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PEDRO NUNES/LUSA

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"Irritadiço" e "encantador": António Costa por quem o conhece

Chegou à vida política há 40 anos e nunca mais parou. Agora, está a um passo do lugar que sempre quis. O Observador ouviu amigos e críticos para traçar o perfil ao homem que quer governar Portugal.

O telefone tocou. “É melhor que venhas aqui que vou fazer uma coisa importante”. Se a frase não foi exatamente assim, terá sido parecida. E João Tiago Silveira foi. Quando lá chegou, a sala estava cheia de jornalistas. Pouco depois, entrava António Costa, ladeado por dois secretários de Estado, e anunciava ao país que se demitia do cargo de ministro da Justiça.

Quem acompanhou o episódio de perto descreve-o como burlesco. Depois de anunciar a demissão, António Costa foi almoçar com alguns amigos. A descontração reinante no repasto contrastava com “a ansiedade de Guterres para falar com ele”, recorda João Tiago Silveira, que era, à data, diretor do Gabinete de Política Legislativa e Planeamento do ministério que Costa tutelava. Apesar de Guterres tudo ter feito para falar com o ministro demissionário, de Costa não obteve qualquer resposta. Mas o ministro acabou por ficar no Governo, porque, no seu lugar, demitiu-se antes Ricardo Sá Fernandes.

António Guterres era um primeiro-ministro desmotivado, no seu segundo Governo

DR

Era o dia 4 de dezembro de 2000. Vinte anos tinham passado desde que a queda de um avião em Camarate, nos arredores da capital, vitimara mortalmente o primeiro-ministro Francisco Sá Carneiro e o ministro da Defesa Adelino Amaro da Costa. A propósito do caso, Ricardo Sá Fernandes, na altura secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, antes disso advogado das vítimas, foi a um evento promovido por Marcelo Rebelo de Sousa dizer que se tratara de um “horrendo crime político”. Dois dias depois, escrevia ao seu primeiro-ministro António Guterres a criticar “a extraordinária inépcia das decisões judiciárias proferidas durante 20 anos” e a exigir ao Governo o “cabal esclarecimento” sobre o que realmente se passara em 1980.

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António Guterres era, por esses dias, o primeiro-ministro desmotivado de um Executivo onde o mal-estar reinava: o PS vencera as eleições legislativas de 1999 a apenas um lugar da maioria absoluta, forçando-o a entendimentos com Daniel Campelo, o deputado limiano do CDS-PP. Em setembro, Guterres vira-se obrigado a corrigir “erros” e a remodelar as pastas ministeriais. E, nesse dia 4 de dezembro, “Costa colocou Guterres entre a espada e a parede e ganhou”, explica Ascenso Simões, amigo de longa data do homem que quer ser o próximo primeiro-ministro de Portugal.

"Eu entendo que quem é membro do Governo não pode criticar esse Governo em público, repetidamente"
António Costa à TSF, em dezembro de 2000

“Fiquei muito surpreendido com o gesto”, recorda Ricardo Sá Fernandes. Depois da estupefação, dirigiu-se a Pina Moura, o ministro a quem respondia, e disse-lhe: “Não vim ser secretário de Estado para ter guerras”. “Imediatamente, nos minutos seguintes, informei o eng. Guterres de que me demitia e que entendia que não havia nenhuma razão para ele [Costa] não ficar”, refere o advogado, que mantém a convicção de que o caso Camarate se tratou de um “assassinato”.

Perante os jornalistas, António Costa justificou o gesto com a “ofensa insuportável” provocada pelas afirmações de Sá Fernandes. “Eu entendo que quem é membro do Governo não pode criticar esse Governo em público, repetidamente”, diria uns dias mais tarde à TSF, acrescentando que, entre ele e o ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, “havia dois entendimentos [diferentes] sobre a forma de estar no Governo”.

