Bataglia.
Primeiro perguntou-lhe se conhecia o empresário Carlos Santos Silva. Depois, se tinha uma conta na Suíça. Bataglia respondeu afirmativamente às duas questões e recebeu uma proposta em troca: deixar passar 12 milhões de euros pela sua conta na Suíça que teriam como destino final a conta bancária do alegado testa-de-ferro de José Sócrates, Carlos Santos Silva. Era uma daquelas propostas irrecusáveis que apenas admitiam uma resposta. A Ricardo Espírito Santo nunca “se dizia que não”, afirmou Bataglia nos autos da Operação Marquês.
Este episódio, que é central na imputação feita pelo Ministério Público a Ricardo Salgado de um alegado crime de corrupção ativa do ex-primeiro-ministro José Sócrates, foi relatado pelo ex-líder da Escom e ex-administrador do Banco Espírito Santo de Angola (BESA), Hélder Bataglia, ao procurador Rosário Teixeira já depois de ter sido constituído arguido a 21 de abril de 2016. O primeiro interrogatório como arguido foi feito por carta rogatória emitida pela Procuradoria-Geral da República de Portugal e executada pela sua congénere angolana em Luanda — onde reside o empresário. Bataglia aceitaria, no entanto, vir a Portugal prestar esclarecimentos adicionais mais de meio ano depois, a 5 de janeiro deste ano de 2017.
[Veja no vídeo mais um episódio da mini-série Sim, Sr. Procurador, com os melhores excertos do interrogatório a Helder Bataglia]
Hélder Bataglia acabou por ser formalmente acusado de cinco crimes de branqueamento de capitais, dois de falsificação de documento, um de abuso de confiança e dois de fraude fiscal qualificada mas ‘safou-se’ do crime de corrupção. Aos olhos do procurador Rosário Teixeira, Bataglia limitou-se a servir de ‘correio’ ao disponibilizar a sua conta bancária, não tenho alegada consciência das intenções de Salgado ao querer alegadamente fazer chegar 12 milhões de euros a José Sócrates.
Para o próprio Ricardo Salgado, no entanto, tudo isto é uma “mentira”. Às autoridades, o banqueiro não hesitou em apontar o dedo a Bataglia como sendo o responsável, a par e com Álvaro Sobrinho do buraco no BESA de mais de 3 mil milhões de euros que levou à intervenção das autoridades angolanas e à transformação da instituição em Banco Económico. “Não tenho dúvida nenhuma que fomos completamente enganados em relação às duas coisas. Ao banco [BESA] e à Escom. E que o Hélder Bataglia foi um elemento determinante nisso”, disse Salgado. Bataglia, por seu turno, diz que se limitou a cumprir ordens de Salgado, sem sequer questionar.
Como Bataglia justifica os movimentos com origem no GES
O Ministério Público quis esclarecer como é que passaram nas contas da Suíça de Bataglia numa fase 7 milhões de euros e noutra 15 milhões vindos de diversas sociedades do GES. Quanto ao movimento dos sete milhões, em 2007, Bataglia disse que tal correspondia à remuneração por ter conseguido do governo angolano a licença para a abertura de portas do BESA. Tudo com intervenção do então presidente José Eduardo dos Santos.
Procurador Rosário Teixeira: Nós encontramos aqui em alguns pagamentos, que passam pelas suas contas, com origem no BES Angola e já com origem na Espírito Santo (ES) Enterprises. (…) Como é que isso se passou?
Hélder Bataglia: (…) Como lhe tinha dito, insisti com o dr. Ricardo Salgado desde o início, desde a formação do BESA, na remuneração que eu devia ter, se eu não tivesse uma participação uma remuneração, por causa do BESA. E na altura ele acedeu então a que uma parte dessa remuneração fosse esses 7 milhões, que eu achei que era muito pouco e ele disse que mais à frente a gente havia de ver como é que havia de fazer melhor. Mas esses 7 milhões são provenientes dessa situação. Salvo erro, foram pagos em 2006, 2007.
Procurador Rosário Teixeira: Era uma espécie de um success fee?
Hélder Bataglia: Era um success fee que eu achei reduzido para a dimensão das coisas que o banco tinha já nessa altura. O banco já tinha uma valorização que não tinha chegado ainda aos 2,5 biliões mas já estava nos 750 [milhões de dólares].
Procurador Rosário Teixeira: Mas estamos aqui a falar de cinco anos de diferença entre a obtenção da licença bancária.
Hélder Bataglia: Pois mas foi uma luta muito grande. Que prosseguiu ainda no tempo.
Quantos aos 15 milhões que recebeu em 2010 no Credit Suisse, numa conta por si controlada, mas aberta em nome da offshore Green Esmerald vindos da ES Enterprises, Bataglia fala num favor que fez ao banqueiro Ricardo Salgado.
Procurador Rosário Teixeira: E vamos entrar nos segundos quinze milhões (…)
Hélder Bataglia: Hum hum..
Procurador Rosário Teixeira: Desta vez direitos às suas sociedades, à Markwell e à Monkway. (…) O que é que se recorda disto? O que é que… Uh… E ‘tamos a falar de operações já em 2008.
Hélder Bataglia: 2007, 2007, talvez, não 2008.
Procurador Rosário Teixeira: Dois mil eeeeeeee… 2008, 2009, não é? (…)
Hélder Bataglia: (…) Foi muito simples! Foi… Uh… Foi, fundamentalmente, o dr. Ricardo Salgado… Uuuuuh… Que, numa das minhas vindas a Portugal, pediu p’a eu passar lá no banco [BES]. (…) E pediu-me se eu podia fazer… tinha uns compromissos… e tinha a pagar cerca de 12 milhões de dólares [que seriam afinal 12 milhões de euros ] (…). Se conhecia (…) o Carlos Santos Silva, eu disse que sim… se tinha conta no… na UBS, eu também disse que sim. Eeeeee… e se … eu podia fazer esses… pagamentos, não é? E eu disse: “Sim, Ricardo, se precisas, eu faço, não tenho problema nenhum. Desde que me transfiras o dinheiro, eu… eu faço esses pagamentos”. E aproveitei até p’a lhe dizer: «Já agora, vê se me comp… vê se me consegues compensar ainda mais, se vais fazer esses doze. para ver se mais algum vem… Ah! Ah! Ah! Ahl Da nossa dívida antiga!». É uma coisa que eu repetidamente insistia com ele…
Procurador Rosário Teixeira: …ficou com a ideia que o destino do dinheiro era já o Carlos Santos Silva?
Hélder Bataglia: O… o… ele perguntou-me se eu conhecia o Carlos Santos Silva e era p’a entregar… e era p’a entregar ao Carlos Santos Silva. exactamente.
Procurador Rosário Teixeira: Sem lhe dar detalhes p’o que é que era? Nem que…
Hélder Bataglia: Não me deu detalhe nenhum, nem eu lhe perguntei, devo dizer. Porque, na altura, como deve saber, eram coisas que não se perguntavam ao doutor Ricardo Salgado, não é? Ele pedia-me, eu tinha-lhe… Devia-lhe favores. Aaah… o maior de todos era apoiar-me na Escom. O segundo era saber se ele cumpria aquilo que tinha dito que me pagava – as minhas compensações pelo que eu tinha feito. Portanto, não achei que fosse uma coisa… e, portanto, foi isso que ele me pediu.
Procurador Rosário Teixeira: Aaaaah… e logo nessa altura, ele… uh… deu-lhe alguma ideia de que montantes é que estariam ali em causa ou que era uma sucessão de operações ao longo de determinado período de tempo?
Hélder Bataglia: Ele disse que me ia fazendo umas operações até ao montante, disse-me de 12 milhões de dólares. (…) Ele… ele… ele antigamente… Eu… eu vinha… eu vinha… os detalhes eram os seguintes: eu vinha cá a Lisboa, normalmente ia com ele ó-ó… ia ter com ele ao 15.º andar, sentávamos naquela salinha pequenina, não sei se o senhor procurador conhece, ali no banco [BES].
Procurador Rosário Teixeira: Sim.
Hélder Bataglia: Naquela salinha pequenina, ele dizia-me: «Olha… uhhh… vamos fazer agora uma transferência, qual é a conta?». Eu dava a conta e pronto! Era assim que fazíamos. (…) Eu, na prática, o que fiz a seguir, o que fazia a seguir era: a primeira vez foi telefonar ao Zé Paulo se ele se combinava uma reunião com o Carlos Santos Silva, que precisava falar com ele e ele disse-lhe que tinha esta disponibilidade… E ele deu-me um papelinho com as contas (…) Dava-me um papelinho, eu chegava… Guardava o papelinho, chegava a Luanda, telefonava p’o Canals e dizia-lhe: “Preciso fazer uma transferência de x, y, z p’a conta “X». O Canals dizia: «Sim, senhora, vou fazer. ‘Tá feita, depois quando tivermos juntos assinas [as ordens de transferência]”…
Procurador Rosário Teixeira: Mas tinha alguma razão para desconfiar de alguma falta de intranquilidade nesta história ou…
Helder Bataglia: Eu vou-lhe dizer, em 2008… uh… uh… o doutor Ricardo Salgado pediu-me a mim p’a fazer uma coisas dessas (…). Portanto, ele ajudava-me e, fundamentalmente, eu tinha a Escom, que ele ajudava muito… E não se dizia não ao doutor Ricardo Salgado naquela altura também, não é? Como deve saber.
A descoberta das contas de Joaquim Barroca
Só mais tarde, segundo o próprio Bataglia, é que descobriu que, afinal, as contas para onde transferia dinheiro não eram de Carlos Santos Silva, mas do administrador do Grupo Lena, Joaquim Barroca — que, por seu turno, disse às autoridades desconhecer que as suas contas na Suíça tivessem sido usadas dessa forma mas admitiu ter assinado ordens de transferência em branco para Carlos Santos Silva poder movimentar como entendesse os fundos que estavam nessa conta da UBS. O que o alegado testa-de-ferro fez.
O Ministério Público diz que Barroca Rodrigues manteve, pelo menos desde 2006, contactos com Hélder Bataglia, por intermédio do arguido Carlos Santos Silva. Uma tese que Bataglia negou, dizendo que só conheceu o empresário em 2014, pouco antes da detenção do engenheiro Carlos Santos Silva, na Operação Marquês.
As autoridades acreditam que Bataglia e Barroca se encontraram pelo menos duas vezes em Luanda — em 2006 e 2007 a propósito dos negócios envolvendo o edifício denominado Kanhangulo, que pertencia à sociedade Angola Investimento Imobiliário, da Abrantina — construtora esta que foi adquirida depois pelo Grupo Lena. “Tais encontros foram organizados pelo arguido Carlos Santos Silva, com o conhecimento e o acordo do arguido José Sócrates, e visaram construir um justificativo para a entrega de fundos a este último através da elaboração de contratos promessa de compra e venda do edifício designado de “Kanhangulo”, escrevem os procuradores no despacho de acusação.