António Costa chegou à JS com 14 anos e rapidamente subiu na estrutura interna do partido

DR

Ascensão e queda de um sótão

O episódio é recordado por João Tiago Silveira como um exemplo da personalidade de António Costa. “Foi sempre um rapaz irritadiço, com mau feitio, mas com uma imensa capacidade de trabalho”, afirma Ascenso Simões, que o conhece desde os tempos da Juventude Socialista, nos anos 1970, e que, no Governo de José Sócrates, foi seu secretário de Estado.

A permanência no Executivo depois do desentendimento com Sá Fernandes foi uma vitória importante para Costa, que estava longe de ser um novato nos círculos do poder. Antes de chegar ao Ministério da Justiça no segundo Governo de Guterres, fora já secretário de Estado e ministro dos Assuntos Parlamentares no primeiro, tendo inclusivamente a seu cargo o acompanhamento da Expo 98. A entrada no convívio dos socialistas começara, contudo, muito antes.

"Foi sempre um rapaz irritadiço, com mau feitio, mas com uma imensa capacidade de trabalho"
Ascenso Simões

Alberto Arons de Carvalho já não se recorda muito bem desses tempos, mas António teria uns 14 anos quando ele o levou para a Juventude Socialista. O agora vice-presidente do conselho regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) conheceu Costa por via dos pais, Maria Antónia Palla e Orlando da Costa, e do padrasto, o coronel Pedroso Marques, todos eles muito ativos politicamente. “Pressenti que era bastante capaz e inteligente. [Já na JS] rapidamente se percebeu que era entusiasta e mobilizador”, afirma Arons de Carvalho, que acabou por desenvolver uma relação de forte amizade com o autarca lisboeta. “Fomos a Paris os dois de comboio” no início dos anos 1980, conta, sem se lembrar grandemente dos pormenores, mas afirmando que essa viagem foi um ponto importante no fortalecimento da relação entre ambos. “Foi sempre uma pessoa por quem tive muita estima e apreço. Humanamente, é de extrema valia”.

Amigos de longa data, colegas em dois governos, companheiros das lutas internas do partido, Costa e Arons só divergiram em 1991, quando, após um péssimo resultado eleitoral do PS – que confirmou a segunda maioria absoluta de Cavaco Silva – António Guterres chegou ao pé dos jornalistas e disse a frase que ficaria para a história do partido e marcaria o fim de um ciclo: “Estou em estado de choque.”

Guterres, que cedera o sótão da sua casa em Algés ao grupo do ex-secretariado para a oposição a Mário Soares, avançava finalmente contra Jorge Sampaio, que liderava o PS desde 1989. Antes disso, do sótão para o Largo do Rato saíra Vítor Constâncio, de cujo secretariado nacional António Costa fez parte. Depois disso, as reuniões no sótão acabaram e começou o guterrismo. Mas não sem uma guerra feroz.

António Costa ficou ao lado de Jorge Sampaio, com quem estagiara advocacia, e “teve um papel muito instigador” no congresso de fevereiro de 1992, tentando perturbar os apoiantes de Guterres quando estes subiam ao púlpito, refere Ascenso Simões. Meses antes, em entrevista ao Público – diz o jornalista Fernando Esteves na biografia sobre Jorge Coelho, “O Todo-Poderoso” -, Costa acusara o engenheiro de “contar espingardas” para a tomada da liderança do partido.

Conhecem-se há mais de 30 anos mas quase sempre estiveram em barricadas opostas dentro do partido

MARIO CRUZ/LUSA

Dois Antónios, dois caminhos

A acusação de 1991 é semelhante à que os apoiantes de António José Seguro fazem hoje a António Costa. Poucos dias tinham passado desde as eleições europeias e já nas redes sociais e na blogosfera se esgrimiam argumentos de parte a parte, com troca acesa de palavras, muita ironia e até comparações entre Seguro e Hitler. O próprio secretário-geral do PS chegou a publicar um texto no Facebook onde se mostrava “indignado” pela queda do partido nas sondagens e acusava Costa de “irresponsabilidade”. As querelas entre ambos vêm, no entanto, de um período muito mais longínquo.