Procurador Rosário Teixeira: Quando é que soube que eram do Joaquim Barroca?
Hélder Bataglia: Soube antes das detenções [da Operação Marquês]. Um dia, o Carlos Santos Silva disse-me que as contas eram do Barroca. Para mim era-me indiferente.
Procurador Rosário Teixeira: E o Barroca também tinha autorizado?
Hélder Bataglia: Ele não me disse, disse-me que as contas eram do Barroca porque aquilo era uma coisa lá do Grupo Lena com eles e que as contas eram do Barroca. E eu disse: “Olha, para a próxima informa-me porque eu pensei que eram suas e, pelo menos, um dia apresenta-me o Barroca”. Só o vim a conhecer em 2014. (…)
Procurador Rosário Teixeira: Eu conto aqui, entre operações de transferência, e considerando que estas são operações com o Joaquim Barroca, seis pelo menos. Por cada uma delas isto significou o Carlos Santos Silva ir ter consigo e dar-lhe um papelinho ou bastava às vezes um contacto telefónico em que ele dissesse “Transfere para a mesma conta”?
Hélder Bataglia: Não, quase sempre o Carlos Santos Silva ia ter comigo. Para já não era no meu escritório, era ali em frente ao meu ex-escritório. Ele sentava-se ali e eu dizia: “Olhe, tenho esta disponibilidade quando é que queres que eu mande para a mesma conta?”.
Procurador Rosário Teixeira: Portanto, em princípio, por cada uma destas vezes, até porque às tantas há aqui algumas alterações de conta de destino, a ideia é que o número de conta na Suíça mudou…
Hélder Bataglia: Ele não dizia: “Recebi mais uma quantia”. Dizia: “Preciso de falar consigo”. “Então no mesmo sítio”. “Qual é a conta?”. “Esta”. Pronto, era assim que fazíamos.
Procurador Rosário Teixeira: Não havia mais conversa, eram coisas de menos de um minuto?
Hélder Bataglia: Depois conversávamos sobre outras coisas mas nunca foi mais de 10 minutos. A gente tinha muito pouco a falar um com o outro.
Procurador Rosário Teixeira: E nestas operações, no saldo final disto recebe 15 milhões de euros transfere para a dita conta do Joaquim Barroca cerca de 12 milhões de euros. O remanescente entrou por conta daquilo a que achava que tinha direito? Mas isso foi também falado com o dr. Ricardo Salgado?
Hélder Bataglia: Sim, sim. (…)
Inspetor Paulo Silva: Esteve com o sr. Joaquim Barroca?
Hélder Bataglia: Estive em 2014, em Luanda.
Procurador Rosário Teixeira: Conte-nos lá em que circunstâncias.
Hélder Bataglia: Antes disso não o conhecia. A partir do momento em que eu soube que era o Barroca que recebia o dinheiro disse: “Tudo bem mas eu não conheço o Barroca. Um dia gostava de o conhecer”. Disse ao Carlos Santos Silva e andámos, andámos os anos e só me apresentou o Barroca para aí em 2014, em Luanda. Recordo-me que almoçamos mas não tenho ideia da data.
Afinal, quem era para ele o empresário Santos Silva?
Na sala de interrogatório estava tambem o inspetor Paulo Silva, uma espécie de fiel escudeiro do procurador Rosário Teixeira desde o caso Monte Branco — inquérito este relacionado com uma rede internacional de branqueamento de capitais onde José Paulo Pinto de Sousa e Carlos Santos Silva apareceram pela primeira vez no radar do Ministério Público e da Autoridade Tributária. Foi precisamente a relação de Bataglia com Santos Silva que o inspetor tributário de Braga quis desenvolver.
Os investigadores quiseram saber o que Hélder Bataglia sabia do empresário Carlos Santos Silva e do seu papel no Grupo Lena. O administrador disse recordar-se que o engenheiro tinha interesses em Angola, mas não foi neste país que o encontrou. Refere que foi, sim, na Venezuela, onde percebeu que o Grupo Lena estava a ter um grande sucesso. Bataglia contou que, entre 2002 e 2004, acompanhou o trabalho de investidores chineses no regime de Hugo Chávez. Segundo o seu depoimento, os chineses fizeram um financiamento de doze biliões de dólares à Venezuela para a construção de caminhos de ferro, habitação social e portos. E aproveitou para falar sobre a sua estreita relação com o então presidente venezuelano e de como serviu de intermediário entre ele e investidores chineses.
Inspetor Paulo Silva: Mas para si quem era o eng. Carlos Santos Silva?
Hélder Bataglia: O engenheiro Carlos Silva era o… o… p’ra mim, era o administrador do Grupo Lena, que era o grande homem… O grande homem, promotor do Grupo Lena no estrangeiro, era assim que o… que o… que o… que o Zé Paulo me falava do Carlos Santos Silva — que lançou o Grupo Lena na Venezuela, na Argélia e em Angola…
Inspetor Paulo Silva: Em que é que isso… Nisso cruza com o senhor doutor Ricardo Salgado?
Hélder Bataglia: Não sei. Isso é uma questão que tem de perguntar, porque eu não sei. O que é que cruza? Porque ele pediu-me aquela…. pediu-me, concretamente, aquelas operações, para entregar àquela pessoa e foi isso que eu fiz. Não perguntei, como deve imaginar, “Ó doutor [Ricardo Salgado]… ó… ó… ó… o engenheiro Carlos Santos Silva, porque é que ele [Ricardo Salgado] ‘tá a fazer estas transferências?”. Ia pôr em causa o Salga… Quer dizer, nem pouco mais ou menos, não é? (…)
Procurador Rosário Teixeira: [Carlos Santos Silva] Aparece na sua vida em termos destes negócios da Escom e BESA ou por via de uma relação familiar, eventualmente, apresentado pelo José Paulo [Pinto de Sousa]?
Hélder Bataglia: O eng. Carlos Silva é-me apresentado pelo José Paulo. Não tinha relação de negócios ou de trabalho com ele… (…)
Inspetor Tributário Paulo Silva: Mesmo na Venezuela foi a Escom com os chineses?
Hélder Bataglia: Com os chineses, exactamente. Com os chineses, chamava-se China Beya Escom. Portanto, os chineses traziam financiamento, nós fazíamos todo o trabalho de… de ligação… de ligação e de… à parte da comunidade, à parte do Governo, que eu também não conhecia, mas passei a conhecer, não é? E, portanto, tivemos a sorte de ter havido uma grande empatia entre o presidente Chávez e eu, por me chamar Hélder, portanto…
Advogado Rui Patrício [defensor de Bataglia]: Só uma perguntinha: o Hélder nunca teve nenhum envolvimento com o Grupo [Lena]?
Hélder Bataglia: Não! Não! Nem… nem sabia… (…). Eu comecei a ver aquilo na Venezuela com os chineses, um belo dia meti-me num avião, com os projectos todos que a gente fazia e p’a ver os projectos todos que a gente ‘tava afazer na Venezuela e pedi uma audiência ao presidente [José] Eduardo dos Santos e expliquei-lhe. E começou a cooperação de Angola com a China. Ele demorou muito pouco… Passado quarenta e oito horas ‘tava na China com o engenheiro Manuel Vicente. Foi assim, foi!
Bataglia e a família de Sócrates
Hélder Bataglia, 60 anos, nasceu no Seixal, mas cresceu na zona de Benguela, Angola. Regressaria a Portugal nos anos 70. Foi em África que conheceu o primo de Sócrates, José Paulo Pinto de Sousa, cujo pai era amigo de família. Bataglia chegou mesmo a ter uma filha, em 1999, com Maria Filomena Pinto de Sousa, irmã de José Paulo Pinto de Sousa — ou seja, prima de Sócrates. Ainda assim, disse às autoridades que pouco privou com Sócrates, à exceção de algumas festas de família e de alguns aniversários da filha. Ela, a filha de Bataglia, sim, era muito amiga do ex-primeiro-ministro.
Inspetor Paulo Silva: Aaaah… sobre essa relação do… com a família do ramo…
Hélder Bataglia: Hum, hum…
Inspetor Paulo Silva: Pinto de Sousa…
Hélder Bataglia: Hum, hum… (…) Olhe, o meu pai era muito amigo do pai do Zé Paulo. Portanto, eram muito amigos, inclusivamente no passado, o meu pai teve várias dificuldades em Angola. E o pai do Zé Paulo (eles nem sabiam disso, só soube através do meu pai, antes de falecer)… uh… uh… que eles o tinham ajudado e tudo. ‘Tamos a falar dos anos cinquenta, p’aí. E, portanto, eu conheço-os desde pequeninos, não é? Portanto, eu sou ligeiramente mais velho que ele, Zé Paulo. Eu lembro-me de andar com o Ze Paulo ao colo, praticamente, não é? E, portanto, conheço a família toda e conhecia a Maria Filomena também desde… desde pequenina. Ela também é mais nova que eu e, portanto,…
Inspetor Paulo Silva: Lá no (…)
Hélder Bataglia: Em Benguela, sim. Em Benguela. sim. Conheço desde… A família toda, não é? Desde pequenina, não e? Passava lá a vida em casa, também, porque a mãe tinha… era cozinheira extraordinária e eu adorava lá ir a casa e que me convidassem p’almoçar! Ah, ah… (…)
Inspetor Paulo Silva: E o senhor Hélder como é que conheceu o engenheiro José Sócrates?
Hélder Bataglia: Eu conheci o engenheiro José Sócrates por esta via… via familiar também, não é? Portanto, foi assim. Conheci-o… conheci-o em casa… em casa do Zé Paulo. Uuuuuh…
Inspetor Tributário Paulo Silva: Já há muitos anos?
Hélder Bataglia: Já há alguns anos. Conheci-o em casa do Zé Paulo, depois nunca mais o vi e depois vi- o mais uma vez quando ele… ‘tava no Governo do doutor Guterres, p’aí uma vez também. Vi uma vez… eu via muito pouco… eu via… uh… uh… com pouca regularidade. Via, normalmente, ora… quando o pai do Zé Paulo fazia anos, quando havia festas, quando a minha filha… uh… portanto, fez uma festa da… de anos. Ele também foi, por acaso, apareceu lá. Foi até muito agradável, porque a minha filha tem uma relação…
Inspetor Paulo Silva: Em Angola?
Hélder Bataglia: Não, aqui! Aqui em Lisboa. Porque a minha filha tinha uma… uma relação muito… gostava muito dele. Gostava muito dele, porque argumentava muito com ele, porque… enfim… lhe dizia… era… era… Tinha dez anos, mas dizia uma série de coisas! E ele gostava mui… Ah! Ah! Ah! Ele gostava muito de contra-argumentar!.