Só que não há uma explicação fácil para elas. Se António Costa é um político irrequieto, sempre à procura de “encontrar soluções para os problemas” – como recorda Luís Patrão, cabeça de lista derrotado às eleições de 1981 para a liderança da JS – já Seguro “gosta de gente mais normal”, afirma Ascenso Simões, que é amigo pessoal de ambos. “Mas vivemos em tempos de excecionalidade”, acrescenta. Também João Tiago Silveira, cuja relação com Costa começou a amadurecer a partir de 1995, não arrisca de onde vem a falta de compatibilidade. “Eles próprios não saberão dizer de onde vem a embirração mútua”, afirma.

Com a liderança de Ferro abalada, também Costa foi ouvido no Departamento de Investigação e Ação Penal a propósito do processo Casa Pia

André Kosters/ Lusa

Num recente trabalho do Público, algumas pessoas apontam a eleição de José Apolinário para líder da JS, em 1984, como um momento-chave na relação entre ambos, uma vez que, na altura, Apolinário e Seguro terão tentado reduzir a influência de Costa na Juventude Socialista. Costa, que ajudara a eleger o líder, sentiu-se traído, escreve o jornal.

Daí para cá, raramente os dois estiveram do mesmo lado. Mesmo quanto o partido entrou nas tréguas guterristas, após a chegada ao poder em 1995, Seguro só no final aceitou voltar para Lisboa, integrando o Governo. Costa esteve por lá, de lugar em lugar. Dos dois, ironicamente, Seguro era o mais próximo de Guterres.

Depois veio a oposição. E em 2004, uma vez mais, os dois estão em lados diferentes. Os socialistas contam uma história que o ilustra: António Costa era então líder da bancada parlamentar socialista desde 2002, mas Ferro Rodrigues, que era o secretário-geral do partido naquele momento e tivera o seu telemóvel diretamente sob escuta por suspeitas de envolvimento no processo Casa Pia, decide fazer mudanças. Costa partiria para Bruxelas, na lista das europeias, a bancada em São Bento teria de mudar de rosto.

Ferro e Costa combinam então almoçar juntos para discutir o futuro do partido. José Sócrates também se senta à mesa. Costa dá um conselho a Ferro: Sócrates seria a melhor pessoa para ficar na liderança da bancada parlamentar. Ferro recusa, explicando que já escolhera Seguro para o cargo.

Apesar de não ter liderado a oposição na Assembleia até à saída de Durão Barroso para a Comissão Europeia, entre 2002 e 2004, Costa “fez um fogo cerradíssimo ao Governo PSD/CDS”, refere João Tiago Silveira, apoiado por Ascenso Simões, que na altura era deputado e “tinha uma ligação diária ou horária” com o seu líder. “Foi a primeira sessão legislativa onde houve uma perspetiva de integração de todos os deputados” e das suas correntes de pensamento, refere. Também Luís Patrão elogia esse mandato do amigo por quem diz ter “uma admiração pessoal”. “Habituou-se a resolver problemas dentro do grupo parlamentar e entre grupos parlamentares”, afirma.

E há uma história que ajuda a ilustrar o quão feroz era a oposição costista. Os tempos, dizia Durão Barroso, eram de um país “de tanga”. A então ministra das Finanças, Manuela Ferreira Leite, chamou Costa para discutir com ele um PEC (programa de estabilidade e crescimento), no qual constavam muitas medidas de austeridade que tinham o objetivo de reduzir o défice para 3%. Costa foi às Finanças, ouviu tudo durante duas horas, foi sinalizando concordância, mas no fim desfez ilusões de qualquer apoio: “A senhora faz o que tem de fazer. E eu farei o que tenho de fazer, que é oposição a este Governo”. O episódio correu os corredores do Governo, mas nunca foi confirmado pelo socialista.