A entrada do GES em Angola através da Escom. Até à criação do BESA
Durante o interrogatório, Bataglia tentou resumir às autoridades os 25 anos que esteve à frente da Escom — Espírito Santo Comercial, da qual detinha 33%, e de como os investimentos desta empresa atingiram os 700 milhões de dólares e estreitaram a ligação entre o Grupo Espírito Santo (GES) e Angola. Uma relação que acabaria por abrir caminho à criação de um banco em Angola, o BESA. Hélder Bataglia explicou que corria o ano de 1992 quando foi abordado pelo GES, que queria virar-se para Angola e focar-se num mercado em que já tinha estado outrora. O administrador disse que foi abordado primeiro por Luís Horta e Costa e, depois, por António Espírito Santo (primo de Ricardo Salgado) e Patrick Monteiro de Barros — administradores da área não financeira. Seria o seu regresso a África.
Procurador Rosário Teixeira: Portanto, o objectivo era fazer um trader internacional [com a Escom]…
Hélder Bataglia: (…) Era… Inicialmente, era fazer uma trader, aliás, só podíamos iniciar por trading, porque Angola estava numa guerra, como sabe naquela altura… (…) e o primeiro projecto que nós fizemos foi até gerir uma linha de crédito espanhola, que era… deram-nos quinhentos milhões de dólares para gerir (…). Começamos por fazer trading até por volta de 95, 96. Até que (…) decidi eu, e depois com o acordo do Grupo Espírito Santo, fundamentalmente com o doutor Ricardo Salgado, já nessa altura, portanto, que nós devíamos começar pelos investimentos (…) na área de mineração… começamos, então, o processo de investimento na Escom (…) no sector da mineração, no sector das pescas, no sector do transporte aéreo — porque em Angola havia uma crise gigantesca ao nível da distribuição alimentar, e que era toda feita por aviões devido à guerra e nós… nós montamos uma companhia de transporte aéreo que era a Air Gemini, que tinha o objectivo de levar a todas as partes do país a alimentação básica… (…)
Procurador Rosário Teixeira: Entrou já no imobiliário em 2002 ou ainda não?
Hélder Bataglia: (…) como as coisas ‘tavam a correr muito bem, eu pensei que nós podíamos fazer qualquer que… que… que perpetuasse a nossa presença como Portugal em Angola e a coisa que eu achei mais indicada (…) era… era construir uma… uma torre e, portanto, e decidi fazer… a Torre Escom (…). Em 2001 decidi fazer isso. (…) Pedi autorização aqui [em Portugal], como sempre todos os investimentos, eu vinha aqui [a Lisboa] ao doutor Ricardo Salgado e ele aprovava ou não. (…) acho que nunca rejeitou nenhum investimento que eu pedi. (…) iniciámos a construção da torre até ao dia em que ele fez uma visita a Angola, olhou p’o buraco da torre, que tinha 35 metros, e disse que eu ia levar o grupo à falência… Ah! Ah! Ah! Ah! Então… (…) fiquei preocupado, porque achei que ‘tava com excesso de auto-estima relativamente àquilo tudo e, então, o que é que eu fiz: fui a uma série de amigos meus angolanos e pedi-lhes se eles podiam comprar um andar. [Em] duas semanas compraram a torre toda! E, portanto, eu demonstrei ao doutor Ricardo Salgado que o nosso investimento de 65 milhões tinha sido recuperado.
Com Bataglia a trabalhar em Angola e a estreitar a relação do GES com o regime de José Eduardo dos Santos, surge a ideia de criar um banco naquele país. Ao procurador Rosário Teixeira, o administrador contou que a ideia partiu dele. Depois de tanto investimento, era necessário “pedir” algo mais ao Presidente da República, José Eduardo dos Santos. Aliás, Bataglia queria replicar este conceito noutros países de África, como o Congo. Queria criar um banco ligado ao GES em cada país africano que considerava ter potencial económico. Da ideia à prática não foi muito tempo. Hélder Bataglia não só conseguiu a licença para criar um banco como, segundo disse, a administração da qual fez parte conseguiu em nove anos que os lucros do BESA fossem mais elevados que os do BES em Lisboa. No entanto, em 2012, acabaria por vender a sua participação a Álvaro Sobrinho. Cansou-se de pedir e de esperar de Ricardo Salgado aquela que devia ser a sua verdadeira compensação pelo negócio.
Hélder Bataglia: E agora chegamos ao BESA [Banco Espírito Santo Angola]. Uh… Achei que tínhamos chegado à altura de pedirmos mais qualquer coisa ao Governo e, especialmente, ao senhor Presidente da República [José Eduardo dos Santos]. E, portanto, achei que devíamos… devíamos pedir um banco, porque no fundo a essência do negócio do GES eram os bancos, era a área financeira, era por isso que eles eram conhecidos, não pelo trading, pelo investimento, etc. E, portanto, o senhor presidente da República… uh… uh… anuiu e disse que sim, que metesse a documentação necessária no Banco Nacional de Angola [o banco central angolano].
Zé Paulo, o primeiro alegado testa-de-ferro de Sócrates
Ao investigar os movimentos financeiros de José Paulo Pinto de Sousa — que o Ministério Público acredita ter sido um testa-de-ferro do ex-primeiro-ministro — as autoridades detetaram transferências de Hélder Bataglia entre as suas contas na Suíça e as contas naquele país do primo de Sócrates. Bataglia tem uma justificação para esses movimentos: foram empréstimos que José Paulo Pinto de Sousa lhe pediu numa altura da vida em que precisava de dispôr daqueles valores.