"Se o António vier a ser primeiro-ministro, que se preparem todos os que forem trabalhar com ele: é preciso grande resistência psicológica e física"
Ascenso Simões

De São Bento para a Europa, da Europa para a Praça do Comércio

Dois meses depois de deixar o Parlamento, Costa ruma ao Parlamento Europeu. “Não gostava da função de líder parlamentar” por não poder pôr a mão na massa, frisa Ascenso Simões. Em Estrasburgo, poderia fazê-lo, mas como ficaram as relações com Ferro Rodrigues depois de este ter optado por Seguro? Aparentemente não houve ressentimentos. “Ele não se importou nada de ficar como número dois de Sousa Franco”, apesar de ser já uma figura destacadíssima do PS, afirma João Tiago Silveira. A morte de Sousa Franco catapultou-o para cabeça de lista, tendo ganho as eleições de 2004 com mais de dez pontos percentuais de vantagem para a coligação entre o PSD e o CDS.

Não ficaria por Estrasburgo muito tempo, no entanto. Em março de 2005 assume a pasta da Administração Interna (MAI) no primeiro Governo de Sócrates. Na passagem pelo segundo Governo de Guterres, enquanto ministro da Justiça, Costa fora responsável pelo lançamento de ideias como o Simplex, a Empresa na Hora ou a “infraestruturação do sistema judicial”, nas palavras de Ascenso Simões, que foi seu secretário de Estado no MAI.

Nesse cargo, a reforma do sistema da Administração Interna “foi talvez das poucas áreas em que nenhum ministro mexeu”, diz o ex-colega, que tinha grandes discussões com o seu superior “todas as semanas”. “Ele não trabalha com gente com quem não se chateia”. E deixa o aviso: “Se o António vier a ser primeiro-ministro, que se preparem todos os que forem trabalhar com ele: é preciso grande resistência psicológica e física”.

António Costa no Parlamento Europeu, aqui na ratificação do Tratado Orçamental da União

Comissão Europeia

Resumindo numa expressão quem é, de facto, António Costa, João Tiago Silveira diz que “simultaneamente é encantador e enfurece-se”, uma vez que “não perdoa erros” e “passa-se completamente” quando alguém os comete. “Uma coisa que posso garantir é que não vou ter uma úlcera”, costuma dizer a brincar Costa aos seus amigos. O seu mau feitio, que é reconhecido tanto por opositores como por amigos, está muito relacionado, dizem, com o facto de estar permanentemente em busca de novas ideias. O seu processo mental é de tal forma caótico que, frequentemente, os seus colaboradores mais próximos têm dificuldade em acompanhá-lo. É um traço daquilo a que Ascenso Simões chama “excesso de voluntarismo”, que é “um problema” do candidato.

José António Cerejo, jornalista de investigação do Público que há anos acompanha a carreira de Costa, pensa que o atual autarca de Lisboa “tem a ideia de que resolve os problemas todos – e as coisas não são bem assim”. Mesmo em relação à Câmara Municipal de Lisboa, que António Costa conseguiu reconquistar sem dificuldade em setembro passado, “há uma boa operação de marketing, mas é muito pouco”, diz. “Tem vendido bem aquilo que tem feito e não tem feito asneirada grossa”, resume. Mas, para Cerejo, o principal problema de Costa é outro e mais grave. “É não perceber o papel dos jornalistas e de uma imprensa livre numa sociedade democrática”, uma vez que, acusa, “gere a informação de acordo com os seus próprios objetivos e calendários”.

"Simultaneamente é encantador e enfurece-se"
João Tiago Silveira sobre António Costa

O burro e o Zé

António Costa chegou à Câmara de Lisboa em agosto de 2007, na sequência de eleições intercalares. Foi a sua segunda experiência autárquica. Já antes, em 1993, se candidatara ao município de Loures, a convite de Guterres, contra quem se opôs na luta interna partidária iniciada em 1991 – uma prova, segundo Luís Patrão, de que Costa “não cultiva ódios entre as pessoas” e de que tem uma “capacidade natural para se relacionar com pessoas com quem, em determinado momento, não se deu”.