Hélder Bataglia: O Zé Paulo em determinado momento da sua vida teve algumas dificuldades e pediu-me dinheiro emprestado, por volta de 2007, enfim… ele disse-me que eram problemas de compromissos que tinha (…) e eu emprestei-lhe dinheiro. Na altura, por várias vezes, salvo erro, por volta de 2006 ou 7… emprestei-lhe… (…) salvo erro, à volta de sete e meio, oito milhões de dólares, não me recordo agora. (…)
Inspetor Paulo Silva: Mas emprestava-lhe lá, em Angola?
Hélder Bataglia: Não! Não! Eu emprestava-lhe cá fora… uh… portanto, ele… ele pedia cá fora, que tinha responsabilidades para resolver cá fora e eu fazia-lhe isso e, portanto, dava instruções a partir de Angola lá ao meu banco para… na Suíça, normalmente era a UBS e ia-lhe fazendo essas… essas transferências com alguma regularidade.
Inspetor Paulo Silva: Então, seriam transferências entre Suíça e conta da Suíça também dele?
Hélder Bataglia: E conta da Suíça também dele. Duma sociedade que ele tinha, que ele deu-me sociedade na altura eeeeee… E eu fazia essas transferências. (…) A sociedade, salvo erro, era a… Gunter [Finance]…
Procurador Rosário Teixeira: Quais eram as dívidas?
Hélder Bataglia: Senhor procurador, não tenho… eu, nestas coisas não pergunto, porque eu acho que se nós perguntamos a quem… já pedir dinheiro é uma coisa que não é simpática, não é?
Sobrinho, o “guru financeiro” e a Akoya
Hélder Bataglia contou ainda como acabou por se tornar um dos sócios da empresa Akoya Asset Management S.A. — uma sociedade responsável pela gestão de fortunas, que foi investigada e está no centro da Operação Monte Branco, em Portugal. A Akoya era gerida por Michel Canals, o ex-funcionário do banco suíço UBS que tinha dezenas de clientes portugueses, entre eles Ricardo Salgado e Hélder Bataglia. Segundo o líder da Escom, foi Canals quem o contactou para sondá-lo a subscrever parte do capital de uma nova sociedade gestora de fortunas. Bataglia terá hesitado em entrar sozinho, mas perante a hipótese de o seu investimento render 1% logo à partida, como uma espécie de comissão, o empresário terá sugerido a Álvaro Sobrinho, do BESA, entrar com ele no negócio. Era o seu “guru financeiro”.
Ricardo Salgado também se manteve fiel a Canals e tornou-se cliente da Akoya mas sem sonhar que a sociedade tinha Sobrinho e Bataglia, seus funcionários (pelo menos, era assim que Salgado os via), como accionistas de referência.
Advogado Rui Patrício: Quem é que tratava das suas transferências na UBS?
Hélder Bataglia: Era o Michel Canals, que eu tinha conhecido uns anos antes. Até sair da UBS foi ele. Depois foi uma senhora sul-americana que era esposa do diretor do Four Seasons, que era português.
Advogado Rui Patrício: Consegue precisar quando é que ele saiu da UBS?
Hélder Bataglia: Eu penso que ele saiu da UBS quando nós fundamos a Akoya, 2009 talvez.
Inspetor Paulo Silva: Depois os seus interesses passaram da UBS para o Crédit Suisse, é isso?
Hélder Bataglia: É verdade sim, por uma razão simples também. Porque o Canals, como eu era cliente um dia diz que vai sair da UBS, depois de 30 anos e tal de trabalho (…) E que gostava de fazer uma empresa [de gestão de fortunas] que permitisse continuar com o seu negócio. E, portanto, queria que eu fosse sócio também da empresa, que investisse um milhão de francos suíços no capital social que era o mínimo exigido pelo regulador suíço. Eu disse: “Ó Canals, eu banqueiro já sou emprestado [no BESA], agora na Suíça não. Primeiro vou ter de falar com o Álvaro Sobrinho que no fundo é o meu guru nestas áreas financeiras, se ele tiver interessado, e posso partilhar o risco, é uma coisa interessante”. E a coisa interessante no negócio é que na altura os bancos pagavam ao 1% de fee. E a Akoya era o que recebia. Portanto, logo à partida o break even estava feito. (…)
As offshores de Bataglia
Hélder Bataglia disse ainda que, às tantas, percebeu que era detentor de 30 ou 35 empresas offshore, “uma loucura!”, admitiu. Pela abertura de cada uma delas pagava cerca de 5 mil euros e, por mês, cerca de 7500 “francos suíços ou euros” pela gestão das sociedades. Diz que foi Canals quem constituiu essas sociedades através de “um amigo”, do qual não se recorda o nome. Para o Ministério Público estas offshores não são mais do que veículos para fazer passar dinheiro, num esquema paralelo. Para Bataglia parece ser uma forma de fazer render o seu dinheiro.
Procurador Rosário Teixeira: Mas o Canals tinha ou não tinha uma estratégia na altura de, por cada uma destas contas, haver uma espécie de conta investimento? Para quem tem mais dinheiro é uma conta offshore e uma conta de outra offshore.
Hélder Bataglia: A Suíça vive de fee’s (comissões). Essa cultura felizmente acabou. A gente não fazia nada e constituía uma offshore e depois tinha sempre um amigo que constituía outra offshore. (….) Inicialmente até foi o Canals quem me constituiu offshores através desse amigo que também não me recordo o nome. A gente pagava a constituição da offshore para aí 5 mil euros. Todos os anos. (…) um dia apareceram-me 30 ou 35 empresas e eu fiquei chocado com aquilo. Pagava já quase 7 mil e 500 francos suíços ou euros por mês mais a gestão das sociedades, mais não sei o quê. Era uma loucura. Então comecei a reduzir aquilo tudo e ultimamente tive que reduzir aquilo tudo, e tive de convencer o dr. Rui Horta e Costa [acusado na Operação Marquês] a tomar conta das minhas coisas porque era de facto uma grande confusão. E estou reduzido, neste momento, a menos de um terço e espero reduzir ainda mais porque é complicado de gerir.
O petróleo. Os contratos com Pinsong de onde o MP acredita terem vindo os 7 e os 15 milhões
A Pinsong International foi criada no início de 2007, nas Ilhas Virgens Britânicas e o seu capital social era detido pela ES Enterprises. Teoricamente, dedicava-se à atividade petrolífera em Angola. Esta sociedades, aos olhos das autoridades serviriam para Ricardo Salgado “realizar pagamentos ilícitos, porque não figuravam no organograma formal do Grupo GES”, entre os quais Hélder Bataglia. Assim, estas empresas escapavam à supervisão das entidades reguladoras, como o Banco de Portugal.
Foi também nesta altura que, segundo a acusação, a conta da ES Enterprises passou a ser usada para pagar ao ex-primeiro-ministro, José Sócrates, e aos dirigentes da PT Zeinal Bava e a Henrique Granadeiro. “Para, da mesma forma, atuar em conformidade com as estratégias definidas por Ricardo Salgado em particular quanto aos seus interesses para a PT e em detrimento do interesse público”, lê-se na acusação. Mais. As autoridades acreditam mesmo que a Pinsong foi criada para separar da ES Enterprises os pagamentos efetuados ao arguido José Sócrates “a troco de atuação contrária aos seus deveres públicos profissionais no âmbito do Grupo PT”.
As autoridades detetaram dois contratos celebrados entre a Pinsong e uma empresa de Bataglia, a Markwell. O primeiro contrato foi assinado em julho de 2007 — precisamente quando começaram as transferências. “Este contrato viria a servir de justificativo para uma primeira circulação de fundos a favor do arguido Helder Bataglia, ocorrida em julho de 2007, no montante de €7.000.000,00“, lê-se na acusação. Consignou-se que considerando o conhecimento da Markwell do mercado angolano, na área do petróleo e gás, a mesma estava em posição de prestar assistência na ronda de licitações no concurso para novas concessões petrolíferas, na República de Angola, promovido pela Sonangol.
No ano seguinte foi celebrado um novo contrato. Desta vez de 15 milhões pagos em três tranches de 5 milhões. A Markwell comprometia-se a prestar à Pinsong serviços de consultoria para a atribuição de direitos de exploração de um bloco de petróleo offshore, localizado nas águas territoriais da República de Angola. A exploração petrolífera contratada nunca veio a ser concretizada pelo que, nem à data do pagamento, nem em data posterior se verificou a prestação de serviços. Os contratos, na ótica do Ministério Público, são falsos. Foi isso mesmo que Bataglia ajudou a confirmar, comprometendo ainda mais Ricardo Salgado — que tinha dado uma versão bem diferente. E revelando os segredos dos generais angolanos próximos de José Eduardo dos Santos que têm participação em concessões de petróleo adjudicadas pela Sonangol.
Procurador Rosário Teixeira: Fez alguns contratos com uma entidade chamada Pinsong?
Hélder Bataglia: Conheço dos jornais mas não me recordo, não tenho ideia também se fiz alguns contratos com a Pingsong.
Procurador Rosário Teixeira: Que se recorde contratos com essa Pingsong têm algum conteúdo? Lembra-se de ter prestado algum trabalho em concreto para esta Pingsong?
Hélder Bataglia: Não me recordo. Aliás soube dessa Pinsong porque me perguntaram também já não sei onde.
Advogado Rui Patrício: Não tem ideia de ter prestado nenhuns serviços a essa sociedade, isso é claro?
Hélder Bataglia: Não, não tenho ideia.
Inspetor Paulo Silva: Também se falava associado a isso de umas histórias de umas explorações de uns blocos offshore em Angola. Teve alguma intervenção?
Hélder Bataglia: Tive uma concessão do lote 18-06 que foi um bloco que nós, Escom, tivemos em parceria com a Petrobrás e com os chineses da e com a Sonangol.
Inspetor Paulo Silva: E essa sua participação foi de 5% desse bloco?
Hélder Bataglia: Sim.
Inspetor Paulo Silva: Esse é um negócio da Escom não é pessoal?
Hélder Bataglia: Não.
Advogado Rui Patrício: Além do 18-06 teve intervenção em mais algum bloco?
Hélder Bataglia: Tive, tentei no Congo também. Outros blocos em Angola não tive.
Inspetor Paulo Silva: O que conhece do bloco 16 da Gemini?