Da corrida a Loures, António Costa dirá, no seu livro “Caminho Aberto”, editado em 2012, ter-se tratado de “uma das mais enriquecedoras experiências políticas” que viveu. Da campanha, ficou para a posteridade o duelo, em plena Calçada de Carriche, entre um Ferrari e um burro – “uma invenção à Costa”, ri-se João Tiago Silveira – “para ilustrar a urgência da extensão do metro a Odivelas”, explica no mesmo livro o autarca, cujo burro venceu o carro italiano, mas não conseguiu levar Costa à presidência do município. O metro, esse, chegou muito tempo depois, a passo mais lento do que o do burro de Costa.

O principal problema de Costa "é não perceber o papel dos jornalistas e de uma imprensa livre numa sociedade democrática"
José António Cerejo

Se, em 1993, António Costa perdeu Loures para o PCP por menos de 1.800 votos, em 2007, na capital, deixaria a lista independente de Carmona Rodrigues a mais de 24 mil votos de distância e relegaria o PSD para o terceiro lugar, com metade dos mandatos do PS (3 contra 6). Quando a oportunidade de ir para a autarquia lisboeta surgiu, Costa era ministro de Sócrates. Reunidos com o chefe no Porto, quase todos os seus secretários de Estado lhe disseram que era má ideia. Diz quem o conhece que reunir com as pessoas com quem trabalha – do funcionário de balcão até aos diretores-gerais – é um hábito frequente antes de tomar qualquer decisão. Só que, como neste caso, nem sempre segue os conselhos que lhe dão.

Os eleitores viriam a dar-lhe razão em 2009, quando reconquista o município com 44% dos votos. Para chegar a esse resultado, Costa contou com o contributo de um homem que, dois anos antes, se apresentara a eleições com o apoio do Bloco de Esquerda como “o Zé”, que, dizia, fazia falta. O acordo entre António Costa e José Sá Fernandes, atual vereador dos Espaços Verdes na Câmara de Lisboa, teve a mediação do homem que, sete anos antes, levara o então ministro da Justiça a querer bater com a porta: Ricardo Sá Fernandes. Apesar daquele episódio, o advogado garante não ter havido “nenhum conflito pessoal” entre ambos e até fez parte da comissão de honra dessa segunda candidatura, depois de terem tido inúmeros encontros, inclusivamente na casa do autarca, para estabelecer os termos do entendimento entre António e José.

A famosa corrida entre o burro e o Ferrari de Loures - ganha pelo asinino

António Cotrim/ Lusa

Apesar do resultado expressivo dessas eleições, o caminho até lá não foi fácil. João Tocha foi o homem responsável pela campanha eleitoral desse ano e descreve um ambiente de falta de rumo na candidatura. Habituado a lidar com os mais altos representantes políticos e económicos do país, este consultor – responsável por outras campanhas eleitorais, como a de Carlos César para o Governo Regional dos Açores – trabalhou durante os 16 meses que precederam o sufrágio, a convite pessoal do presidente da Câmara.

“Eu ia com a ideia de que Costa era uma pessoa com uma grande capacidade de realização. Quando lá chego, noto não só que não havia obra feita como ele estava rodeado de yes men“, diz. João Tocha e a sua equipa foram responsáveis por toda a estratégia de comunicação da campanha, o que incluiu uma extensa análise a potenciais apoiantes, opositores e temas, bem como a definição dos objetivos eleitorais, que foram alcançados. “Acho que ele nem me agradeceu” no fim, afirma Tocha, que se lembra de António Costa como uma pessoa “irascível, que berrava com os outros” e que parecia não saber muito bem o que fazer. “Não via brilho. Não vi ali um político com um edifício programático e ideológico”.

E agora que os Antónios do PS se defrontam, “o cidadão João Tocha, voluntário contra o que representa Costa”, como o próprio se define, acusa este último de fazer “um assalto ao poder”. João Tocha foi membro da direção da JS quando Seguro era o líder daquele organismo e elogia “o trabalho de formiguinha a reorganizar o partido” feito pelo atual secretário-geral, ao mesmo tempo que critica a “cigarra que canta” que quer agora ser o próximo primeiro-ministro de Portugal. Não se tem cansado de o dizer nas redes sociais – e Costa também não se tem inibido de acusar as “agências” e os “consultores” que, diz, trabalham com Seguro para o denegrir. Como resposta, Tocha afirmou que vai processar Costa porque este lhe “deve dinheiro” do trabalho realizado na campanha de 2009, diz.

"Acho que ele nem me agradeceu" no fim, afirma Tocha, que se lembra de António Costa como uma pessoa "irascível que berrava com os outros" e que parecia não saber muito bem o que fazer.

O melhor de todos nós?

“Creio que António Guterres não terá sucessores por muitos e bons anos”, disse António Costa à TSF em dezembro de 2000. A crença viria a provar-se incorreta. Um ano depois, a 16 de dezembro de 2001, o PS sofria uma pesada derrota nas eleições autárquicas e o engenheiro pedia a demissão do cargo de primeiro-ministro para evitar que o país caísse “num pântano político”. Logo nessa altura, o nome de Costa esteve em cima da mesa como um dos potenciais candidatos à liderança do PS, que a partir de 2002 faria oposição parlamentar ao Governo de Barroso. Os outros nomes eram os de António Vitorino, Jaime Gama e Ferro Rodrigues, que acabou por se tornar secretário-geral do partido.

Depois, em 2004, veio Sócrates. E em 2011, Seguro. Nesses dias, quando Sócrates perdeu o país e o país perdeu o dinheiro, Costa demorou poucos dias a dizer que não entraria na corrida. Apoiou Assis, explicando que não conseguia estar na Câmara e no partido ao mesmo tempo. Em 2013, quase dava: as tropas incentivaram o autarca, que preparou tudo para uma candidatura. Demorou escassas horas até que recuasse, numa reunião quente no Largo do Rato. Os seus apoiantes, muitos deles seus verdadeiros amigos, ficaram perdidos, sem perceber. Alguns até sem conseguir falar com ele.

António Costa e José Sá Fernandes no momento da assinatura do acordo eleitoral antes das autárquicas de 2013

Diana Quintela / Global Imagens

Agora, depois de quase 40 anos de atividade política, António Costa está finalmente a um passo do lugar que, acreditam tanto os amigos como os opositores, almeja desde sempre. Seja Seguro ou Costa, quem quer que vença as primárias terá de reconciliar o partido em tempo recorde: o Orçamento do Estado começa a ser discutido no início de outubro; em 2015 há eleições legislativas e em 2016 há presidenciais. “Depois das eleições, [Costa] tem de ser muito ativo” para curar as feridas internas, considera Ascenso Simões. João Tiago Silveira, por seu turno, não está muito preocupado. “O chip já mudou completamente”, diz entusiasmado, pelo que não demorará muito o reorganizar de tropas para os combates que se avizinham. “A primeira coisa que ele fará será aproveitar toda a gente que seja válida”.

Junto dos apoiantes de Costa reina a confiança num grande resultado, mas há algum nervosismo relativamente aos simpatizantes inscritos, que ninguém parece saber muito bem quem são. A ansiedade será maior na medida em que, como é unanimemente reconhecido, o candidato fala de acordo com o auditório, sabendo moldar o seu discurso a quem o está a ouvir. E as sondagens já disponíveis indicam que pelo menos os militantes e simpatizantes do PS gostam do que têm ouvido. “É imprescindível termos um primeiro-ministro acarinhado”, afirma João Tiago Silveira, que justifica o seu apoio ao amigo de longa data não só com a relação pessoal entre ambos mas também com “a atitude, a capacidade e as condições para formar um Governo de maioria absoluta”.

Ganhe ou perca, o costismo parece ter vindo para ficar. A máquina demorou anos a aquecer, mas agora trabalha a todo o vapor. António Luís Santos da Costa, de 53 anos, casado, pai de dois filhos, entusiasta de viagens, comboios elétricos, puzzles, culinária e banda desenhada, quer ser o próximo homem a governar Portugal. “A política tem de voltar a ser [feita] pelos melhores de todos nós”, afirma Luís Patrão. Será Costa essa pessoa?

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