Hélder Bataglia: Do general Dino. Conheço os generais, que eles têm umas participações nesse e noutros blocos. Que eu veja nos jornais, de resto ele nunca me disse (…) Tentámos, a ver se conseguíamos ter essas concessões com os nossos parceiros angolanos, mas não conseguimos. (…)
Inspetor Paulo Silva: Um contrato entre Markwell e a Pinsong para apoiar e acompanhar a obtenção destas concessões não faz sentido algum? A Markwell é uma sociedade sua.
Procurador Rosário Teixeira: Não se recorda de ter assinado nada disso? (…)
Hélder Bataglia: Não. Nunca fiz nenhum trabalho com esses blocos, não tem sentido isso. Não me lembro. Só para ter uma noção, um bloco é um trabalho insano. A concessão de um bloco petrolífero. Um bloco tem 100 quilómetros quadrados no mar e portanto já ter essa concessão, ter os parceiros internacionais que possam também investir no bloco, e nós mais pobrezinhos não pudemos ter mais de 2 e meio, 3% no fundo não é. É um trabalho que demora meses e meses em reuniões e problemas porque aquilo não é uma decisão só da Sonangol, é uma decisão do bloco.
Procurador Rosário Teixeira: E portanto se tivesse feito algum desses trabalhos com certeza se lembraria?
Hélder Bataglia: Lembrar-me-ia, mas francamente não me lembro.
Inspetor Paulo Silva: E não pode existir nenhum contrato que faça referência a esse pagamento dos 7 milhões mas com estas realidades que acabei de explicar, ou seja, em vez de estar o pagamento da obtenção da licença do BESA fizessem um contrato para ver se o Sr. Hélder assinava em que os 7 milhões teriam a ver com a sua intervenção para a aquisição dos direitos de exploração de petróleo dos blocos em águas portuguesas e angolanas?
Hélder Bataglia: Não me recordo de nada disso. Não vejo que isso seja possível.
O empreendimento de Vale do Lobo
Bataglia tinha com os seus parceiros da Escom, Luís Horta e Costa e Pedro Ferreira Neto, diversos projetos de investimentos paralelos entre os quais se incluiu, em 2006, “a aquisição de uma posição de controlo nas sociedades que detinham o empreendimento de Vale do Lobo”. Para tal, Bataglia associou-se a José Diogo Gaspar Ferreira e a Rui Horta e Costa na empresa Turpart.
O investimento na aquisições de Vale do Lobo, feito com um polémico financiamento da Caixa Geral de Depósitos (CGD), ocupou uma parte importante do interrogatório a Hélder Bataglia. Pelo meio, Rosário Teixeira e Paulo Silva ainda referiram o famoso caso dos submarinos.
Vale do Lobo. O empréstimo da Caixa que já é um caso de polícia
Procurador Rosário Teixeira: É verdade que vocês, os três administradores da Escom, quando tinham outros negócios fora da Escom tinham que falar com o Dr. Ricardo Salgado?
Hélder Bataglia: Normalmente, sim. O negócio que eu acho que a gente não falou com o dr. Ricardo Salgado foi quando tomámos aquela participação em Vale do Lobo, que ele soube posteriormente. Acho que ele soube posteriormente. Normalmente sim, a gente falava com ele e ele estava de acordo ou dizia: “Não se metam nisso”.
Procurador Rosário Teixeira: E não dizia que também queria uma parte dos ganhos que viessem a obter?
Hélder Bataglia: Não, a mim nunca me disse. Não sei se disse aos outros dois.
Inspetor Paulo Silva: Saiu dinheiro das suas contas para o sr. dr. Ricardo Salgado.
Hélder Bataglia: Não, isso são empréstimos que ele me fez no passado e que eu regularizei.
Procurador Rosário Teixeira: Os três a pagar? Então foi um empréstimo dos três.
Inspetor Paulo Silva: Estavam os três ao mesmo tempo? Para pagarem ⅓ cada um.
Hélder Bataglia: Não me recordo.
Procurador Rosário Teixeira: Não era esse o preço para poderem fazer uns negócios fora do âmbito da Escom mantendo os três?
Hélder Bataglia: Ah!, está a falar de outro tipo de negócios que a gente pudesse fazer fora os três? Eu, francamente, não me recordo.
Procurador Rosário Teixeira: Pode ser o caso dos submarinos.
Hélder Bataglia: Sim, no caso dos submarinos aconteceu. No caso dos submarinos a gente foi pedir se podíamos fazer os submarinos.
Procurador Rosário Teixeira: E tiveram de pagar à família Espírito Santo.
Hélder Bataglia: Exatamente. Não me recordo agora noutros negócios quais foram. É capaz de ter havido mas eu não me recordo.
Inspetor Paulo Silva: Aqui a ideia é se tem essa percepção de para fazer um negócio fora do grupo vocês três tinham que não só dar conhecimento ao dr. Ricardo Salgado como lhe remunerar?
Hélder Bataglia: Partilhávamos com ele, com certeza. Deve ser isso. Mas não me recordo qual concretamente.
O alegado favorecimento na concessão dos créditos da CGD está na base da imputação de um crime de corrupção ativa a Gaspar Ferreira e a Rui Horta e Costa e de um corrupção passiva de titular de cargo político a José Sócrates e a Armando Vara. Em causa está uma alegada contrapartida de dois milhões de euros que terá sido alegadamente dividida em partes iguais entre Vara e Santos Silva, o alegado testa-de-ferro de Sócrates.
Bataglia, uma vez mais, ficou de fora dos alegado esquema de corrupção que estão descritos na acusação da Operação Marquês. Foi o maior ganho que conseguiu com o seu segundo interrogatório.